Nesta casa morou o menino que demorou para amadurecer, E logo tomou gosto pelos sonhos, Viveu com os pés muito longe do chão, Sem atinar para tantas nuvens que embaçavam sua visão, Quandou, finalmente, acordou para a realidade, Sua mente já estava turva e viciada, Olhou à sua volta, E só então se deu conta de que estava impregnado de seus personagens oníricos, Identificado com todos, Como as máscaras de pai, Filho, Marido e profissional, Que todos admiram, Ele morreu sem nunca se conhecer, Sua casa está sendo engolida pelo progresso como sua consciência sempre foi pelas suas ilusões. Ali, Ao lado morou a menina que nasceu num circo, E não conseguia definir o papel que melhor lhe adequava, Lhe assustava a altura dos trapézios, Temia os leões e outras feras soltas no picadeiro, Transitou pela ilusionismo, Pelo malabarismo, Pela acrobacia, Arriscou-se na corda bamba, E um dia cansou-se de ser itinerante, Sem jamais descobrir sua verdadeira vocação, Morreu da mesma tristeza que o palhaço esconde do público, Sua casa sempre cheia hoje está vazia como sempre esteve sua alma por todos os lugares por onde passou. Do outro lado da rua morou o homem que demorou a aprender a nadar, E logo ele tomou gosto pela navegação, Remou contra a maré o tempo todo, Sem saber que jamais saía do lugar, Um dia avistou à sua frente terras longínquas, Mas seus braços já estavam cansados, Olhou ao redor, E só então se deu conta de que estava longe de tudo, Distante de todos, Como no universo onde as galáxias distanciam-se umas das outras a velocidades espantosas todos os dias, Sem que ninguém perceba, Ele morreu dormindo em seu barco, Sua casa está abandonada como ele esteve a vida inteira.