Texto de autoria de Alceu Natali, com
direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
Estávamos procurando um lugar para
nos abrigar do sol escaldante, aguardar o amanhecer, e rumar bem cedo para a
Rota 66, para ver Casablanca. Passamos a noite num moquiço balangando como
muxiba acima de uma loja de artigos de umbanda. Não pregamos os olhos. Fizemos
amor quatro vezes em pouco mais de doze horas, um recorde desde os nossos tempos
de adolescentes. Nos intervalos entre as transas, fumamos muito baseado. Dizem
que fumar é morrer um pouco. Nós, ao contrário, passando da meia-idade, nos
sentíamos redivivos. Muitas coisas mudaram em nossas vidas desde aquele mistério
no cemitério da quarta parada, quando meu celular foi enterrado junto com meu
amigo e passou a fazer ligações por conta própria. De debochado e incrédulo
passei a ser um homem desconfiado e medroso. Ironicamente, somente o anarquismo
mental da Célia não permitiu que eu me desequilibrasse emocionalmente por
completo. É impressionante e inexplicável a súbita e radical mudança de
comportamento e pensamento de uma mulher que era tão ciumenta e rabugenta. Ela
voltou à sua juventude com outra mentalidade, e embora se mantivesse sempre fiel
a mim, gosta de dizer que é uma garota-pissu, daquelas que transam com qualquer
um, como se dizia nos anos 60, veste-se como uma hippie, invariavelmente com
jeans desbotados, bata indiana multicolorida, flores nos cabelos, pulseiras e
colares sobrepostos, bottoms de paz e amor e pés descalços. Cantarola dia e
noite ao som dos The Byrds (Mr. Tambourine Man - ela pede ao homem do pandeiro
para tocar uma música para ela – também conhecido como o fornecedor de drogas),
Lovin´ Spoonful (Daydream - sonha acordada o tempo todo) e The Mamas & The
Papas (Creeque Alley - estamos sempre chapados e o único que não emagrece sou
eu). Seu apetite sexual é insaciável e não passa um dia sequer sem puxar um fumo
e beber uma meia de seda (leite condensado, licor de cacau e conhaque batidos no
liquidificador). Quer ser chamada de Sally, nome de uma música do The Who (Sally
Simpson), e só me chama de Ernie, outro personagem da ópera rock Tommy de 1969. Como meu nome é Bernardo, pensei que fosse me rebatizar de Ben ou
Bernie, mas ela prefere os nomes descolados da década de ouro. De minha antiga mulher, só sobrou
uma pitada de romantismo anacrônico que não combina com seu liberalismo atual.
Ela quer rever todos os filmes com atores americanos dos anos 40 como Humphrey
Bogart, Cary Grant, Katharine Hepburn, Bette Davis, Greta Garbo, Lauren Bacall e
muitos outros. Foi dela a ideia de tirarmos uma semana de férias e percorrermos
mais de mil quilômetros desta rota submundista e circense, que mais parece um
trem fantasma, e onde, segundo ela, há um vilarejo com um cinema retrô exibindo
um festival de filmes com Humphrey Bogart. Vira e mexe, ela me vem com umas
tiradas em inglês. Não sei onde ela aprendeu a língua com tal fluência. Ela diz
que é autodidata e disso já nem duvido mais. Ela passa muitas noites em claro.
Também não sei de onde ela tira tanta energia. Ela me acordou antes da aurora,
com um pacau aceso. Ela sempre divide seus bagulhos comigo. Se demoro para
devolver o boró ela sempre me vem com essa: ''Don´t bogart that joint, my dear,
pass it over to me''. Caímos na longa vereda, dominada pelo cerrado e salpicada de
arraiais, onde assistem populações mescladas e todos os tipos de biroscas e
espeluncas. Passamos por um rancho de calangos, bancas de carnes negras, aquelas que vi no Paquistão, expostas ao sol e cobertas de moscas, um posto de gasolina com uma bomba movida
a manivela, feira de índios redutores de cabeça e vários puteiros e pardieiros
esquisitos. Logo adiante vi uma placa com o nome Rota 999. Pensei ter pego a
entrada errada. Parei no acostamento e desci para conferir. Descobri que algum
idiota virou a placa de ponta cabeça e ainda acrescentou à mão um terceiro
número seis. Em volta da placa havia galinhas pretas sacrificadas, velas
vermelhas, pratos de farofa, charutos, pinga e outras bugigangas. Levei a pinga
para a Célia.
- Onde você arrumou esse marafo,
Ernie?
- Tirei de uma macumba.
- Cacilda, esse deve ser dos bons.
Would you like a hit?
- Você não acha que é muito cedo
para beber, Sally? Você está queimando fumo desde ontem à noite.
- Deixa de ser careta, Ernie! Lá não
tem frango?
- Tem galinha morta, mas cheirando
mal. Deve estar lá há dias.
- Afinal, estamos no caminho
certo?
- Sim.
- E por que aquela placa
999?
- Coisa do demônio. Inverteram a
placa, como satanás faz com crucifixos nas paredes, e ainda acrescentaram mais
um seis para parecer o número da besta, o 666.
- Que é isso, Ernie? Você sempre foi
ateu. Tá ficando supersticioso agora?
- Deixa pra lá, Sally.
Seguimos viagem e em poucos quilômetros o
motor da lambreta começou a ratear.
- Está vendo, Sally? Isso só pode
ser coisa do tinhoso porque mexi na macumba e arrumei a placa.
- Não é falta de
gasolina?
- Não! O tanque está pela
metade.
Menos de um quilômetro mais adiante,
o motor pifou de vez. Tivemos que continuar a pé, puxando a maldita
motoneta.
- Sally, você que pesquisou tanto
para fazer esta viagem deve saber onde se acha uma oficina neste fim de mundo,
não sabe?
- Claro que sei, Ernie! Seja
otimista. Vamos curtir a natureza, queimar papel de galo e aproveitar o tempo
que perdemos. Uma oficina logo aparecerá. Além disso, caminhar também faz bem
para a saúde e faz parte do nosso programa.
Se eu dissesse que a Célia levava
jeito para médium ninguém na família acreditaria. Cinco minutos depois de
caminhada, a Célia exclamou:
- Lá esta ela!
- Aquilo é uma oficina? Você leu o
que está escrito na parede?
- Se eles consertam até disco
voador, arrumar uma moto deve ser a maior moleza para eles.
-Você deve estar de brincadeira,
Sally. Disco voador não existe. Acho que você está abusando da
erva.
- Que é isso, Ernie? Fumo e cheiro
numa boa, estou feliz e tão bem como nunca estive antes de dobrar o cabo da boa
esperança. Agora me diga uma coisa: se dissesse a alguém que o seu celular foi
enterrado junto com o defunto e que ele começou a fazer chamadas para a casa,
acha que alguém acreditaria?
- Você tem razão. Não acreditaria
até acontecer comigo.
- Yo no creo en brujas, pero que las
hay, las hay. We never know, Ernie. Accidents will happen...
- Está bem, Sally, chega de
provérbios. Vou bater na porta.
A porta rangeu como nas casas mal
assombradas, abriu uma fresta e dela despontou a cabeça de um anão, de boca
aberta, mostrando dentes navalhados, e vociferou:
- O que vocês querem?
- Boa tarde. Aqui é uma oficina
mecânica, não?
- O que você acha?
- Acho que é.
- Então por que
pergunta?
- É que não tem nenhuma placa, só
este aviso engraçado sobre conserto de disco voador.
- Qual é a graça? Tá rindo do quê?
Tenho cara de palhaço? Acha que sou um Umpa-Lumpa e que aqui é fábrica de
chocolate? Cai fora!
- Espere, por favor! Não quis
ofender. Desculpe-me esta infeliz observação. Vocês consertam
motos?
- Sim, mas a oficina está cheia.
Volte daqui a 3 meses.
- Espere, por favor. Minha lambreta
pifou e não tenho onde ficar. Por favor, dê uma olhada nela. Não deve ser nada.
Não vai te tomar tempo.
- O que há com esta bosta caindo aos
pedaços?
- Você pode não acreditar, mas
viemos de longe até aqui, e ela estava funcionando muito bem. De repente, o
motor começou a falhar até parar.
- Está bem, motoqueiro de
meia-tigela. Entre pela porta da garagem do outro lado da oficina
- É por lá que entram os
óvnis?
- Está querendo tirar sarro com
minha cara?
- Não, de jeito nenhum. Desculpe-me
mais uma vez.
- Os discos entram por
cima.
- Por cima? Como?
- Você está mesmo querendo tirar uma
com minha cara? Por onde entraria?
- Meu Deus, desculpe-me de novo,
perguntei só para ter certeza, e não para ofender. É claro, os discos voadores
voam, já diz o nome. Eles entram pelo telhado?
- Temos uma abertura no teto da
oficina só para eles.
- E o piloto alienígena, como ele é?
Se parece com nós?
- Não tem ninguém dirigindo o disco
voador.
- Ninguém? Como?
- Cara, você é maluco? Tem algum
problema? Não lê jornal, não vê TV, não navega na internet? Nunca viu um disco
voador?
- Não, não tive este privilégio.
Dizem que a gente vê disco voador uma vez na vida e outra na morte
- Cara, você parece ser de outro
planeta. Os discos voadores estão em toda parte. Você já ouviu falar num troço
chamado controle remoto?
- Claro!
- Você nunca viu um drone, voando
por aí, sem piloto, tirando fotos, jogando bombas e o escambau?
- Claro que já vi.
- Então, como você imagina que uma
civilização muito mais avançada que a nossa manobra suas naves? Você acha que eles
empinam os discos com linha como se fossem pipas?
- Claro que não. Diga-me uma coisa:
você já viu um alienígena?
- Nunca! Ver para quê?
- Quando os discos chegam aqui como
você sabe onde está o defeito?
- Quando o disco chega e aterrissa,
uma luz fluorescente se acende na parte com defeito e pisca palavras tais como:
Acionamento de Invisibilidade Instável.
- Em português?
- É lógico, seu idiota. Se eles
estão no Brasil precisam saber português!
- Como você aprendeu a consertar
discos voadores? Como você os atraiu? E, principalmente, como eles te
pagam?
- Espera aí, cara. Você está fazendo
perguntas demais. Tá querendo roubar meu negócio? Vamos dar uma olhada nesta sua
geringonça. E preste atenção: vou fazer algo que não costumo fazer para ninguém.
Vou deixar você e está palhaça entrar lá dentro e...
- Epa, manera aí, pintor de rodapé.
Palhaça é tua mãe...
- Seu anão, não a leve a mal. A
Sally está embriagada e não pensa muito para falar.
- Eu bem que percebi que vocês são
completamente matusquelas e chapados. Leva logo esta porcaria lá atrás, e entrem
logo pela porta da garagem, antes que eu mude de ideia. E você, quenga, cuidado
com sua língua.
- Quenga é sua mãe, seu nanico filho
da puta. Vái se ferrar!
- Qual é seu nome,
cara?
- Ernie.
- Ernie, esta lacraia não entra. Só
você, entendeu?
A Sally já ia soltar outro palavrão.
Corri e tapei a boca dela.
- Deixe-a entrar comigo, por favor.
Prometo que eu a controlo. Se ela falar mais um palavrão, você pode nos
expulsar.
- Está bem. Vamos acabar com isso
logo que você já tomou muito do meu tempo.
Sussurrei no ouvido da
Sally:
- Sally, não fale mais nada, tá?
Fique na sua. Essa gozação sobre conserto de disco voador logo perde a graça.
Deixa o anão falar a bobagem que quiser. Se ele consertar nossa lambreta, está
bom demais. É disso que precisamos. Agora, por favor, diga sim com a cabeça e eu
tiro a mão de sua boca.
Sally meneou a cabeça para frente.
Fomos até a parte de trás da oficina. A garagem estava aberta, com o anão na
porta nos esperando. Entramos e ficamos petrificados, como a mulher de Ló,
transformada em estátua de sal. Minha extrovertida e atirada Sally, dado a
trautear, de conversar com estranhos pelos cafés, e passear à noite por ruas
desertas, pendurou-se em meu braço, arregalou os olhos, congelou e emudeceu.
Diante do que meus olhos esbugalhados testemunhavam, aquele sinistro celular que
ligava do mundo dos mortos imediatamente desabou do alto do pedestal dos
mistérios entre o céu e a terra e foi parar onde deve estar até hoje: a sete
palmos. Aquele biango mixuruca por fora, menor que um barracão de canteiro de
obras, tinha, por dentro, outra dimensão. Maior que dez hangares de Boeing.
Completamente aturdido, vi, deitados no chão, cinco discos voadores, de formatos
e diâmetros variados, entre quatro a dez metros cada um. Dois deles eram
exatamente como aparecem no folclore ufológico: duas bacias emborcadas e
prateadas. Um era ovalado, preto perolado. Outros dois tinham formas e cores
esdrúxulas: cilíndrico e fosforescente, e triangular, de coloração indefinida,
aquela que chamamos de burro quando foge. Espalhados por todos os cantos do
gigantesco galpão trabalhavam ativamente, pelo menos uns vinte anões. O anão
chefe pegou minha lambreta e gritou:
- Yelchin!
- Sim, chefe!
- Dê uma olhada neste trambolho e vê
o que dá para fazer.
- É pra já, chefe.
Embasbacado e gaguejando fui até o
anão chefe.
- Você não me disse seu nome
ainda.
- Você não perguntou, imbecil. É
Tuffy. O que houve com sua colombina desvairada? Ela está pálida e estática que nem uma
múmia?
- É pura emoção, Tuffy. Ela é muito
sensível e se comove com extrema facilidade. Por acaso você tem algo para
destravá-la?
- Tenho. Dunga!
- Sim, chefe.
- Traga um pouco daquele cacaréu que
encontramos dentro do disco pretinho.
- É pra já, chefe.
O Dunga trouxe algo parecido com uma
pílula, meio esverdeada. Entregou-a ao Tuffy, e ele me pediu para enfiá-la na
goela da Sally.
- Tuffy, isto aqui não é perigoso?
Você já tomou?
- Perigoso é o fumo que sua quenga
puxa. Não tem erro. Já tomei. É tiro e queda.
Custei para fazer a Sally tomar
aquele estranho comprimido. Assim que ela o engoliu, teve um sobressalto, como
um drogado que leva uma injeção de adrenalina direto no coração para não morrer
de overdose. Ela parecia não se lembrar de que esteve vários minutos paralisada.
Já estava irradiante e falante novamente:
- Nossa Senhora de Marijuana! Que
negócio é este?
- Estamos na oficina,
Sally.
- Putzgrila! Não pode ser! Essa
oficina está viajando no LSD!
- Tuffy, como você explica o tamanho
aqui dentro comparado ao de fora?
- Não tenho explicação. Quando os
discos começaram a chegar, o espaço aqui foi aumentando gradativamente. Isso é
coisa deles.
- Chefe! Estamos prontos para testar
o pratinha.
- Mande todos se prepararem, Nosey.
Ernie, você e sua espantalha devem tiram os sapatos e...
- Putaquipariu, este anão continua
me xingando de graça. Vai tomar na peida, seu filho da p......
- Dona boqueira, ou você se retrata,
ou te dou um pé na bunda pra fora daqui.
- Se acalme Sally, eles já estão
consertando nossa lambreta. Vamos fazer o que o Tuffy nos pede, está
bem?
- Se este anão me xingar mais uma
vez eu que vou dar uma porrada na fuça dele.
- Tuffy, deixa pra lá, por favor.
Você nos pediu para tirar os sapatos. Para quê?
- O Nosey consertou o pequeno disco prata
que estava com problema no dispositivo antigravidade e agora precisa testar para
ver se está funcionando. Você e sua chincheira devem calçar estes sapados
magnetizados e se posicionarem em cima destas chapas de metal no
chão.
A Sally já estava soltando outro
palavrão. Tapei a boca dela rapidamente. O Tuffy me entregou uma corda e um
cabresto e me pediu para imobilizar a Sally. Na hora, achei um exagero e até me
indispus com o ele. Só depois do teste entendi que ele não estava retaliando,
mas, ao contrário, livrando nossa barra. Ela esperneou e jurou
com os olhos que iria esganar o anão. Ele nos ajudou a calçar os sapatos e nos
colocou sobre a chapa de metal. Ficamos literalmente grudados. Não podíamos dar
nenhum passo. Em seguida, o Tuffy deu sinal ao Nosey para iniciar o teste. De
repente, o disco prata começou a flutuar. O ambiente todo entrou em gravidade
zero. Os outros discos, alguns carros, motos e bicicletas, assim como bancadas e
móveis estavam todos ancorados ao chão com correntes. Somente algumas
ferramentas estavam soltas e flutuando. Eu e a Sally estávamos atônitos ao ver
tudo aquilo acontecendo diante de nossos olhos. O que havia de mais inimaginável
ainda estava por acontecer. O Tuffy, calçando um sapato de metal super pesado o suficiente para mantê-lo preso ao chão, veio até nós, desamarrou a
Sally, tirou nossos calçados, nos deu um empurrão pelas costas e
gritou:
- Saiam voando, seus
paus-d'allambas!
Tuffy resolveu se divertir comigo e a Sally. Flutuamos pelo recinto, e
experimentamos a incrível sensação que os astronautas têm no espaço sem
gravidade. Voávamos para lá e para cá como pássaros. A Sally parecia uma
criança. Dava cambalhotas, piruetas, ria sem parar, de tanta alegria. Ficamos à
deriva uns cinco minutos. O disco de prata começou a girar em tono de si, sem um
barulhinho sequer. Aliás, o silêncio no galpão era absoluto, só rompido pelas
gargalhadas da Sally. Acho que é isso que dizem que os discos provocam quando
estão perto de nós: o som de silêncio. O Tuffy nos pediu para descermos e
ficarmos sentados no chão porque a gravidade estava prestes a voltar. O enorme
teto solar se abriu e o disco saiu como um rojão, numa velocidade alucinante. As
ferramentas que estavam suspensas caíram imediatamente. O Tuffy falou com um de
seus funcionários:
- Brainy, recolha tudo que está
espalhado pelo piso e coloque no lugar.
- É pra já, chefe!
Em seguida, Tuffy falou com o anão
que consertava nossa lambreta.
- Yelchin, está porra não está
pronta ainda?
- Sim, chefe, quando o pratinha
começou a girar a lambreta deu partida sozinha.
- Dê uma volta lá fora e acelere ao máximo.
- É pra já, chefe.
Yelchin saiu pilotando nossa
lambreta e voltou cinco minutos depois.
- Chefe, está 100%.
- Que velocidade atingiu?
- Chegou a 200, chefe.
O Tuffy veio até nós.
- Agora vocês podem pegar esta
coivara e se mandar daqui.
- Quanto foi o conserto,
Tuffy.
- Nada!
- Sério?
- Sim.
- E aquela pílula
alienígena?
- É de graça! Querem mais? Tem um
monte aqui. Temos também uma outra amarelada que sua maluquinha vai
gostar.
Desta vez, a Sally não se ofendeu. Estava comportadinha e até
falou mansinha com o Tuffy.
- Que efeito provoca?
- Tome apenas uma e você se sentirá
mais poderosa do que a mulher maravilha tendo um orgasmo.
- Como você sabe disso?
- Eu já experimentei
uma.
- Toma sempre?
- Não. Evito isso.
- Por quê?
- A gente sai fora da realidade e
entra no mundo deles.
- Como você sabe disso se nunca viu
um deles? São estas pílulas que dão poderes a eles?
- Não. Eles não precisam destas
pílulas. Acho que eles as usam para testar em nós.
Entrei na conversa.
- Tuffy, como já disse, não quero
roubar seu negócio. Só quero que você me responda uma coisa: se eles são assim
tão adiantados, por que eles não são capazes de consertar seus discos
sozinhos?
- Eles não precisam de nós. Acho que
o que eles fazem com nossa oficina deve ser parte da agenda deles aqui na terra.
Uma experiência. Eu nunca vi um deles, mas sinto que eles estão sempre por
perto, observando nossas reações.
Depois dessa revelação, chamei a
Sally para ir embora. A Sally pediu as pílulas amarelas ao Tuffy. Ele nos deu
uma caixa com mais de 500 e nos advertiu para não abusarmos delas.
- Tuffy, você sabe onde fica o
vilarejo onde há um festival de filmes de Humphrey Bogart?
- Está a uns 100 km
daqui.
Tratei de ir embora. Disse a Sally
que deveríamos nos apressar para chegar antes do anoitecer. Agradeci o Tuffy
pela sua gentileza. A Sally fez o mesmo, desta vez bem boazinha e educadinha. O Tuffy parou de provocar a Sally e pediu a ela para ter cuidado. Pegamos a Rota 66 em direção ao vilarejo. A
lambreta estava com um desempenho extraordinário. 200km por hora! Incrível! De repente, a Sally voltou a me chamar
pelo meu nome.
- Bernardo, sabe de uma coisa, ao
invés de ir ao vilarejo hoje, eu gostaria de voltar àquele motel e deixar para
ver Casablanca amanhã.
- Aconteceu alguma coisa,
Célia?
- Não, Bernardo. Está tudo bem. É
que tivemos um dia inusitado. Toda aquela loucura dentro da oficina me deixou
muito mais agitada do que a maconha. Eu quero descansar um pouco, dar um tempo para digerir toda aquela estranheza e doideira que vivenciamos naquela oficina comandada por anões. E mais ainda, consertando discos voadores que sempre pensei que eram pura lorota de gente que não tem o que fazer.
- Está bem, Célia, vamos voltar.
Aquele pulgueiro não está longe daqui e com nossa motoca agora viajando nesta velocidade espantosa, chegaremos logo.
Passamos pela oficina, chegamos ao
motel. Tomamos um banho e fomos para a cama.
- Bernardo, liga a TV!
- Será que pega algum canal aqui,
neste lugar tão desolado. E esta porcaria de TV de tubo, sem controle remoto.
Será que funciona? Puta merda, foi só eu falar e ela ligou sozinha.
- Olha só, Bernardo, está passando
Jeannie é um gênio. Eu gostava muito desta série.
- Eu prefiro mais filmes dos tempos
atuais e futuristas.
- Vou experimentar uma daquelas
pílulas amarelas.
- Cuidado, Célia.
- Cacete! Que sensação agradável. É
impressionante. Mal bateu no meu estômago e parece que estou viajando. Me sinto
uma deusa. Capaz de fazer o que eu quero. Estou, finalmente, realizada na vida com esta droga dos anões.
Para completar, só falta ver aquele festival do Hamphrey.
Assim que a Sally proferiu estas
palavras, a programação da TV foi interrompida e, em seguida, anunciou um
festival de filmes de Hamphrey Bogart, começando por Casablanca. A Célia voltou
a ser a Sally.
- Puta merda, Ernie. Foi só pensar
no Hamphrey e olha só!
A Célia, ou melhor, a Sally acendeu
um baseado e o dividiu comigo. Passamos dois dias deitados na cama, sem dormir,
e assistimos a trinta e sete filmes do Bogart, um atrás do outro, até que a
Sally, finalmente, caiu no sono. Quer saber de uma coisa, pensei, vou
experimentar uma destas amarelinhas. Assim que ela bateu no meu quengo a TV
anunciou um antigo filme de 2057, com atores que nunca vi na minha vida. O nome
do filme era A OFICINA MÁGICA.
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