sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

SEXTA-FEIRA 13, FELIZ COM MINHA FAMÍLIA E MEUS 'PETS', INCLUINDO UM BELO GATO PRETO CHAMADO MICHIGAN

Texto de autoria de ALCEU NATALI com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Sexta, 13, é um dia azarento. Um dia para Satanás regozijar seus olhos anticristãos e infernizar a vida de incautos de pouca fé. Um dia para ele festejar a heresia. Dizem os sabe-tudo do vaticano que o coisa-ruim se vale do fato de Jesus ter sido traído por um amigo e preso numa sexta-feira, logo após ter celebrado sua última ceia com 13 pessoas à mesa, e ser levado à morte. Não sou supersticioso mas, por via das dúvidas, tomo minhas precauções. Um oficial de justiça já apareceu um dia em casa, em plena sexta, 13, sem avisar. Amarro a cara assim que os primeiros raios de sol surgem no horizonte. Não se pode esbanjar bom humor cedo demais. Dá azar. E o tinhoso está atento. Felicidade se conquista dia após o dia. Só abro um largo sorriso depois do meio-dia. Toda manhã acordo espirrando. Não sei por que. Mas numa sexta, 13, cuido para que minha esposa fique ao meu lado o dia inteiro, pedindo a deus para me abençoar a cada esternutação. É essa bênção que evita que o espírito escape do corpo a cada espirro. Depois do café da manhã costumo soluçar. Isso, dizem, também é um orixá querendo me fazer de cavalo. Para expulsar o sapucaio, prendo a respiração pelo nariz, tomo um copo de água, enquanto minha mulher me dá um baita susto por trás, estourando uma enorme bexiga junto aos meus ouvidos. De manhã demoro para pegar no breu. Fico meio sonolento até às nove, e bocejo muito. Minha esposa entende muito de obsessão. Ela me pede para tampar a boca com a mão ao boquejar, senão o pé de gancho me entra pela goela. Interessante é que quando bocejo, ela boceja também. Ela também reclama que eu me coço demais e que, num dia como uma sexta, 13, isso é um mau presságio. O mafarrico pode provocar um bate boca feio com alguém. Sigo seu conselho e aguento a comichão até o dia acabar com minha mulher em minha cama. Lá o batibarba fala a linguagem do corpo. Quando me preparo para começar a trabalhar, primeiro dou uma cusparada nas mãos e as esfrego, para me dar força extra contra o infortúnio. A saliva tem um poder de cura mágico. Por isso meus gatos e cachorros vivem se lambendo. Minha mulher não é muito diferente. Basta ela machucar um dedo e já o enfia na boca. Tenho também algumas crises de tosse. Para contê-la tenho uma simpatia. Pego um fio de cabelo e o coloco num sanduíche com manteiga. Ofereço-o a um de meus cachorros e lhe digo: Coma bem seu cão, Que você seja sadio e eu são. Às vezes tenho câimbra e dói muito. Numa perigosa sexta, 13, carrego alguns ossos de animais. Eles protegem. Se a câimbra vem e não passa, deito por alguns minutos com um par de sapatos em cima do estômago. Só assim a dor vai embora. A má sorte de uma sexta, 13, venha de onde vier, pode ser, até certo ponto, controlada. Para não deixar a sorte escapar, mantenho os dedos cruzados em tudo que faço, até para soltar um gás. Se o mau humor me protege contra o azar a manhã inteira, assobiar numa sexta, 13, é pedir para o azucrim te empossar. Gosto de assobiar, mas não numa sexta, 13. Minhas cãs estão aumentando aritmeticamente. Todos os dias arranco os fios brancos, um por um. Nuna sexta, 13, só dou uma guaribada neles com graxa de sapato. Dizem que na sexta, 13, quanto mais fios de cabelos brancos se tira, mais eles se multiplicam geometricamente. Todos os dias aparo as unhas dos pés e das mãos. Meu vizinho me disse que numa sexta, 13, é preciso enterrar ou queimar as unhas cortadas porque se o beiçudo as encontra numa sexta, 13, ele arrepia para valer. Minha dona me pede para simplificar. Deixe para cortar as unhas no sábado, 14. Neste último dia útil da semana, no sexto número primo do mês, o famoso olho gordo ganha peso considerável. O que faço para sair de seu foco é ficar na moita, passar desapercebido, não falar absolutamente nada a meu respeito, muito menos chamar a atenção para algo que tenho e outros não têm, uma linda mulher, por exemplo. Assim que os últimos raios de sol abrem a noite para as estrelas começa a alegria. É chegada a hora do amor. Aqui em casa se faz amor todos os dias, mas sexta é especial. Dia para beliscar um queijinho mais maneiro e bebericar um bom vinho chileno de, no máximo, 30 reais. Depois, cama! Dizem que o demônio é muito chegado numa sacanagem. Ele está convidado a vir ao meu quarto numa sexta, 13, lá pelas 22 horas. Ele terá que se conformar em assistir. Ele pode esgotar seu arsenal de mutretas que não conseguirá participar. No batente superior da porta de meu quarto penduro réstias de alho e ferraduras. Nas paredes há crucifixos. Sei que são fetiches que afugentam somente vampiros e que o diabo tira de letra. Mas acima de minha cabeceira há dois posters irresistíveis: Um mostra Judas de costas, enforcado, sangrando pelo ânus, depois de ter sido estuprado por um fariseu. O outro mostra Jesus,  saindo andando de seu túmulo, e esperando-o do lado de fora Maria Madalena cheia de contentamento. E hoje é sexta,  13, mas também 26,  meu dia de sorte,  o dobro de 13.   Portanto, o diabo que se cuide.  

NOTAS DE RODAPÉ: Se você ouvir um gato preto espirrar na Itália, você terá uma maré de sorte. Gatos pretos são um símbolo de boa sorte no Japão e se alguém vê um gato preto cruzando seu caminho, ele diz " konnichiwa " e assume o controle de sua própria sorte.

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

SIMÃO DE CIRENE: MITOLOGIA CRISTÃ

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Uma única mulher mudou a história do mundo ocidental para sempre ao INVENTAR o primeiro evangelho da maior religião da humanidade. Ela era da aristocracia e engajou-se num movimento religioso. Ela não pretendia escrever uma biografia de Jesus, pois ela sabia que estava escrevendo apenas sobre um mito. Seu propósito era duplo: criar uma cartilha para ser lida nos encontros com a comunidade cristã que ela comandava e, de certa forma, dar substância e verossimilhança ao proselitismo do mítico Paulo de Tarso e, também, diminuir sua importância como inventor da nova crença. Seu evangelho é conhecido como MARCOS, nome de uma pessoa inventado pela igreja cristã tardia e que nunca existiu. Com esse evangelho, esta mulher, que vou chamar aqui de MARCOS somente para efeitos práticos de identificação, criou um novo gênero literário de ficção, repleto de fantasias que incluim a execução de João Batista, a paixão de Jesus, parábolas, provérbios, histórias de milagres, controvérsias com supostos oponentes de Jesus e vários símiles em forma de quiasmo. Esta mulher foi a mais irônica de todos os evangelistas. Ela é a inventora da maior história já contada na terra. Seu evangelho, no entanto, não ficou restrito à comunidade cristã de sua cidade, mas espalhou-se pelo mundo dominado pelos romanos e caiu no gosto de muitas pessoas que, como ela, alistaram-se no movimento cristão em várias colonias do império. Muitas pessoas começaram a copiar o evangelho de MARCOS, a expandi-lo, reeditá-lo e a inventar novos evangelhos, sempre inspirados no livro de MARCOS. Muitas pessoas no império romano, adulteraram os textos de MARCOS, inventaram novas histórias, suas próprias parábolas e seus próprios milagres. Não se sabe, ao certo, quantos evangelhos foram escritos. Com certeza eles passam de 50. Muitos foram perdidos para sempre e são conhecidos apenas através de referências a eles feitas por apologistas cristãos enquanto tais evangelhos existiam. Muitos só existem em forma de fragmentos. Outros, completos, foram banidos pela igreja como sendo apócrifos (hereges). Hoje, são famosos apenas aqueles quatro que a igreja sancionou como sendo autênticos e válidos, os canônicos: MARCOS, MATEUS, LUCAS e JOÃO. Três desses quatro evangelhos são chamados de sinóticos, por causa da enorme semelhança entre eles: MARCOS, MATEUS e LUCAS. Para entender estas semelhanças, basta atentar na maneira como MATEUS E LUCAS inventaram seus próprios evangelhos.
MATEUS gostou muito do evangelho de MARCOS e COPIOU 90% dele! O evangelho de MATEUS é 53% maior que o de MARCOS e é composto das seguintes partes: 60% copiado de MARCOS, 15% copiado de um evangelho perdido e apelidado de Q, da palavra QUELLE, que em alemão significa FONTE, e 25% de material próprio de MATEUS (inventado por ele ou copiado de alguma outra fonte perdida). Os números aqui foram arredondados de 1 a 3 pontos percentuais, para cima e para baixo, apenas para facilitar a leitura.
LUCAS também gostou do evangelho de MARCOS e copiou parte dele, menos do que MATEUS, apenas 25%. O evangelho de LUCAS tem, praticamente, o mesmo tamanho do evangelho de MATEUS, com a diferença que LUCAS tem mais material próprio do que copiado dos outros: 25% de MARCOS, os mesmos 15% copiados do evangelho perdido chamado Q e 60% de material próprio. Aqui, também, os percentuais foram arredondados.
O propósito deste texto é mostrar como diferentes evangelistas reeditavam material copiado de um fonte comum para mostrar um diferente ponto de vista sobre um mesmo tema. Como exemplo, eu escolhi uma passagem que ambos, MATEUS e LUCAS, copiaram do evangelho Q. As diferenças parecem não alterar o significado, mas, com um pouco de cultura e um pouco de pesquisa sobre o assunto, o leitor perceberá divergentes pontos de vista. Prestem atenção nestes versos. Há muitas sutilezas neles:
MATEUS 5:38-42
...se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda! Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto! Se alguém te forçar a acompanhá-lo por um quilômetro, caminha dois com ele...
LUCAS 6:29-30
...se alguém lhe dá um tapa numa face, ofereça também a outra; se alguém lhe toma o manto, deixe que leve também a túnica...
Notaram as diferenças? Elas são claras! Lucas fala apenas em oferecer a outra face se você receber um tapa numa delas, mas Mateus recomenda oferecer a face ESQUERDA se você receber um tapa na face DIREITA! Estes detalhes fazem alguma diferença na interpretação da passagem? Sim, fazem uma enorme diferença!
Lucas recomenda dar, também, a TÚNICA se alguém lhe tirar o MANTO. Mateus inverte a ordem. Ele recomenda dar, também, o MANTO se alguém lhe demandar a TÚNICA. Faz alguma diferença a ordem dos fatores, MANTO – TÚNICA e TÚNICA – MANTO? Sim, faz uma enorme diferença!
Lucas omite a frase de Mateus: Se alguém te forçar a acompanhá-lo por um quilômetro, caminha dois com ele...’ e isso, também, faz diferença!
MATEUS é o mais beato de todos os evangelistas. É o que mais recorre a frases do Antigo Testamento. É aquele que quer passar aos seus leitores a ideia de que Jesus é o novo Moisés. Nos versos acima citados, MATEUS se insurge contra a aplicação de leis tradicionais, religiosas e administrativas, no que refere-se a insultos, empréstimos e direitos romanos.
LUCAS é o menos beato de todos. É o que menos recorre a citações do Antigo Testamento e, onde ele encontra tais citações, ele as substitui por frases mais universais. Na mesma passagem acima, a recomendação de LUCAS é NÃO resistir ou revidar uma violência e um roubo, sem entrar no mérito das ações previstas em lei para coibir e punir tais atos ilícitos. Eis as diferenças entre os dois evangelistas:
1) BATER NA FACE
VERSÃO DE MATEUS
A maioria das pessoas é DESTRA e quando um DESTRO bate na face DIREITA de alguém com a mão direita, ele bate com as costas das mãos e não com a palma da mão. Na Palestina do primeiro seculo da era comum, bater com as costas das mãos na face de alguém era considerado um INSULTO GRAVE e sujeito ao pagamento de uma multa, de acordo com os costumes da época. MATEUS é contra tais leis e é por isso que ele diz que ao invés de pedir o pagamento da multa quando você é esbofeteado na face direita, você deve esquecer o insulto e a multa e, ainda, oferecer a face esquerda (que será atingida com a palma da mão e doerá mais).
VERSÃO DE LUCAS.
Lucas não está preocupado com as LEIS vigentes. Ele apenas pede para que não se resista a uma violência. Por isso ele diz apenas que, se alguém te agredir com um tapa numa das faces, você deve oferecer a outra como prova de que é contra a retaliação.
2) TÚNICA E MANTO
VERSÃO DE MATEUS
Túnica é a roupa de baixo que se usava para dormir. Manto é a capa que se usava por cima da roupa de baixo para sair de casa. No Antigo Testamento, mais precisamente no Deuteronômio, há uma lei que diz: se você emprestar dinheiro a alguém você pode pedir como garantia a túnica do sujeito. Se ele não devolver o dinheiro, você pode, por lei, ficar com a túnica dele'. Agora, imagine esta situação: o sujeito não consegue pagar a dívida e perde a túnica. A gente deduz que, se o sujeito for pobre e tiver apenas uma única túnica, ele não poderá sair de casa (para trabalhar, por exemplo). MATEUS torna-se até irônico, sem querer, ao insurgir-se contra esta lei: ‘Se alguém te demandar a túnica, dê-lhe, também, o manto.' Aqui, eu imagino a seguinte ironia: ‘Já que não posso sair de casa sem a roupa de baixo, o que vou ficar fazendo em casa com um manto? Então, vou ficar pelado dentro de casa de uma vez, sem túnica e sem manto’!
VERSÃO DE LUCAS
Em quais circunstancias você poderia ter o manto roubado? Aqui vai um exemplo bem simples. Você peregrina de uma cidade a outra durante três dias, como, por exemplo, ir da Galileia a Jerusalém para a páscoa. À noite, você precisa parar para dormir ao relento. Você dorme com a túnica e se cobre com o manto. Mas um ladrão aparece na surdina, lhe rouba o manto e sai correndo. Ao invés de sair atrás do ladrão, Lucas recomenda que se dê ao ladrão a túnica também. Daí você  vai ficar, literalmente, pelado no meio do mato! Outra ironia!
SER FORÇADO A ANDAR PELOS OUTROS
Todos vocês já estão cansados de ver aquelas famosas e ridículas cenas de filmes policiais americanos quando um agente, perseguindo um ladrão a pé, para um carro qualquer, mostra o distintivo de policial, e pede o carro do sujeito para ir atrás do criminoso. E nos EUA é assim mesmo: você tem que fazer o que a autoridade manda. No império romano era a mesmíssima coisa. Se você voltasse para casa montado num burro, você poderia ser parado por um soldado romano e ter seu burro emprestado (como um livro que nunca é devolvido) para que ele não se atrasasse onde quer que ele precisasse ir. Você tinha que dar o seu animal sem reclamar. Outro exemplo: um soldado romano tem que levar um pacote pesado até a Fortaleza Antônia. Ele para o primeiro que ele vê e lhe diz: Ei, você ai, venha ajudar-me a levar este pacote pesado até a casa de Pilatos’. O mesmo ocorre com Simão de Cirene. Na inverossível via-crúcis, Jesus cai pela terceira vez e não aguenta mais carregar a cruz. O soldado pega o primeiro que ele vê na frente e diz: 'Ei, você ai, ajuda este desgraçado a carregar a cruz até o calvário’.
A VERSÃO DE MATEUS
Já está explicada acima. Basta acrescentar que há um pouquinho de ironia em Mateus: Pode deixar, eu ando não 1, mas até 2 km’. Quem tinha coragem de dizer não a um soldado romano?
VERSÃO DE LUCAS
Por que Lucas omite esta passagem? Por duas razões: ele não considerava uma violência as leis impostas pelos romanos no que diz respeito ao uso de bens e indivíduos a serviço público do império. A outra razão é que o público de LUCAS é gentio e já está acostumado com as regras romanas. Lucas não está interessado nas leis, nem judaicas, nem romanas.
Estas diferenças aqui apresentadas são bem pequenas. Leiam os três evangelhos sinóticos com MUITA atenção e vocês descobrirão enormes diferenças e muita criatividade para inventar histórias, pois nenhum deles era pobre. Todas eles eram aristocratas e falavam mais de um idioma. A mulher que escreveu MARCOS falava, pelo menos,  5: Grego, Latim, Hebraico, Sírio-Aramaico e Aramaico Samaritano, enquanto que 95% da população da época, sob domínio romano, não sabia ler nem escrever e mal falava o próprio idioma de sua terra. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

A QUATERNIDADE DA CRISTANDADE

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98, complementado por Inglesa Luso Chinesa em Dezembro de 2024


Joe Citadino, Tivemos é um menino, Tem um nome citadino, O menino citadino, Que na verdade era do campo, Nada tinha de malicioso, E você sabe por que não, Ele tinha uma inteireza de graça de modesto anfitrião, Dissipada como a de um Timão de uma Atenas, Em rasgos de simplicidades e generosidades, Seu semblante exprimia uma alegria suprema quando você chegava, Em que alguns sonhadores, Como você, viam as portas abertas para um paraíso, E quando você partia qual de vocês dois mais sentia? Você não sabe. O menino citadino atingiu a maioridade e precisou de sua hospitalidade na cidade grande, Mas nunca recebeu de você a mesma recepção, Quão incompriensível e duro você imagina que isso foi para ele? Quão difícil foi para você explicar ele que você era muito doente! E é essa é uma da muitas maneiras que uma amizade pode terminar, Você nem mesmo sabia que era anormal, Se fosse hoje seria diferente, Mas hoje vocês tornaram-se pessoas diferentes 

Havia um menino que gostava de sua amizade, Quando você partia ele sentia muita solidão, Muita saudade, Contava todos os dias do ano na mão, Até chegar a próxima natividade, Até que um dia teve que mudar de direção, Havia chegado sua maioridade, Precisava aprender uma nova lição, Mudou-se para sua cidade, Mas não teve de você a mesma recepção, Ele não tinha ideia de sua sofrida realidade, Vocês se perderam para a incompreensão, No lugar dele apareceu um homem inteligente, Que tinha ideias que você compartilhava, Ele era um pouco carente, E te procurava, Reclamava quando você estava ausente, Até que se acostumou com o que você mais gostava, Mesmo sua radical opinião inconveniente, Até que um dia deu sinais de que se esgotava, Te abandonou pela opinião de seu mais intimo parente, No lugar dele surgiu outro homem mais mediano, Que lhe deu cordas pela sua religião, Queria que você tornasse-se puritano, Tinha medo de sua inteligência espantosa, Sonhou que você era o enviado da ocasião, Encorajou-o a engajar-se numa empreitada que você tornou perigosa, Até que um dia você o assustou desafiando sua inabalável convicção, E você o deixou com seu fanatismo, Sua ignorância e sua muleta forçosa, No lugar dele surgiu uma mulher que lia sentimento, Que sempre lhe foi leal, Sempre ouvia seu lamento, Com uma humildade serviçal, Aguentava toda a prolixidez de seu pensamento, Sem jamais expor sua superioridade intelectual, Tinha pressentimento, Porque era especial, Antecipava acontecimento, Até que um dia se decepcionou com sua conduta imoral, E ignorou-o ao descobrir que você é um mau elemento.


ACHADOS E PERDIDOS


Costuma-se dizer que estamos só de passagem neste  mundo, uma passagem infinitamente curta neste universo de trilhões ou muito mais de anos, e no qual nossa vida dura apenas um trilhonésimo ou muito mais de segundos. Não sabemos por que tudo é assim. Só temos uma única certeza: a morte. E não há excessões. 

Costuma-se dizer, também, que a maioria das pessoas estão apenas de passagem em nossas vidas, excessão  feita às famílias nucleares. Mas isso já deixou de ser uma certeza.

O Alceu só teve mulheres em sua vida. Não se trata de amantes. Falo de duas esposas e quatro filhas. Três delas já partiram, mas seguem vivas. Ninguém sabe onde elas  se encontram. Nem o pai. Esposas são achadas. Filhos são criados e perdidos. 

O Alceu perdeu seu pai em 1987. Só neste ano, mais dois se foram para sempre: sua mãe em Abril e seu irmão caçula em Maio. Sobrou apenas seu irmão mais velho que segue incomunicável por problemas de saúde.

Nos últimos seis anos dentro da casa do Alceu continua reinando a solidão e um tipo de solitude involuntária, A água da chuva compartilha tetos e assoalhos com sua pequena família, A mesa é racionada e dela só caem migalhas de alimento para cães, Os mais leais de todos, E que comem da mesma cesta básica que as instituições filantrópicas doam de vez em quando, Nenhuma noite dorme com as galinhas, E nenhuma manhã acorda com os galos, O resto dos dias são vívidos um de cada vez, 'Another day, Another dollar', Como dizem os americanos, Ou matar um leão por dia, Profissão dos brasileiros,  'Struggling to survive', Lá fora tem muita gente latente, Gente potente, Prováveis e praticáveis, Milhares permanecem indiferentes, Centenas são fogo de palha, 'Flashes in the pans', Outras dezenas são solidárias, Entre elas pencas fiéis, Parecem perpétuas, E isso pode levar ao erro de 'taking them for granted', E, Pior ainda, À cretinice de pensar: 'What a time to be alive!', É preciso cuidado, 'Never cross the line', Como eu digo: 'You're born and then you live, then you die, You get one try', Acham que eu preciso de um banho de religiosidade?, De espiritualidade?, De terapia?, Ok, Be my guest, I’ve got a lot of things I need to get off my chest, Todo mundo desaparecerá, Alguns persistirão até o fim da vida até se sentirem abusados, Há virgens de coração, Franciscanas de devoção, Morre um, Morre dois, Mas elas não te deixam para depois, Se elas o fazem uma única e última vez, É porque três estão morrendo, Inclusive elas, Conterrâneas minhas de um quarto, Donas de seus lares e de seus narizes, Não têm prato farto, Mas doam a quem doer, E lamentam a quem dói quando elas já não tem mais a oferecer, Homens da terra da ardósia tanto prometem e nada cumprem, Tanto tiram e nada devolvem, Então torço para que eles sejam felizes com tudo que eles não conceberam e nem pariram, Confesso que o Alceu já tomou o que não é dele e nunca devolveu, Eu já pari vidas, Mas nunca as roubei, Mulheres recatadas, Mitologicamente alcunhadas de escravas de Elias, De duvidosas belezas resplandecentes, Curtem tudo quanto é vintage e não são muito diferentes das devotas do santo de Assis, Sujeitos cools e caridosos, Têm limites que não podem ser ultrapassados, Caso contrário eles retroagem à infância, Brincam de esconde-esconde, Ficam de mal, Trancam a porta e nunca mais deixam você entrar, Eles estão certos: O Alceu,  montou de cavalinho neles, Então, Eles ficaram sem opções e tiveram que dar um coice nas bolas do meu amigo, Tenho certeza que eles são gente boa, São um pouquinho, Só um pouquinho, parecidos com homens de cabelos de linho, Filantrópicos de mãos e bolsos cheios, Mas têm surtos fantasiosos e verídicos de manipulação e dissimulação e acabam jogando suas bondades no esgoto, Como o excedente de comida que os fartam e vai para o lixo, Na minha opinião, O Alceu achou que a bondade desses homens era cega e não precisava de ocasião, Ele errou, Como eu disse, 'Enough is enough', Gente com nomes de insetos e de uma modalidade esportiva muito praticada na minha terra, São, No mínimo, 'kind and willing': Quando podem, podem, Quando não podem, Não podem, Sem 'stalling', Mas jamais lhes peça amizade pra valer, Aqui fora, tem gente de toda laia, Adestradores de dragões são muito solícitos e prestativos, Mas taxativos quando se sentem abusados, Se mudam para outro lugar e se escondem atrás de uma parede de vidro, Esse tipo de esconderijo é um pouco infantil, Mas quase todos nós somos, Afinal somos animais humanos, Crianços crescidos, Sapiens e Minions, Tem gente bacana e, Digamos, Humilde e generosa, Mas essa gente acaba se dividindo entre suas duranguezas e suas pseudo intelectualidades que dispensam o que pensam estar abaixo de pseudo celebridades, Por falar em distinção, Não posso esquecer das  esforçadas e louváveis mães de Ptolemeu XV Filópator Filómetor Cesarião (não me refiro às Cleópatras – só acho que elas têm um cacho com os pais do menino), Acho que dentro da casa do Alceu entram mais maldições do que rezas e vibrações, Mas também entra em sua vida o melhor amigo presencial que, Segundo um provérbio árabe, É sempre o primeiro a te visitar num hospital, Porém, Ninguém tem condições de ir a um nosocômio todos os dias, A não ser que você já lá está internado, Como o Alceu, Se vocês curtem somente gente virtual, Precisam conhecer pessoas de origem indígena, Não uma Yanomami que precisa de socorro e não de internet, Mas, Por exemplo, Uma Kaiowá, Elas não fazem apenas qualquer sacrifício por você, Elas morrem em teu lugar se for preciso, Mas se elas tiverem alguém para morrer na sua frente e se revoltarem com manipulação, Você não deve ficar na fila, Saia, Porque o mundo onde o Alceu viveu acabou, O Alceu dobrou o cabo da boa esperança e ancorou no porto de onde partiu, E esta mensagem é, 'So to speak, His farewell', E o que vamos fazer no tempo que nos resta? Pagar todas as contas, Religiosamente em dia, Pois nós pagamos para nascer, viver e morrer,  E eu vou continuar por aqui, No lugar do Alceu, Até me exaurir.

Nós últimos 3 anos, 3 que faziam parte da quaternidade da cristandade do Alceu deixaram este mundo: Zen, Joe Citadino e Cilene, nesta ordem. O quarto, aquele sobre o qual Platão perguntou por que ele não apareceu, deve estar vivendo por aí, em algum lugar. Quaternidade Cristã parece não ser um frase correta. Até onde sei, o Salvador da Pátria, o quarto, e Cilene são/eram cristãos ferrenhos. Joe Citadino deveria ser também, mas Zen era ateu como o Alceu. A quaternidade da cristandade à qual o Alceu se refere são as 4 pessoas que ele pegou para Cristo. Não sobrou ninguém, ou melhor, há, ainda, o Salvador da Pátria, mas além de estar sumido ele jamais ergueria um dedo sequer pelo Alceu que tornou-se o Cristo de si mesmo. 

VIDA INTERROMPIDA

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98



Acompanhei seu nascimento, seu crescimento e seu pranto, tão insegura e sofrida quanto você. Fiz-lhe companhia quando você refugiava-se debaixo de uma mesa, mas sem poder te tocar. Sentia-me solitária e perdida na escuridão que lhe apavorava, e tateava as trevas para te encontrar e ser acariciada por sua aura. Quando você agonizava nos pesadelos de seu terror noturno, permanecia paralisada, sem poder nem mesmo orar por você em pensamento. Tudo era triste e incerto. Nunca faltaram pessoas ao seu redor, porém faltaram-lhes compreensão e fraternidade. Quem me dera poder fazer todos entenderem que você tinha problemas que não sabia resolver sozinha. Quantas vezes pedi a Deus para deixar de ser apenas um anjo protetor e poder te ajudar a se curar, a realizar seus sonhos, a completar seus planos idealizados. Deus sempre esteve ao teu lado e Ele nunca deixou de ouvir suas preces, porque eu também orava ao seu lado por nós duas. Quando você saía correndo de medo, eu saía atrás de você e quando, finalmente, te alcançava, estava tão exausta que sentia vontade de deitar-me na sua alma. Por que tanta agonia e tanta amargura? Tenho certeza que seu radicalismo e sua rebeldia estão perdoados porquanto eles nunca estiveram destituídos da ingenuidade de uma criança enferma que você sempre foi e sempre será. Por que tanto talento desperdiçado, tanto altruísmo em vão? Quantas vezes pedi a Deus para deixar de ser um anjo, poder interferir em Seus desígnios, ser Seu enviado e fazer um milagre, lhe dar a oportunidade de fazer uso de sua mente brilhante, mesmo em condições tão anômalas. Não posso dizer-te que nunca é tarde para recomeçar, porque a vida é um acidente e pode ser-lhe tirada a qualquer momento. Eu, também, sou tão frágil como você e posso ser subtraída subitamente sem que eu perceba. Continuarás triste, mas não morrerás triste. Sempre te segui e sempre te seguirei. Gostaria muito de te aplaudir por grandes feitos alcançados, mesmo que você não pudesse me ouvir, mas neste momento só posso segurar suas lágrimas em minhas mãos e juntá-las às minhas. Tantas fatalidades e decepções podem ter obstado sua vida, mas jamais meu amor por você.




segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

PHYSALAN

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

We are brothers in splendor, Why don’t we get our hands and our love together in the open-air nights?, Where we all dwell, Where my co-sisters are like water in your land, With tearful eyes deprived of the twinkling of hanging lamps, Blinded by our Sapiranga peepers, Since the invisible is not unreal, It is just the real unseen, Marvel with me your great joy, Read my light and my two companions, Unveil my mother, Her smallness, So generous to her offsprings, Encouraging me to confess to you, Like your moon that hides one of its sides eternally, My dearest son keeps his fieriest edge always turned towards me, The other two within my reach, Same as Venus and Mars are to your arms, And my other four can surprise you with their burning frosts, My flora rejects the threshold of the universe, While yours repels and is coated with the exuberance of emeralds, Our beech sleeps in violet under a bluish-purple sky, And your flora dawns in topaz looking out an ultra dazzling horizon, Our lives are the same illuminated stages, Living in the same black backgrounds in the pilasters of the proscenium arches.

A ARTE QUE TRANSCENDE

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98



ALÉM DO AMOR

Pouco terei perdido, E pouco perderei, Deste mundo passado onde nasci, Deste mundo futuro de renovações que vivi e morrerei, E dele sinto menos falta agora, Sem precisar saber porque, Sem pensar o que ele pode me fazer, Mesmo que ele me desabrace, Mesmo que ele me provoque com a brevidade da vida, E a pátria de meus desejos, Porque este corpo material não compreende e não consegue ousar minhas sensações emoções, E delas só atina a deduzir ilações racionais, Porque elas são como canções transcendentais, Que a alma extasiam, E do corpo mental arrebatando-a, À vastidão do universo a sobem, E a sublima, Às mais puras e inimagináveis regiões de supremos prazeres que nem o amor alcança, Que nem o dom do sexto sentido, Mas desatento, Percebe que as estrelas mais cintilantes, As árvores mais santas, Os jasmins mais azuis, As lilases mais perfumadas, E os lírios mais exuberantes, Florescem bem na frente das estreitas janelas dos olhos, Cujas vidraças embaçadas de postigo mal deixam coar o dia, Pode chamar de sonhos, Devaneios, Foras da realidade, Mas neles quero eternamente bem perto ficar, Neles me perder, Neles dormir como criança, Até descobrir onde eles terminam, E onde eu começo, E sem eles, O que seria de você, Que conhece meu amor carnal, Passional, Incondicional, Verdadeiro, E transitório, Mas não sabe o que mais cativa meu espírito, Um privilégio de Deus.


CONTES DU TEMPS PASSÉ

Este é o lugar certo para mim, Cheio de energia, Com flor do jasmim, E arrebatada sua voz aqui é uma covardia, 
Eu sou o homem certo para você explorar, Cheio de vida, Com flores para cheirar, E buscar em mim aqui é encontrar-se perdida, 
Este é o tempo certo para mim, Cheio de criatividade, Com cochonilha-do-carmim, E passada a vida aqui é antever a eternidade, 
Você é o tóxico oportuno para curtir, Cheia de segurança, Com flores para compartir, E traída sua perda aqui é ganhar sua confiança, 
Este é o sonho certo para mim, Cheio de realização, Com todo o jardim, E fantasiada sua imagem aqui é realizar minha imaginação, 
Eu sou o amigo certo para você legitimar, Cheio de ponderação, Com floreiras para cuidar, E destituídos de nomes tudo aqui é nenhuma possessão, 
Este é o limite certo para mim, Cheio de garantia, Com flor de delfim, E sentida a saudade aqui é esquecer a alegria, 
Você é a cura certa para minha alma, Cheia de vigor, Com a flor da palma, E desiludido seu cantar aqui é inarticular seu amor.



MEIO AMOR

Se você tivesse esperado um pouco 
O tempo nem ficaria sabendo
O presente não teria passado
O amanhã estaria pelo meio

À primeira vista é o que se planta
O que cresce é magia
O que amadurece é paixão
O que se colhe e alimenta é amor

A palavra não dita machuca
A mal explicada destrói
O perguntar-se não morre
O imaginar-se enlouquece

O que sobra do alimento do pássaro
Cai no solo e brota de novo
Recicla a flora para a fauna
Traz de volta o mesmo fruto

Se você soubesse quanto amor há para se dar
Se você soubesse quanto o tempo sabe esperar
O passado ainda estaria presente
O amanhã estaria por inteiro






PUIRT A BEUL
A lua piscou para mim e até me jogou um beijo, E ainda gritou lá de cima pode chamar-me de queijo, Eu nunca a vi assim tão extrovertida e sorridente, Tão cheia de si mesma tentando ver-me contente, Fez graça com a mão sobre a testa protegendo-se da luminosidade, Perscrutando para cima e para os lados por algo de intensidade, Apontou para uma direção de onde vinha algo de imediato, E passou um bando de meteoros como foguetes de apito gaiato, Apontou para outra direção mostrando algo de aproximação imediata, E brilhou no ar outra turma de meteoros como uma chuva de prata, Cruzou os braços e olhou-me com ar de interrogação, Abriu-os novamente a desafiar-me onde estava meu coração, Será que você não vê?, Tudo isso é para você! Deixa de lado a inteligibilidade, Derreta-se em vocalidade, Você é poesia vocal, Você é música bucal, A palavra é oca, A melodia está na boca, E isto o sol vai perder, Porque será antes do amanhecer, Suas palavras Joyceanas foram ouvidas e estou anunciando, É nesta noite que a mágica no ar de sua vida está chegando.



A MAGIA QUE CHEGA COM A INTUIÇÃO



Solitário e perdido em pensamentos, balançando na rede de quatro chinelos, Sob pouca luz deitada pelo lampião, O jardim de inverno vê a noite cair com o mesmo viço das tenras primaveras de meu espírito, Os últimos raios de sol ainda ouvem o canto dos pássaros que mistura-se ao murmúrio das ondas lavando a praia, Uma repentina viração atravessa as persianas a lufadas brandas e acaricia-me o corpo, E nela viaja uma voz celestial e arredia que toca minha  alma, Tirando presságios do canto do eterno feminino, E sai à ligeireza no feitio misterioso, No feitio do crepúsculo Nortumbriano, Rumo ao norte, Onde não sei seu nome, Onde nunca vi seu rosto, E saio a procurá-la nos lugares que não frequenta, Dos quais vive longe e não tem companhias, Mas ninguém atina com a descrição de onde de súbito passou tão fascinante cantar como se tivesse sido subtraído de seu lar, E abandonam-me na multidão para folhear milhões de faces até meus olhos se encontrarem com os dela, Sem precisar pedir-lhe para produzir sons melodiosos e encantados, Pois reconheço-a pelo seu fascínio que chegou pelos céus, Atravessando oceanos, Levando-me a perde-la de vista, Até embrenhar-me noutra multidão da qual vivo longe, Que não frequento, E surpreendo-me com a companhia de sua voz que ecoa pelo ar, Trazendo-me de volta ao meu remanso, Onde não há sol para partir, Apenas jardins de flores para juntar sedas-azul e guanambis, Zumbidos de abelhas e silenciosos mares de unções, E uma suave aragem que se demora até o anoitecer das estrelas, Com seu rosto e seu nome nela impregnados, E seu canto inebriado na funda contemplação da arte de causar emoção,  Brilhando-me o  êxtase em todo seu esplendor.



SUBLIMAÇÃO

A beleza está sempre à mostra, Neste mundo de coração insensível, Nos olhos de quem a vê, De quem quer se comover, Nos olhos negros que brilham na noite cerrada, Que ofuscam o brilho das estrelas e fazem-nas recolherem-se mais cedo, Dividem com o sol o céu lápis-lazúli que esconde os corpos celestes que não pregam os olhos para espreitar os contornos graciosos esculpidos pela natureza, Dessa criatura de olhar sincero, Que não se incomoda do glamour esmeralda querer fazer-lhe companhia, De seus cabelos lisos serem encaracolados e receberem reflexos de cobre para agradar o astro rei, Não se incomoda destas palavras terem sido escritas para alguém que ainda estava por vir, E que me foi negada na vida apenas para me entristecer, E que agora são para você, Para quando você chegar, Toda minha rua te pressentir, Te cheirar no ar, Ouvir os ventos assobiarem em tom diferente para todos alertar, Ver as saias e os chapéus elegantes das senhoritas tremularem com a brisa que está a anunciar, As floreiras nas janelas exalarem perfume para exaltar nosso esprit de corps, Os toldos coloridos dos edifícios descerem e amalgamarem-se com os guarda-sóis sobre as mesas nos calçadões, E lá estarei sentado junto a uma delas, Esperando você me convidar para namorar, Moça de pele de porcelana, De lábios moderados e amparados por mão delicada a expressar menos sensualidade do que ingenuidade.




MAGIA E PROVIDÊNCIA

Uma fada sussurrou-me que eu acordaria de uma noite mal dormida, mas não me assustaria, Um sonho ainda sonhado, 

Um carteiro assobiou-me notícias dentro de um envelope mal fechado, mas que eu não abriria, Um amor sem amado, 

Qual de vocês está tentando chamar minha atenção para algo que não entendo no mundo? Neste e no meu mundo, Qual de vocês está tentando perscrutar algum sentimento meu ainda insondável e profundo? Tão e pouco profundo, 

Um beija-flor pairou e deteve-se diante de meus olhos muito mais tempo do que deveria, Um agouro tão agourento, 

Um mágico tirou da cartola uma teresa de lenços somente com as cores que eu me adornaria, Um fascínio tão fascinante, 

Qual de vocês está tentando tirar o chão de meus pés que mantém-se equilibrados no mundo? Neste e no meu mundo, Qual de vocês está tentando desvendar meus maiores segredos que se escondem lá no fundo? Tão e pouco fundo, 

Um anjo apareceu em meu quarto e sentou-se ao meu lado apenas para me fazer companhia, Uma vida quase vivida, 

Qual anjo entre vocês perderia seu tempo com uma pessoa que nada mais espera do mundo? Neste e no  meu mundo, Qual anjo entre vocês perderia seu tempo com uma pessoa com um ferimento profundo? Tão e pouco profundo, 

Estou aqui por você e para você e por te querer até morrer, Morrer em você, Estou aqui por você e para você e por te querer até renascer, Renascer em você, Estou aqui por você e para você e por te querer até morrer, Morrer em você, Estou aqui por você e para você e por te querer até renascer, Renascer em você.




EVA

Pensou a titia serpente, 
Que minha semelhança a Deus, 
Far-me-ia todo tremente, 


Mulher, 


Minha amante, 
Minha confidente, 
Minha divindade, 
Minha cúmplice, 
Minha Eurídice, 
Minha feminilidade, 
Minha ascendente, 
Minha comandante, 


Pensou o todo-poderoso, 
Que minha expulsão do paraíso, 
Ser-me-ia muito penoso, 


Mulher, 


Minha companheira, 
Minha irmã egípcia, 
Minha alma gêmea, 
Minha maçã do amor, 
Meu pecado indolor, 
Minha vértebra fêmea, 
Minha conselheira propícia, 
Minha enviada alvissareira, 


Pensou o Onipotente, 
Que eu arrepender-me-ia, 
Por ser o inferno tão quente, 


Mulher, 


Minha feiticeira, 
Minha profetisa, 
Minha substância física, 
Minha cobiça demoníaca, 
Minha treva paradisíaca, 
Minha substância anímica, 
Minha Mona Lisa, 
Minha essência inteira.


ANA CAROLINA

Volte mais uma vez à minha lembrança, Suba neste tamanho de criança, Estique os braços para cima, Toque o céu com mãos de menina, Acenda cada estrela com dedos iluminados, Deixe a noite clarear todos os abandonados, Entra na minha vida mais uma vez de revés, Erga-se acima de seus próprios pés, Alce um voo de anjo com seus braços, Acompanhe Deus em todos os seus passos, Sobreponha suas mãos sobre cada cabeça, Vibre por elas e não deixe que nada lhes aconteça, Não me deixa nunca mais na saudade, Desça desse tamanho de maioridade, Dobre seus joelhos para baixo, Abençoe a terra sossegando seu facho, Apague cada mágoa com suas fervorosas orações, Deixe o mundo bater igual a todos os corações, Fique na minha vida para sempre em linha reta, Abaixe-se até o nível de sua postura ereta, Projete sua alma até alcançar a esperança, Deixe toda a humanidade com ar de criança, Receba a ingenuidade como num passe espiritual, Vibre com seus fluidos e espalhe seu amor imortal.


LOBA NOS SEIOS

Debaixo de minha blusa
Há um coração que bate sem parar
Que dispara ao menor sinal de temor
Ao menor sinal de amor
Se você o usa
Só para satisfazer sua imprudência
Você pode baixar minha resistência
Mas não me derrotar
Posso chorar por dentro
Sem você notar
Porque você não sabe o quanto aguento

Debaixo de minha blusa
Há um par de seios pronto para amamentar
Que empina ao menor chorinho
Ao menor toque de carinho
Se você o abusa
Só para se deleitar
Você pode até me excitar
Mas não vai me conquistar
Posso fazer-me presa fácil por fora
E te enganar
Porque você não sabe como uma loba devora

Debaixo de minha blusa
Há um ventre que se prepara para o porvir
Que sente um friozinho ao menor sinal de emoção
Ao menor sinal de paixão
Mas se você o fecunda e se escusa
Para fugir da responsabilidade
Você pode atentar contra minha maternidade
Mas não vai me impedir de parir
Posso dizer-lhe que não é nada sério
E deixar você partir
Porque sozinha uma loba já criou filhos capazes de formar um império


AS CASCAS DOS OVOS

Caminhamos para o final, Sem extravagância, Com elegância, Sem nenhum astral, 

Caminhamos para um desenlace, Com expurgações, Sem estimulações, Com muita classe, 

Caminhamos como um estertor, Largando nossa beleza, Expondo nossa fraqueza, Indiferentes à dor, 

Caminhamos para o fim da vida, Sem nenhum significado, Com objetivo realizado, Sem alma vendida, 

Caminhamos para o mutismo, Com resignação, Sem insurreição, Com realismo, 

Caminhamos para a contingência, Sem arrogância, Com fragrância, Sem interferência, 

Caminhamos para uma conclusão, Manifestando nossa fragilidade, Dissimulando nossa temeridade, Com aceitação, 

Caminhamos para o crepúsculo, Com um desígnio natural, Sem destruição da moral, Com um ósculo, 

Caminhamos para o sono eterno, Sem nada para sonhar, Com tudo para amar, Com agradecimento fraterno.





DONIMO

O céu abre-se e solta um magnificente estrépito dos tempos imemoriais, Todos os anjos entoam um canto unissonante que vai além dos limites do universo, Chegou a hora de Deus tomar meu lugar, Chegou a hora de eu tomar o lugar dos sonhos, Chegou a hora dos sonhos tomarem o lugar da vida, Chegou a hora da vida tomar o lugar de Deus, O som das naves prontas para partir soleniza, Glória ao Mestre, Glória ao som primordial, Chegou a hora de Deus tomar meu lugar, Chegou a hora de eu tomar o lugar dos sonhos, Chegou a hora dos sonhos tomarem o lugar da vida, Chegou a hora da vida tomar o lugar de Deus, Todas as naves partem a um só tempo, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, E você nunca mais desejará acordar, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, Os sonhos tomaram o lugar da vida, Teus sonhos irão te consolar, Os sonhos tomaram o lugar da vida, E você nunca mais desejará acordar,Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Deus poderá sonhar no lugar de Donimo, Os sonhos de Donimo irão te consolar, Deus poderá sonhar no lugar de Donimo, Os sonhos de Donimo irão te consolar, Deus poderá sonhar no lugar de Donimo, Os sonhos de Donimo irão te consolar, Deus poderá sonhar no lugar de Donimo, Os sonhos de Donimo irão te consolar, Chegou a hora de Deus tomar meu lugar, Chegou a hora de eu tomar o lugar dos sonhos, Chegou a hora dos sonhos tomarem o lugar da vida, Chegou a hora da vida tomar o lugar de Deus, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, Quantas lágrimas levarei de você, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, E você nunca mais desejará acordar, Deus poderá sonhar no meu lugar, Teus sonhos irão te consolar, Chegou a hora dos sonhos tomarem o lugar da vida, E você nunca mais desejará acordar, Chegou a hora da vida tomar o lugar de Deus, E você nunca mais desejará acordar, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lembranças guardarei de você, Vida linda, vida linda, quantas lágrimas levarei de você.