quarta-feira, 9 de abril de 2025

ASSIM FLUÍA A INSONDÁVEL RELATIVIDADE DO TEMPO



Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Não há nada mais mágico e revelador do que um sonho que te tira de uma vida sobreposta e te lança na dúvida entre morrer só com a lembrança e entregar-se ao conhecimento absoluto e extrair dele tudo que uma única vida sensorial jamais lhe dará. Na dúvida, perdemos tempo, desperdiçamos energia tentando encontrar um significado para a vida, mas ela é simplesmente tudo que acontece enquanto fazemos planos para ela. Para nós o tempo passa, mas na verdade ele só fica. Tenho as vozes dos anjos ressonando em minha mente, desvelando minha paixão e minha brandura. Tenho não apenas um único espelho da alma, mas dois, e quando acordo todas as manhãs meus olhos se abrem a se alinham, e entre eles é criada uma série interminável de reflexos, inebriantes, movendo-se uníssonos, sem terem consciência de si mesmos, luzes umas sob as outras, outras sob mais outras, mais outras sob o infinito. Nossas limitadas experiências não passam de uma projeção holográfica que sucede em algum lugar muito distante de tudo que nos cerca. Eu me belisco e sinto a dor, mas o beliscão reflete um processo paralelo que está muito distante da realidade. Tenho como provar que o mito da caverna de Platão não era uma simples metáfora. Sou capaz de aproximar-me da beira do horizonte de eventos das mais fantásticas ocorrências do universo, sem a preocupação de que estou tomando um caminho sem volta. Minha singularidade será apreendida só por mim, mas ficará estampada para sempre nesta vida ilusória. Não quero passar com o tempo. Quero ficar nele, com todas as minhas fantasias, e experimentar do que é feita a mágica no ar, do que são feitos os sonhos, do que é feito o tempo passar sem sair do lugar.



terça-feira, 8 de abril de 2025

GUARDIÃ DA ALMA


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Mulher de César, Como queres que eu vá irei, Amedrontado e sozinho, Casado eternamente com você, Casando as forças favoráveis que se lançam a peito feito, Com as adversidades que encontrarei em minha jornada, Em santa obediência à guardiã da  sede de meus sentimentos, Consinta que eu limpe meus trapos, Porquanto tenho buscado Deus de modo equivocado, Não como rios que procuram os oceanos, Não como vai, Longe, Uma jangada se encontrar, Como ave fabulosa e corajosa, Com este azul dos vastos mares, Na solidão melancólica das águas, Estou apenas macaqueando seus atos exteriores, Pois ainda sou um bárbaro, Um pagão, Leio o evangelho, Rezo o Pai Nosso, Mas tudo não passa de uma piedosa reminiscência histórica e hipócrita, De uma encenação que me ergue numa cruz alta demais e perigosa, E ainda que minhas mãos sejam apenas amarradas, Finjo ouvir o terrível som do martelo sobre os cravos, A crucificar meu princípio vital, A esticar-me entre opostos, A dilacerar-me os braços urzes e cardos, A sofrer a extrema colisão entre eles, E culpo Deus por ter me abandonado, Mulher Eva, minha alma só procura o céu, Só o contempla, Quando a dor me prostra, Portanto, Prostrado estou a purificar-me num movimento ascensional, A imitar Virgem Maria, Face terrena do conhecimento, E encontrar dentro de mim a criança de luz, Meu próprio sol, No último plano, O instintivo e biológico, No penúltimo, Mais elevado, Seus elementos sexuais, No segundo a mãe de Deus, Em quem o amor alcança a espiritualidade, E no primeiro, Sua própria temperança, Mulher Joana, Encoraje-me vendo-te em campos de batalha, Noites sem dormir, Dias sem comer, Sem descer do cavalo, Donzela que, Em sua humildade, Na sua simplicidade no vestir e no silenciar, Torna-se grande, E eleva-se acima da condição humana, E na sua magreza, Ainda reúne energias para carregar um pseudo fruto no ventre, À maneira daquela mãe mitológica de Deus, Mas vivendo seu próprio destino, Carregando sua própria cruz, Até sua morte exterior, Proteja-me contra a alienação de sua imagem que vejo em sonhos, Guardando a porta de meu espírito, E de minhas paixões, Para jamais cair-me a alma aos pés, Para que nada e ninguém faça dela outra coisa senão a ponte que me leva ao centro do universo, Ao deus da humanidade, À sabedoria feminina.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

CONHECIMENTO ABSOLUTO


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Carrego esta vida num fechar de olhos, Deixo para trás as angústias do mundo que se debatem dentro de mim, Acompanha-me no fundo de mim mesma a menina que todo poeta leva, A arquiteta inspirada e de fantasias desvairadas, Sem saber mais distinguir entre o que é real e não é, E quando as minhas visões coincidem com minha vida de olhos abertos, Mais verdades unem-se na minha imaginação e fora dela, Então sinto deus dentro de mim, Como embriaguez munda e imunda, Conduzindo-me às nirvânicas mais doces, Ao descanso do meu ser, À paz que calo com um segredo de amor feliz, Segredo revelado só para mim, E será sempre um erro de perspectiva querer explicar a vida de uma sonhadora pelas suas metáforas, Ou vice-versa, Pois as alegorias revelam meu eu profundo, E não minha vida, E será sempre um engano profundo de perspectiva querer explicar a essência de deus pela minha fé, Ou vice-versa, Pois sua inconsciência de si mesmo revela sua humanidade, E não sua existência, E juntos, Deus e eu, Nos iludimos acordados, Vivemos em toda plenitude adormecidos, Conhecemos mais gente que nosso planeta, Mais lugares que o universo, Mais felicidade que o paraíso promete.

domingo, 6 de abril de 2025

AO REDOR

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DE MARIANA E BRUMADINHO

Encontrei um sanhaço morto em meu quintal, Azul acinzentado, Num dia ensolarado, Asas enfeitadas, Endurecidas, Recolhidas junto ao corpo, Era adulto, Não tinha sinais de violência, Deve ter morrido por envenenamento ou doença, Porquanto ninguém vê pássaro morrer de velhice, Velei-o por um tempo, Como uma mãe vela pelo filho que dorme, Dei-lhe um funeral digno, Coloquei flores à sua volta sobre a terra, E como um saltimbanco, O sol apontou todos seus raios para minha guirlanda, Silenciou todo espaço, E brilhou toda fauna na vizinhança, Entrei, Liguei a TV, Outra tragédia é anunciada, Gente morrida, Desaparecida, Coisas perdidas, E muitas lágrimas de sangue que já não cabem nos olhos, E só irão chocalhar nos pescoços de sobreviventes como as contas escuras das lágrimas de santas marias por não terem a quem recorrer, É calamidade, De grandes proporções, Dela falarão por vários dias, Até ser esquecida, Quando a terra estiver do outro lado do sol, E eu estiver do lado de cá para não me lembrar do que aconteceu por lá, A grama crescerá sobre a última morada de meu passarinho, E o cobrirá de eterno carinho, A terra voltará para onde estou, E não poderei evitar que ela me faça recordar o que daquela desgraça sobrou, Escassas vidas com pouco sonhos para sonhar, Confusas com tudo quanto se passa ao redor, Sem as doces cantigas dos namorados da beira dos rios, Ainda por muito tempo a tristeza andará penando em suas águas turvas, Cada vez que a lua completa uma volta em torno das noites, Tenho meus longes de que, Mais hoje, Mais amanhã, Terei meus dias pela proa com os que vieram ao mundo para nos alegrar e os que vieram só para nos enlutar.

sábado, 5 de abril de 2025

OH! COMO?

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)



Hoje a vi com maquiagem em excesso, Cabelos pintados de verde e presos por muitas varetas multicoloridas, E ainda desbotadas, Cobertos  com um boné impossível, Tudo denunciando um gosto brega que não lhe combina,

Oh! Boné impossível? Como?

Não sei explicar, Nunca cobriu a cabeça nem com lenço, E a expressão de seu rosto não era propriamente de alegria ou exaltação, Mas de alienação mental, Ela fincou os olhos na ponta do nariz, Atarantando todos os sentimentos externos,

Oh! Olhos fincados na ponta do nariz? Como?

Não sei explicar, Tentei chamar sua atenção, Mas não ligou para mim, Estava é ocupada dando uma bola, baforando colunas salomônicas de fumaça,

Oh! Dando uma bola? Como?

Não sei explicar, Sempre foi extrovertida, Barulhenta, Gostou de cantar, De conversar pelos cafés, De passear entre o lobo e o cão nas ruas desertas, Mas agora está exagerando e se perdendo,

Oh! Entre o lobo e o cão? Como?

Não sei explicar,Ela sempre acordou cedo em dia de fazer, Nunca deixou de cumprir o dever, Já agora, Não sei mais, Está saindo da cama só depois das onze, 

Oh! Dia de fazer? Como?

Não sei explicar, Ela não diferencia mais a segunda do domingo, Leva a vida na base de semanas furadas todos os meses, Cansei de lhe pedir para largar os vícios e voltar à vida, Mas não adianta,

Oh! Semanas furadas? Como?

Não sei explicar, A verdade é que não a quero mais, E não vim aqui só para te contar, Vim também para tentar fazer um pé de alferes a você, Porque sempre gostei mais de você do que dela,

Oh! Pé de alferes? Como?

Não sei explicar, Quero dizer, Colorir nossa amizade, Sem compromisso, Por uns tempos, Juntar meu momento temporal com seu momento iluminado, Como num casamento de raposa, Que tal?

Oh! Casamento de raposa? Como?

Ei, Não tenha medo, Não sou do tipo de raposa querendo tomar conta de seu galinheiro, Não quero bagunçar sua vida como minha ex bagunçou a dela própria, Quero apenas experimentar, E se for importante para você, Podemos pensar em algo mais estável, Quem sabe um romance passageiro possa acabar indo das baixadas aos firmes, Depois dos firmes aos platôs, E, finalmente, dos platôs aos cimos serranos,

Oh! Aos firmes? Como?

Casando com você, E se você não quiser casar, Podemos simplesmente sair por aí sem destino, Casando somente a frieza de suas mesmas perguntas com seu frio de serra no mês dos frios que haverá pelo caminho,

Oh! Mês dos frios? Como?

Não sei explicar, Mas garanto-lhe que não são carnes em conservas ou defumadas, Vamos nessa, Minha inglesa fleumática? Ou seria minha  alemã sisuda e pensadora? Ou minha holandesa empreendedora e paciente? Ou será que vou me surpreender com uma espanhola ousada, Exaltada nas paixões, Ambiciosa  e aventureira?

Oh! Como? Que dom tenho eu de viver-te por tantas feições estrangeiradas e falar-te por tantas expressões desusadas?



sexta-feira, 4 de abril de 2025

JARDINEIRAS E PLANTADORES

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.


Quando eu era jovem plantei três flores, Uma de cada vez, Uma de força nobre, Outra oriunda de uma cidade italiana, E uma última reveladora da verdadeira imagem de sua mãe, E a palavra mãe aqui é apenas uma força de expressão para realçar a parte mais fina e bela de uma planta, No entanto nunca soube como tratar bem de um jardim, Mesmo sem jamais deixar faltar-lhe adubo, Água e sol, E tendo, Ainda, Uma fiel jardineira indiferente a uma pintura de natureza morta, À celebridade de um vegetal raro, A um ornato qualquer capaz de dotar uma flor de mais beleza que sua própria, A um livro sobre seu oficio e seus ossos, Apenas as mãos calejadas de dedicação sobre estas lindezas, E eu, Ingenuamente, Sempre achei que elas pudessem ter sentimentos, Sempre tentei falar com elas, Como aqui nossa alma com o universo conversa e o homem compreende, Sempre esperei que elas me respondessem, E como é triste o silêncio delas, Qual rochedos imóveis e mudos aos brados das ondas, E, Como determina a lei natural, Sempre pensei que elas morressem antes dos humanos, Como o sol que morre na tarde e a natureza torna-se um poema santo, Mas, Hoje, Creio que possa ter errado, Como enganam as aparências, Pois muito moço fiquei doente, E minhas formosuras parecem ter enfermado com minha moléstia contagiosa, Falta de amor não sei se foi, Mas sei que as estremecia, Que talvez adoecia de sabe-las doentias, Apesar deste infortúnio, Continuei esforçando-me para preservar meu quintal fértil em três culturas variadas, Meus encantos cresceram e tornaram-se mais independentes e, Em pouco tempo, desabrocharam suas pétalas bonitas e delicadas, Tão frágeis a ponto de recear tocá-las, E machucá-las, De tão sensíveis, Medos sempre tive, Mas este se impregnou em mim quando percebi que minhas flores murchavam com minha aproximação, Talvez por eu ser um simples plantador, E não um jardineiro, E muito sofri com isso, Muito sonhei sentir de perto as agradáveis fragrâncias que elas exalavam, Então, Chegou uma época que, Com o agravamento do meu mal, Me vi forçado a partir, A afastar-me de meu jardim, Mas minha fiel jardineira lá permaneceu, Cuidando dele, E muito saudoso no meu exílio, Não podia mais prover água e sol às minhas flores, Mas, Na medida do possível, Sempre enviava-lhes fertilizantes, E no meu ostracismo involuntário, Gastava minhas madrugadas, Não a folgar por bares, Mas a refletir sobre a sensibilidade das flores, E em minhas horas de monólogos sublimes, Na companhia de lembranças penosas, Buscava consolação que as atenuassem, Atravessando as noites remoendo arrependimentos, E, Estranhamente, Enquanto meditava, À distância tinha um pressentimento de que minhas flores já não pesavam minha ausência, E desconheciam o amor que sempre tive por elas, Porque sempre amei tudo nelas, O coração, A beleza, A mocidade, A inocência e até o nome, E assim como agora escrevo como bálsamo para minha dor, Resolvi, No meu cativeiro, Plantar outra flor, Num pequeno canteiro, Que se desenvolveu além do meu controle, Como um pé de mostarda, E hoje, Ainda mais enfermo, Preciso de tantos cuidados quanto ela, E o pouco que restou de mim, Fica para ela, Um pouco de excremento animal, Água da chuva, E raios de sol que brilha contra nossa vontade, Mas quando durmo meu sono, Calmo e profundo como deveria, E não eterno como desejoso, Oro, Fervoroso, A todos os santos, Pelas minhas primeiras flores, Mas meus antigos sonhos dourados transformam-se em amargos pesadelos, E minha antiga vida, Um cântico de amor, Transformou-se numa triste toada, Visto que chegaram a todos meus sentidos a notícia de que minha morte foi anunciada no meu antigo jardim, E assim comecei a admitir que, Talvez, As flores consigam imaginar um ser humano morto antes delas, E Quem recebeu notícias de minha morte antes da hora, Não sabe que estou vivo, E eu também não sei se estão vivos ou mortos todos os que estão dentro e fora de meu antigo jardim, Então passei a crer que, De fato, Um ser humano pode morrer antes de uma flor, Pois já morri para minhas primeiras flores, Mas não para esta nova que plantei na minha expatriação, Que ainda vai crescer e tornar-se formosa como as outras, Porquanto sempre adorei flores, Para cercar-me de responsabilidade e zelo por um ser, Racional ou irracional, É por isso que plantei flores, É por isso que escrevo um livro de memórias no qual todos os personagens têm nomes de flores, As que já que morreram, Assim como já morri para as primas flores que semeei, Exceto para esta recente, Distante da flor de sua idade, E para quem provi uma jardineira fiel, E meu sonho agora é ensinar esta única flor, Que me vê vivo, E que transportei para um pequeno vaso, A ter afetos, A dialogar, A se deixar tocar, E até a amar como os humanos, E tentarei, Na medida que a natureza permitir, Não morrer antes dela emancipar-se, transformar-se em beleza e formosura, Dizem que todo mundo já foi uma flor pelo menos uma vez, Dizem também que já fui uma flor plantada num jardim, Que tive todos os devidos cuidados, E que não atinei para o desvelo de meu fiel jardineiro, Talvez porque, Sendo uma flor, Eu não tivesse afeto, E que não vi meu fiel jardineiro viver, E que, Mesmo sendo uma flor, Sabia que ele deixou de existir, E isso deve ser uma prova que a flor intui, Tem afeição, Mas não sabe se expressar aos humanos, Sei que jardineiros e jardineiras são sempre fieis, Dedicados e carinhosos, E que um plantador é mais dado ao trabalho braçal, Por isso, Anseio ser, Um dia, Um fiel jardineiro que rega uma flor com amor, Ou então voltar a ser uma flor para melhor entende-la e compartilhar minhas percepções com todas do gênero, Se minhas primeiras flores tivessem a mesma suscetibilidade, A mesma estima, Mesmo sendo um mero plantador convalescente, Elas saberiam que a felicidade brota de todos os reinos, Mineral, Vegetal e animal, Em solos e em tempos férteis e inférteis, Assim, Para a esta nova flor, Quero aprender a ser um jardineiro, E chorar da ingenuidade de achar que todas as flores, Todos os plantadores e todas as jardineiras podem conviver num mesmo jardim, Chorar da ingenuidade de pensar que todos precisam ficar sabendo quando morre uma flor, Do quanto se devota uma jardineira, O quanto trabalha e sofre um plantador.



It is the evening of the day
I sit and watch the children play
Smiling faces I can see but not for me
I sit and watch as tears go by

My riches can't buy everything
I want to hear the children sing
All I hear is the sound of rain falling on the ground
I sit and watch as tears go by

It is the evening of the day
I sit and watch the children play
Doin' things I used to do they think are new
I sit and watch as tears go by

quinta-feira, 3 de abril de 2025

SALTO AZUL EM ÁGUA VERDE

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Minha homenagem à pequena cidade de Itobi, SP, onde passei os mais felizes Natais e Anos-Novos de minha infância e pré-adolescência. Dedicado aos meus padrinhos Antonio e Isabel, e meus primos Toninho, Maria da Penha, José Urbano(in memorium) e Ênia.

A estrada que leva a vastos horizontes, Aparentemente familiares, Mas de eternas singularidades, É longa e infindável, Deixa o infinito para trás, E cada vez que parece ir de encontro ao céu, Desce como Odisseu ao Hades, Mas para aprender com as almas, E não ser por elas sentenciado, E rapidamente ela retorna terra a terra, Ainda abrangendo num mar verdejante o ímpeto retilíneo da ânsia de chegar a algum lugar, E se chega, Quando se procura, Se desvia e se desce lentamente, Até o que parece ser um lago como o Aquerúsia, Por onde passam todos pecadores, E de onde saem todos os perdoados, E logo percebe-se que o paraíso não é diferente do  mundo, Com lugares ruins, Bons, Melhores, Especiais, E únicos, Como o mais sagrado de todos os santuários, Que pode ser adentrado somente pelo suprassumo dos homens num dia de arrependimento, Do bom e do melhor, Do ruim e do pior, Todos são comuns, E o homem comum deles se enfada e até padece, Mas o homem anormal e passional os engrandece, Com todos hiperbolismos orientais, E a rua principal torna-se tão interminável quanto a rodovia, Mas outras locações têm espírito mais que o comum das percepções humanas, Como o bar da esquina, Que marca o limite norte do local das delícias criado por deus, E que, Irônica e paradoxalmente, É mais santo que a igreja, No outro extremo, Delimitando a fronteira sul, E além dela parece existir um umbral, Literal, Sem almas vivas ou mortas, Ao contrário do que se acha além-bar, Uma trilha percorrida por bicicleta, Onde no meio do trajeto, Numa paragem de pomar de frutas negras, Farta-se dos pecados originais, Farta-se da vida, E depois busca-se o além que aterra, Lá na quietude do fim do caminho, E é novamente a partir do bar que se chega a outro rincão, No sentido leste, Subindo a mesma alameda larga e íngreme, Aquela que se abre subitamente como uma janela no meio do nada, E faz nascer, Milagrosamente, Uma pequena cidade que os olhos abertos na rota não alcançam, Uma cidade de paz lunar e eternidade, Que o homem incomum segue, A olhos fechados, Arrastado para um abismo, Este outro recanto parece um recôndito, Mas quando se atravessa seu alto portão, Descortina-se um enorme ginásio grego, A céu aberto, Reservado somente aos másculos, Onde a paixão pelos jogos, Precedidos por uma expectativa messiânica, Faz o coração saltar palpitando pelos olhos, Imortaliza, Como o amor entre Romeu e Julieta, Quem lá pratica esporte vence sem derrotar o adversário, E tudo mais nele se esgotaria, Se do que aqui se fala não fosse o paraíso, Que tem entre o que deveria ser profano e o que deveria ser sagrado, Um ponto de encontro, Só para ocasiões especiais, Para dançar as pernas em bailes, Para dançar a alegria em festas de casamento, Para se comungar diretamente com a felicidade num estado de alma poético, Quase religioso, Quase metafísico, Mas é o bar quem insiste em monopolizar, Bem à sua frente está o jardim do Éden, Com todos descendentes de Adão e Eva andando em círculos, Entreolhando-se quando se cruzam, O sorriso implícito do sexo frágil, Correspondendo ao gracejo explícito do quase inquebrável, A cidade inteira parece lá se reunir todas as noites, Caminhando em volta do centro, Onde o coreto está vazio, Onde Deus não é visto, Onde a árvore com o fruto proibido desaparece, E Baco e suas Bacantes não atrevem-se, Porque este território fértil em seres simplórios pertence aos carregadores de tirso, Mas suas lanças são muito curtas, E no lugar de heras e pâmpanos, Suas pontas sustentam os frutos congelados com mãos caseiras e santificadas, Que vêm lá do bar, E no recesso menos distante, Abaixo do jardim, Que fecha a cidade no lado Oeste, Os trilhos estão adormecidos nos dormentes, A estação está vazia, Mas não solitária, Fecha-se ao silêncio, Mas seu íntimo abre-se às lembranças de todos que nela desceram e dela partiram, E todos espectros saudosos que fizeram passagem, Por ela ainda são acolhidos com a mesma hospitalidade, E o bar, Aqui tanto referido, É, Na verdade, Somente a fachada de um templo, Um ponto de intercâmbio, De gente, De prazeres, Os adultos trocando dinheiro por aguardente, E os jovens por guloseimas, E quem está por trás das bancas serve e sorri por comprazer, E se deixa levar pelos olhares maravilhados sem se preocupar que vai para onde o impelem, A única moeda de troca aqui é a cordialidade, O templo é enorme, Suas noites de paz celestial são de tirar o folego de Deus, Suas manhãs gloriosas são regadas por mesa farta e uma hóstia, Do tamanho de uma broa, Abençoada com a palavra generosidade ao ser servida, Seu pomar tem o chão forrado de frutas que caem da árvore preferida, E a maior tentação é subir até o último galho para apanhar a fruta que quer sair voando pelos ares, Lá sentar, Se lambuzar, E delirar com uma vida airada, E um de seus vários aposentos, Improvisado de depósito de bebidas e outras tranqueiras, Nada tem de especial, Mas retém pessoas por horas, Encanta, Porque lá parece ser o lugar onde a magia dorme, E muitos dormem com ela, Outros, Porém, Precisam partir, Porque o paraíso é uma democracia, Chega, Fica e se vai quem quiser, Nasce, Cresce e morre nele quem quiser, E os que estão só de passagem fazem uma pergunta que Deus não sabe responder: Para onde vão os que morrem no paraíso?

quarta-feira, 2 de abril de 2025

AQUI ESTOU PARA TE AGRADECER

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)


As muitas horas nos mares apascentados com meu corpo e minha alma, As leituras à luz das palavras que calam os dogmas e transcendem a fé, As longas viagens nas mãos da liberdade que acolhem o peregrino, As árvores e seus rebentos que, congelados, frutificam pequenos paraísos, As pessoas incógnitas e os mundos do passado e do futuro que fabricam meus sonhos, As manhãs gloriosas das madrugadas apressadas que acordam minha paixão corpórea, As escolhas privilegiadas das artes musicadas que alimentam meu princípio espiritual, Os muitos deuses nas noites embaladas com meu choro e meu expurgo, Os escritos à sombra das incompreensões que desavistam as feridas e exasperam a humanidade, Os muitos erros às vistas da impunidade que indultam o forasteiro, Os pássaros e seus cantos silenciados que adotam grandes desajuizados, Os seres ocultos e os mundos do presente que preservam meus pesadelos, Os amanhãs esperançosos dos tempos fracassados que fortalecem minha obstinação, Os dias vividos das partes racionadas que me guiam por meio do medo.


terça-feira, 1 de abril de 2025

O SENTIMENTO MAIS PURO

 


Este é mais um belo escrito de meu amigo AustMathr sobre o qual quero fazer apenas um comentário e não uma análise. Perguntei ao AustMathr de onde ele tirou a ideia para escrever este texto, sabendo que ele a extrai de seu próprio intelecto, se inspira numa música, sempre na melodia e nunca na letra, numa pintura, num sonho e até numa palavra solitária que surge do nada. Então, ele me disse que foi de um filme que assistiu há cerca de 25 anos, chamado CITY HALL, que significa PREFEITURA, e que no Brasil foi lançado com o nome de CONSPIRAÇÃO NO ALTO ESCALÃO. Neste filme, Al Pacino faz o papel de John Papas, prefeito de New York, e John Cusack é Kevin Calhoun, o vice-prefeito. John Papas tem boas intenções e grandes ambições: chegar à presidência dos EUA. Kevin é um jovem sulista e idealista e tem uma enorme admiração por John Papas. Mas, como o filme mostra, ao longo de seu mandato, o prefeito se desvia do caminho correto e deixa Kevin decepcionado. John procura consolar Kevin dizendo-lhe que desde quando era jovem ele também era idealista, e que sempre teve o sonho de um dia levar este idealismo à Casa Branca. Resignado com a única alternativa de ter que abandonar a política, ele revela a Kevin que um dos antigos prefeitos dizia que se um pardal morresse no Central Park ele era responsável. O jovem Kevin ficou comovido com esta frase, e AustMathr também, e ele pensou: já houve um tempo em New York em que havia políticos tão íntegros e responsáveis a ponto de assumirem a culpa pela morte de um pássaro no maior parque da cidade! E em nossos tempos atuais, onde estamos, como eles são numa grande metrópole como São Paulo, a terceira maior do mundo depois de Tokyo e New York? AustMathr jamais se prestaria a fazer comentários sobre políticos corruptos. Ele costuma dizer que é muito cômodo sentar confortavelmente numa cadeira diante de um computador em casa, na redação de um jornal ou de uma revista e nas plataformas das redes sociais e passar o tempo todo criticando os políticos, sem tirar a bunda da cadeira, arregaçar as mangas e fazer alguma coisa para ajudar a consertar o que está errado na cidade ou no país. Ele se perguntou, e o pássaro, o que ele acha disso? AustMathr preferiu dar voz ao bichinho de penas, abriu mão de seu cérebro, embora sua genialidade continue presente, deixou de lado qualquer sofisticação, qualquer eloquência complexa, e pensou com o coração, extravasando apenas seus mais puros sentimentos através do bico de um pardal. O resultado é um texto poético, curto, simples, leve e suave, sublime, com o toque mágico que AustMathr dá em tudo que escreve. O título, O SENTIMENTO MAIS PURO é perfeito. A ilustração que ele encontrou na internet parece ser o anverso do texto porque a pessoa anônima que a pintou a chama de A DIFICULDADE DE SE COMUNICAR COM UM PÁSSARO. A música escolhida não podia ser melhor. Ela embala a narrativa e soa como o coração do pássaro palpitando enquanto fala. Como AustMathr sempre diz, músicas e ilustrações não estão em cada texto por acaso. A música é a alma da imaginação e do sentimento e da qual ela se alimenta, e a ilustração são seus olhos. A pedido de AustMathr, eu assisti ao filme que está disponível na Amazon Prime Video, mas eu fiquei mais comovida com a poesia de AustMathr

Inglesa Luso-Chinesa

4 de Setembro de 2024   


O SENTIMENTO MAIS PURO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Meus descendentes báquicos da Ibéria, Realizaram o melhor sonho de minha vida, Pois logo depois do primeiro descobrimento embarcaram-me do velho mundo para este novo e paradisíaco, De onde se tira da natureza a tintura para dar o vermelho das miniaturas e iluminuras dos manuscritos que são mandados de volta só para falar destas belezas que tanto me encantam, E rouba-me esta terra, Mais do que a  alegria de aqui viver, O orgulho de ser tão bela, E nela eu bem estaria em meio a tanta formosura, Mas não sei viver sem você, E por sorte você acostumou-se com meu bruno-pardacento e meus sombrios tons ferrugíneos, E nem mesmo reparou no negro que recobre minha garganta e meu peito, E nos meus braços malhados de branco, Não falta o murmúrio dos mesmos ares que respiramos, Pelas vozes do tempo que passamos, E dos dias rotineiros, Que pertencemos um ao outro, Sem nos darmos conta, Sem intrometermos nossas experiências nas diferentes histórias que vivemos e contamos, Só me preocupa a maneira como você cuida dos seus, Pois se fossem verdadeiras as boas intenções e preocupações que alardeiam os que estão no comando, Será que eles se sentiriam responsáveis se um de seus pares morresse no parque de nossa cidade?