quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

SOL ADORMECIDO NAS AVES-MARIAS


Textos de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Depois das ave-marias, A sombra do pôr do sol de manso derrama-se silenciosa sobre meu pranto, Espalha a luz da lua pelas minhas orações a bruxulear ante meus sacrários, Toma-me uma vestidura penitencial, Véu polvilhado de cinzas tirantes ao azul de uma última morada, A desolar-me com salseiro de um mar inexplicável, E de chuvas imperceptíveis, Guarda em mim minha tristeza inteira, Escreve-me com a mão esquerda para dissimular a letra, Para coincidir meus pesadelos vigeis com sonhos dourados, Para os mesmos e antigos anseios unirem-se na imaginação e fora dela, Chegando a desenfiar-me a camisa de dormir, Recaindo na cama, Ao ver, Ou, Antes não ver que ainda é escuridão, Que ainda são horas esquecidas, Que de devaneios ando, Que de água de purificação e sol da vida me simbolizo, E na noite vai minha estrela a resvalar as profundezas de minha alma, Com um consternado silêncio que vem do nada lunar, Como o tempo a acabar, Esta minha alma que a outros céus aspira, E pelo prazer íntimo suspira, Que do corpo fecundo ainda não se despede, Que não tendo um destino adoço nele de espírito se faz presente, Ante olhos inocentes e solitários, Cravados na penumbra, Fatigados de acreditar, De esperar, De braços pesados dos fardos a carregar, Então ele surge, Conformando-me, Indelével, Condescendendo-me, Esquivo e negro, Ocultando-se com argúcia inconteste, Demasiado intransigente, Todo moroso, No amanhecer cálido, Que a próxima noite fechará lenta e rapidamente, Quando na insônia batem as ave-marias, E no sono profundo o mundo se descobre.  


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