Inglesa Luso-Chinesa
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
CIDADE DA MORANGA
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
LIBERDADE SILENCIOSA
Vim participar de uma exposição internacional muito disputada, Não há alojamento porque a infraestrutura da cidade está saturada, Vou para a delegacia da polícia e passo por uma triagem, A burocracia não é tão lenta e logo consigo um lar como hospedagem, É preciso andar de bonde para chegar até a periferia, Não existe táxi, nem carro para alugar, nem cortesia,
O dono é zelador no condomínio de prédios de dois andares, A dona trabalha como enfermeira nas redes hospitalares, A filha única foi para a casa da avó por uma semana, Para que eu pudesse usar seu quarto e dormir na sua cama, Ainda faz frio, a calefação cochila ao lado e com seu calor me abano, A noite é silenciosa e o ar é igual a todo lugar do planeta: humano,
A frígida manhã congela meus dedos que seguram a alça da pasta, O abrigo do ponto de bonde deixa passar frio e a mão ficar dura e gasta, Dentro do ônibus elétrico, em movimento, peço ao cobrador uma informação, Uma loira volta-se contra mim e vocifera ódio em alemão, Confundiu-me com um de seus americanos imperialistas, Aqui meu sotaque inglês é igual a todos, todos comunistas,
Ao longo da Avenida Stalin, não ouço Johann Sebastian Bach compor e tocar, Nem Johann Wolfgang von Goethe escrever e declamar, Não ouço Schumann, Hahnemann e Mendelssohn ecoarem na atmosfera, Só outdoors impondo aos alemães os ditames de uma opressiva e humilhante era, Eu devo ter um amigo russo porque ele é nossa única esperança de paz no mundo, Produzimos armas nucleares para nos defendermos do americano porco e imundo,
O frio é de lascar e, antes de chegar ao meu local de trabalho, paro num local familiar, Um outro pavilhão onde há um estande da nossa Petrobras com tudo no devido lugar, Mulheres lindas, bar completo, cachaceiro do Rio, pinga, limão e açúcar brasileiros, Uma caipirinha dupla esquenta o peito e a mente e deixa os membros bem ligeiros, Já sei onde vou completar todos os dias meu café das sete da manhã a semana inteira, Já sei onde farei uma parada no final do dia para falar português e tomar uma saideira,
De volta ao lar da menina que teve férias forçadas para que os pais fizessem um bico, Ainda preciso trabalhar, escrever relatórios à mão e enviá-los ao meu patrão rico, Vou até uma sala que tem um sofá, uma mesa de centro e uma redonda com cadeira, Ela fica entre meu quarto e o resto da casa e dá passagem obrigatória a uma geladeira, Antes de terminar, ouço uma porta ranger, levanto-me para ver que é numa hora destas, Vejo um vulto distanciando-se lentamente e que espreitava-me por entre as frestas,
Mais um dia de trabalho, hoje abençoado com um encontro com um velho amigo meu, Morou no Brasil, voltou à sua pátria, a Suíça, e estava fazendo em Leipzig o mesmo que eu, Ele ajuda-me a encontrar-me com a Ministra de Economia da Alemanha Oriental, A reunião é no estande de outra empresa brasileira conspirada com aquele país ditatorial, O dono tem que comer a Ministra todos os dias e depositar sua comissão numa conta na Suíça, A corrupção deles não é mais sofisticada do que a nossa e perde em questões de injustiça,
Meu amigo Suíço convida-me para sair para jantar com outros companheiros europeus, A noite de Leipzig é triste, solitária, deserta, um lugar desconhecido por Deus, Os velhos prédios ainda conservam todos os buracos de balas da segunda guerra mundial, Encontrar um restaurante é coisa rara, só com dia e hora marcada e expectativa mortal, Fomos rechaçados por vários deles, até que um aceitou como suborno um valioso pó, A gente esquece todos esses inconvenientes tomando um copo cheio de vodca num gole só,
De volta ao meu ‘lar’, sou surpreendido com uma máquina de escrever sobre a mesa na sala, Ao lado dela, há um maço de papel sulfite caprichosamente alinhado com um pacote de bala, Imaginando minhas mãos calombentas e minha boca seca, meu anfitrião compadeceu-se, De propósito, deixou a porta da sala aberta, passou rapidamente pelo seu vão e escondeu-se, Tirei o paletó, afrouxei a gravata, arregacei as mangas compridas e pus me a trabalhar, Ouço passos macios do outro lado onde fica a cozinha e sinto que há alguém a me perscrutar,
Gostaria de dar uma escapada até a Escola de Tubinen para manifestar uma honraria, A Ferdinand Christian Baur que defendeu pela primeira vez o estudo científico da Bíblia, Mas o tempo é exíguo, então vou logo ali à famosa Universidade de Leipzig, Por onde passaram Wilhelm Leibniz, Goethe, Nietzsche, Wagner e só faltou Ludwig, Lá no campus e no refeitório conheço duas patrícias em busca do que não há em Portugal, Elas só sabem falar de dialética marxista e do iminente fim do ocidente imperial,
Em casa tenho outra surpresa: um par de abotoaduras peroladas e fingidas de mortas, Meu anfitrião continua tentando acerta-se comigo por linhas que me pareciam tortas, Primeiro foram minhas mãos calejadas, e agora são minhas mangas compridas sem botões, Eu sei que persegue-me uma inevitável amizade e logo abriremos nossos corações, E meus pensamentos são corroborados com sua entrada segurando duas garrafas de cerveja, Aqui começam as mimicas e o esforço paciente quando é fraternidade que se almeja,
Hoje resolvi sair mais cedo, andar a pé pela cidade para conhece-la melhor antes do sol se pôr, É hora do rush, as ruas estão inquietas, mas nos semblantes das pessoas há sinais de torpor, Todos andam de cabeça baixa, como se estivessem cuidando onde pisam para não tropeçar, Olham para o alto procurando a posição do sol para ver quanto falta para o dia terminar, Não há sorrisos, movimentos espontâneos, olhares maravilhados, nenhuma descontração, As pessoas parecem ainda viver em clima de guerra com a vida que flui por obrigação,
Lá em casa, meu anfitrião recebe-me com sua esposa e mais déjà vu, Iniciamos uma conversa baseada numa frase universal: I love you, Eles ensinam-me alemão e eu português e sobra um pouquinho para o inglês, As mãos falam pelas bocas e os olhos convertem tudo em humanês, Não existe fronteira, nem país, nem ideologia, só um fraterno apego, O silêncio imposto pelos mandatários é rompido por um livre aconchego,
Última noite em Leipzig num restaurante cubano com a turma da Petrobras, Nas paredes posters de Fidel, Guevara, Lenin e Marx, Copos de tequila num só gole, piadas brasileiras, música e alegria, Alguns gritam viva a revolução, outros não ao neo fascismo, outros viva a democracia, Todos embriagam-se, dançam e já não sabem de onde são, Todos amam-se uns aos outros, mas no dia seguinte de nada se lembrarão,
Último dia no meu lar em Leipzig e tenho a honra de almoçar com toda a família, Comida simples e farta, regada a vinho e aberta com uma homília, Meu anfitrião fez um cambalacho na antena para captar a rádio de Berlim Ocidental, Tento lhe mostrar que há muita coisa além de sua cortina de ferro prisional, Ele não me entende e me surpreende com uma coleção de discos dos Beatles original, Adquiridos através de contrabando e pagos em dólares do seu maior rival,
Malas prontas, meu amigo alemão, que só tem primário, leva-as para mim até o ponto, Olha para mim ficando a imaginar se um dia teremos outro encontro, Eu lhe devolvo as abotoaduras, ele as aperta contra seu coração e as recola em minha mão, Entrega-me um papel com endereço, pede-me para escrever e não contém a emoção, Estamos quase derramando lágrimas, e, de irmão para irmão, damos abraços calorosos, Adeus Leipzig, adeus dias inesquecíveis, adeus meu amigo alemão, adeus tempos impiedosos.
TRADUÇÃO DA VIDA
terça-feira, 15 de outubro de 2024
SERIADO: ESPORA ORIONIS: SPOILER: SEMPRE (CLAUDIA, AOS 25 ANOS, RECEBE DEDICATÓRIA DE ANÔNIMO)
segunda-feira, 14 de outubro de 2024
THE CLOGS ARE OPEN
Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
Grandes tristezas resignadas no recôndito da sede de todos sentimentos, De amarga história ainda não cicatrizada, Entra ano, Sai ano, Fundem-se sonhos e realidades em luz e escuridão, Passado patente ao espírito do presente, Futuro com data marcada, Secam ao sol rios de ardentes aspirações, Murcham falto de claridade pastos de apaixonados desejos, Permanecem nuas árvores de frutos deiscentes, Amarga ainda é à solitária a saudade que embarga a voz, E no peito, Escaldante lava, Pousa errante nuvem, Passageira como calendário na parede, Correndo mais rápido que o tempo, Mais lenta que noites insones, De olhos brancos afogueados, Veem o nascer do dia por sombra de cortina, Fechada à queima pelos raios de Coaraci, Oh, Como doce à desacompanhada é o sussurro do anjo anunciando-lhe the clogs are open no isolamento, Abrindo livros empoeirados na prateleira, Dissipando as escórias da mesmice ralo abaixo, Deitando-lhe sob um céu protetor, Que não deixa a precipitação entrar, Nem vento uivante varrendo detritos, Nem luzes de ruas escuras borbotando formas laranjas através da janela, Nas horas do crepúsculo, Nas horas do céu noturno vermelho que apraz os pastores, Nem ladrões da madrugada, Que lhe foram caros e lhe venderam, E antes de chegado o momento de sentar-se numa cadeira de balanço com uma manta cobrindo os joelhos, Vai a um cemitério, Pensar em todas as esperanças e sonhos perdidos que jazem sob o solo, Vai a uma igreja, Pensar nas imagens e nas preces vivas que procuraram atributos que nunca existiram, Vai ao santuário da alma, Pensar nas pessoas que só se importavam com o corporal, De amor de água poluída, Enquanto se esperava pelos seus corações, Sai da touceira, Passa por uma ampla campina, Por onde a lua, Sozinha no firmamento liso, Estende sua triste luminosidade, Sai da touceira, Passa por uma vereda macia e fecunda, Por onde a primeira estrela da manhã, Radiante no horizonte, Estende sua alegre calidez, Sai do encarceramento de um casulo de algodão que se abre, Rebento com um grito de incontido alívio e felicidade, Na melodia de sua liberdade, Na harmonia de sua delicadeza, No reconhecimento de um mundo que acabou.
ANO 2446
A paisagem não era um esplendor, e a terra parecia um pouco desolada, com pouca vegetação, solo pedregoso e arenoso, como um sertão de pedras. Nosso guia turístico nos escoltava numa caminhada por lugares históricos e ecológicos. A ideia era praticar trekking com espírito de aventura, mas alguns lugares por onde passamos tinham aspecto inóspito. Eu deveria ser o único brasileiro num grupo de estrangeiros de diferentes países. Nossa excursão incluía escaladas. Logo surgiu uma colina, um tanto íngreme, e nosso guia gritou:
ZHONGGUÓ 30 YEARS AGO
domingo, 13 de outubro de 2024
O QUE NOS TROUXE AO MUNDO
sábado, 12 de outubro de 2024
MEDULA
Medula Medusa, Intrusa nessa metástase óssea, Não me ignore, Como pode? Uma baleia encalhada na areia! Não sou veículo quebrado irreboqueável, Peça ajuda, A quem deus cuida, E não atrapalhe, Quem não precisa que você trabalhe, Deixa os briguentos retidos no chão, E o meliante com as amarras nas mãos, Os homens da lei lhes darão detenção, Coluna Medeia, Incólume nessa metamorfose vertebral, Veja quanta plateia, À espera de ideia, Eu sou uma delas, Plano pensado nunca iniciado, E acabado, Que se demora, Arregace minha manga da mesmice, Isso alguém me disse, Reinvente-me agora, Nesta hora crepuscular, Antes que seja tarde para ir embora, Antes do seu tempo acabar, Rainha Pandora, Sem espinha, Alinha minha postura dorsal, Não encare a cabra, Antes que sua mente se abra, Veja quem te contempla, Quem não te inventa e te adora, Medula Cunha, Jovem mulher da Amazônia, Calce-me para não cair, Como você melhor quiser, Você é testemunha, Do meu cansaço, Do meu fracasso, Me dê um abraço, Na minha insônia, Ansiedade e depressão, Não precisa partir, Só do pequeno santuário de simplórias oferendas, Que mantém prendas para um morto na estrada deserta, Aberta na sua imensidão.
SENSIBILITATE ET SENSUALITAS SINE RATIONE CERTA ARTICLE
sexta-feira, 11 de outubro de 2024
ALGO ASSIM
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
VOCÊS NÃO SÃO TÃO IDIOTAS COMO PARECEM!
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
HISTORICIDADE EM FILMES: O NOME DO PODER ABSOLUTO
Embora seja um filme de ficção, O Nome da Rosa, uma adaptação do livro homônimo de Umberto Eco, contém uma rica historicidade que raríssimas pessoas percebem. Se você ainda não o viu ou se já o viu mais de uma vez, vai aqui uma dica. Assista a este filme novamente, mas com outros olhos e ouvidos. Deixe de lado as tradicionais resenhas de críticos cinematográficos de jornais e revistas e disponíveis em sites na internet. Esqueça também a complicada questão semiótica que envolve o título. Tente ir mais fundo na história. Enquanto você se diverte com o roteiro policial no estilo Sherlock Holmes, você pode também exercitar sua mente. Que tal, por exemplo, fazer uma abordagem filosófica para entender porque as pessoas agiam daquela maneira naquele tempo (século XIV)? Para começar, um bom exercício é procurar entender porque a igreja preocupava-se tanto em proteger o nome de Aristóteles.
O frei William conhecia a verdade dos fatos e a revelou a todos os seus irmãos cristãos. Mas a verdade não lhe pertencia. Ela já tinha dono: um organismo jurídico da igreja que completava a humanística trindade: a santa inquisição como o espírito santo entre o pai (a igreja) e o filho (todos os pobres). Mesmo nos nossos dias, a igreja católica e seus seguidores ainda mal conseguem explicar a relação entre o pai e o espírito santo. No século XIV, a igreja e seus escravos que a sustentavam também não sabiam, ao certo, até onde ia o poder da santa inquisição em relação ao papa no vaticano. O que mais se sabia a respeito deste organismo brilhantemente presidido no filme por Bernardo Gui, é que ele exercia todos os poderes concebíveis: legislar em causa própria, julgar inocentes coerciva e arbitrariamente e executá-los sumariamente.