Em nenhuma de nossas dores supremas, A resistência à morte inevitável significou apego à efêmera vida, Sem testemunhas, Elas bocejam dormentes, Numa criminosa indiferença, Numa manobra torpe, Negam nossos corpos, Mas neles se alojam, Fazem deles campos de provas, Subtraem nossas crenças, Tanto faz estarmos vivos ou mortos, Nenhum mensageiro grego nos traz boas novas, Você perdeu o lume dos olhos, E eu, Pasmo, Ainda estou tremendo, Travando uma luta surda, De comoção, Ainda tenho sangue nas veias fluindo, Esperando ser extraído por uma injeção, Enquanto a agulha e a seringa seguem fervendo,
Que venha a indiferença
Aloje-se em meu corpo
Faça dele um campo de provas
Aqui não há mais lugar para crença
Tanto faz estar vivo ou morto
Aqui não há mais lugar para boas novas
Continuo tremendo
Mas não de emoção
E meu sangue segue fluindo
Mas não estou fervendo
Teste uma arma nuclear no meu coração
Jamais sairei por ai fugindo
Tenho sangue frio no cadafalso
Não é preciso me matar
Podem me comer vivo
Não é necessário sair no meu encalço
Eu tropeço e caio para facilitar
Não adianta perguntar-me o motivo
Meu coração continua batendo
Forte como um trem mas seu balançar não é macio
Tornei-me frio demais para ser amável
Enquanto não me matam sigo vivendo
Mas não vou procurar recheio para meu vazio
Não sou mais um ser sociável
Adoro as palavras de Amanda
Nunca tive uma praia ensolarada
Nunca tive amor de graça
Sou levado pelo caminho por onde o desprezo anda
Minha praia sempre foi nublada
Nunca tive ódio por desgraça
Nunca tive alguém por perto
Aqui não há lugar para auto piedade
Tanto faz estar só ou mal acompanhado
Estou exilado no deserto
Aqui não há lugar para amizade
Continuo sofrendo
Mas não de dor corporal
E meus pensamentos seguem produzindo
Mas já estou esquecendo
Teste uma bomba atômica no meu corpo aural
Jamais ignorarei para onde estou indo
Tenho paz de espírito com uma arma apontada na consciência
Não é preciso me surpreender
Conte até dez para puxar o gatilho
Não esperem que eu peça clemência
Eu não tenho nada a perder
Nem pai, nem espírito, nem filho
Minha alma continua sonhando
Onírica como Deus mas sua numinosidade não é mágica
Tornei-me mundano demais para transcender
Enquanto acordo todas as manhãs continuo ensimesmando
Não espero que a criptomnésia enriqueça minha vigília trágica
Não passo de um espectro ocupando o espaço de outro ser
Adoro as palavras da Larissa
Nunca tive qualquer doença diagnosticada
Nunca tive vontade de trabalhar
Sempre me senti mal para justificar minha preguiça
Sempre dormi demais e acordei na hora atrasada
Nunca tive nada para me atrapalhar
Nunca quis levar uma vida trabalhosa
Aqui não há lugar para humildade
Sempre gostei de aparecer
Sempre exaltei minha mente engenhosa
Aqui não há lugar para suscetibilidade
Continuo sem medo de sofrer
Menos ainda de uma acusação vergonhosa
Minhas mentiras andam aos trancos e barranco
Já tornaram-se o meu melhor repertório
Que venha a desonra
Aloje-se em meu tronco
Faça dele um bode expiatório
Aqui não há mais lugar para esperança
Tanto faz ter nascido ou morrido
Aqui não há mais lugar para choro
Continuo sem bem-aventurança
Mas não por ter escolhido
E meu corpo sobrevive à base de soro
Não tenho mais adrenalina
Teste uma arma biológica na minha veia
Jamais deixarei de ser um indigente
Tenho o avesso encouraçado de morfina
Não é preciso praticar uma eutanásia e meia
Podem me retalhar enquanto estiver consciente
Não é necessário vedar-me a visão
Basta permitir-me que eu abra um livro e leia
Basta deixar minha alma escrever o que ela sente
Não adianta perguntar-me a razão