Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei
9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida
seria um erro (Friedrich Nietzsche)
Presumo, Meu excelentíssimo
Alcibíades, Que minhas missivas anteriores deixaram claro a farsa que se
instaurou em nosso mundo, De dias instáveis e inseguros, Agora com poderes
absolutos, Que se impõe pelo medo, Pela tortura e pela execução sumária,
Contudo, Observando ainda, Sob o risco de ser pego e queimado vivo, Caso esta
nova missiva seja interceptada, Que poucos dela falam às caladas, E muitos tanto
nela se perdem, Tendo suas vidas por ela regradas, E ainda prestando-lhe
serviços, Com receio desta hedionda inquisição, Julgo oportuno dar-lhe um
brevíssimo relato, Pertinente a esta inquirição, Sobre uma longa história que,
Segundo um feiticeiro que agora me dá guarida, Será no futuro contada, E que a
verdade dos cristãos, Não obstante este meu jogo de palavras não intencional, Na
verdade não liberta, Mas aprisiona, Será no futuro conhecida e desmascarada, E
isto digo-lhe não só por conta deste mago, Mas também por conta de um homem, Do
qual descendo, E que disse, E isso ele passou de geração em geração até nossos
dias, Desde onze gerações atrás, Que conheceu, Ainda jovem, Matias, Em Roma, Em
idade adiantada, Já próximo dos cem anos, E este Matias, Sempre negou,
Peremptoriamente, Ter traído seu povo, E que, Ao contrário, Tentou salvá-lo, E
por ele lutou, Sendo ele de sangue real por parte de mãe, De linhagem
sacerdotal, Da principal família da primeira das quatro tribos da Palestina,
Abriu mão de sua nobreza, De sua condição aristocrática de um por cento da
população semita, Para se juntar aos revolucionários, Que prepararam uma
insurreição contra a ocupação romana, Assumiu o posto de general das tropas da
Galileia, E corajosamente comandou seus homens contra as invencíveis legiões de
César, Até que foi vencido por elas e preso, E em troca de sua liberdade, Tendo
em vista sua ascendência sobre os demais, Seu domínio do Grego, Do Hebreu, Do
Aramaico e do Latim, Prontificou-se a levar as tropas romanas a todos os focos
de resistências, Com o intuito de convencer seus compatriotas a se renderem,
Visto que os romanos detinham um poder devastador, E certamente uma grande
desgraça adviria à terra santa, Mas seus conterrâneos não lhe deram ouvidos, Até
que em menos de quatro anos, Este Matias testemunhou a destruição total de
Jerusalém, Com milhares de mortos em batalha, Milhares presos e crucificados, E
milhares de civis, Homens, Mulheres e crianças levados como escravos para Roma,
E este Matias, Que ganhou, Como recompensa, Cidadania romana da Casa dos
Flavianos, Disse que tal infortúnio parece ter sido profetizado, Pois, Segundo
um de seus escritos, Um tal de Jesus, Filho de Anano, Um plebeu casado, Que,
Quatro anos antes do início da guerra, E numa época quando a cidade gozava de
muita paz e grande prosperidade, Veio à festa religiosa na qual é de costume dos
Hebreus montar tabernáculos a Deus no templo, Soltou um grito repentino em voz
alta: Uma voz do leste, Uma voz do Oeste, Uma voz dos quatro ventos, Uma voz
contra Jerusalém e o templo sagrado, Uma voz contra os noivos e as noivas, E uma
voz contra todo o povo, E ele gritava dia e noite, Em todas as ruas da cidade,
Até que alguns dos homens mais eminentes da população indignaram-se com este
clamor tão ousado, Levaram este homem, E lhe deram uma severa surra, No entanto,
Este homem não pronunciou nenhuma palavra sequer em seu favor, Nem contra os que
o castigaram, Continuou apenas proferindo aos gritos as mesmas palavras de
antes, E diante disto, Membros da classe sacerdotal supondo, Como ficou provado,
Que era um tipo de fúria divina que habitava este homem, O levaram ao procurador
Romano, E este mandou açoitá-lo até arrancar a pele e deixar os ossos à vista,
Todavia, Este homem não fez nenhuma súplica para si mesmo, Não derramou nenhuma
lágrima, E elevou seu clamor ao tom mais angustiante possível, E a cada
chicotada que levava, Ele respondia: Desgraça, Desgraça para você, Jerusalém! E
quando o procurador Albino perguntou-lhe quem ele era, De onde veio, E por que
ele dizia tais palavras, Ele nada respondeu, E não abandonou seu canto
melancólico, Diante disso, Albino o considerou louco, E o dispensou, Assim
sendo, Durante todo o tempo que transcorreu antes da guerra começar, Este homem
não se aproximava de ninguém, E também não era visto por ninguém enquanto
gritava, E todo santo dia ele proferia estes lamentos, Como se fosse um
juramento premeditado, Desgraça, Desgraça para Jerusalém, Mas não xingava as
pessoas que lhe batiam todos os dias, E nem agradecia às pessoas que lhe davam
comida, E a resposta dele para todos os homens era, De fato, Um melancólico
presságio do que estava por vir, E este seu lamento era o mais alto que se ouvia
nas festas religiosas, E ele gritou por sete anos e cinco meses, Sem ficar
rouco, Sem se cansar, E quando ele viu sua previsão se cumprir, Com o cerco de
Jerusalém, Ele deu a volta em torno do muro da cidade, E gritou com toda força:
Desgraça, Desgraça, Para a cidade também, E para o povo, E para o templo
sagrado, E assim que ele gritou por último: Desgraça, Desgraça, Para mim também,
Uma pedra lançada de uma catapulta o atingiu, E o matou instantaneamente, E no
momento que ele proferiu as mesmas palavras, Ele entregou seu espírito a Deus,
Oras, Meu excelentíssimo Alcibíades, Foi com base no relato deste Jesus por
Matias e todos seus escritos, Que uma única mulher em Roma, Inventou um Jesus
para gregos e romanos, Apelidado de Cristo, O Messias, E os escritos dela,
Chamados de boas novas, Espalharam-se por todo o império romano, E deram margem
a um incontável número de escritos semelhantes, Por séculos, Todos mitológicos,
Dos quais sobraram estes quatro que a igreja dominante chama de canônicos, E
todos eles asseverando que este Jesus de nome grego, foi traído por um de seus
discípulos, Entregue ao procurador Pilatos, Pelos homens mais eminentes da
população de Jerusalém, Foi crucificado entre dois ladrões, E morreu em poucas
horas, Oras, Meu excelentíssimo Alcibíades, Um homem leva dias e até semanas
para morrer numa cruz, Pois este mesmo Matias relata que quando o imperador Tito
o enviou com Cerélio, E mais mil cavaleiros, Para uma certa vila chamada Thecoa,
A fim de saber se era um lugar apropriado para acampar, No caminho de volta, Ele
viu muitos prisioneiros crucificados fazia dias, E entre eles reconheceu três
parentes seus, E muito triste, E com lágrimas nos olhos, Matias foi ter com
Tito, E este imediatamente mandou soltar os três, E dar-lhes os melhores
cuidados possíveis, No entanto, Dois deles morreram nas mãos dos médicos, E um
sobreviveu, E agora acrescento-lhe o que, este feiticeiro costuma dizer, Que
quando um mito nasce e cresce com tal poder, E sem nenhum respaldo na verdade,
Ele pode durar milênios, E sobre ele novos mitos são criados, Mitos sobre mitos,
E este feiticeiro antevê, Pelo seu dom de prever o futuro, Que antes da verdade
vir à tona, E isto não ocorrerá antes de dez gerações, Um novo mito dará conta
de que este Jesus mitológico dos cristãos, Foi traído por dois revolucionários,
Simão Mago, O líder, E Judas Iscariotes, E os três foram crucificados na
presença de Pilatos, Num local muito distante de Jerusalém, E habitado pelos
Essênios, Tendo Jesus morrido em poucas horas, E os outros dois tiveram as
pernas quebradas, E por ser tarde, Com a aproximação do Sabá, Eles deveriam ser
tirados da cruz antes do por do sol, E Pilatos consentiu, E em sua presença,
Jesus já morto, Foi colocado numa cova ali perto, E os outros dois numa outra
cova ao lado, Enterrados ainda vivos, E Pilatos aceitou o pedido de Herodes
Antipas, Para deixar um tal de Anano na guarda das covas, E diz o feiticeiro
que, Uma dessas várias boas novas que se espalharam, Fez uma metáfora sobre
Simão Mago, Apelidado de Lázaro, e Jesus nas covas separadas: Havia um homem
rico, Que se vestia com púrpura e linho finíssimo, E se banqueteava cada dia, E
um pobre, Chamado Lázaro, Ficava jogado junto ao seu portão, Indo coberto de
feridas, Ele bem gostaria de matar a fome com o que caia da mesa do rico, Além
disso, Os próprios cães iam lamber as suas feridas, Mas o pobre morreu e foi
levado pelos anjos para o seio de Abraão, O rico também morreu, Sendo sepultado,
E das torturas do abismo, percebeu Abraão de longe e Lázaro no seu seio, Então
ele falou: Pai Abraão, Tem pena de mim e pede para que Lázaro molhe a ponta do
dedo na água para refrescar a minha língua, Porque sofro horrores nestas chamas,
E Abraão respondeu: Meu filho, Lembra-te que recebeste os seus bens durante a
vida e Lázaro recebeu seus males, Agora ele encontra consolo aqui, Enquanto tu
padeces, E, além disso, Entre nós está cavado um grande abismo, Os que quisessem
passar daqui para onde estás não poderiam, E daí também não se pode atravessar
até aqui, Enquanto tu padeces, O rico continuou: Pai, Eu te peço, Então, Que o
mandes à minha casa paterna, Porque tenho cinco irmãos, Que ele lhes faça uma
advertência, Para que também eles não venham parar neste lugar de tortura, Mas
Abraão lhe respondeu: Eles têm Moisés e os Profetas, Que os ouçam então, Mas o
rico ainda lhe disse: Não, Pai Abraão, Mas se alguém dentre os mortos for à sua
procura, Eles certamente se converterão, Mas Abraão concluiu: Se não dão ouvidos
a Moisés e aos Profetas, Ainda que alguém ressuscitasse dos mortos, Eles não
ficariam convencidos, E neste novo mito, Diz o feiticeiro, Esta metáfora será
usada para criar uma outra fábula, A de que administraram em Jesus um veneno,
Para ele parecer morto, E depois o reavivaram com medicamentos, E ele foi
retirado vivo da cova, E alguns dirão que este Jesus permaneceu com seus
discípulos por pouco tempo, E mudou-se para Roma, Onde não seria reconhecido por
ninguém, A não ser Pilatos, Mas este já havia sido exilado em Viena, A pedido de
Judeus e Samaritanos, No ano 36, Mas outros dirão que ele voltou para o lugar de
onde veio, Empreendendo uma longa viagem, Passando por Damasco, Depois Urfa,
Depois as vilas do Afeganistão, Depois Taxilla, E finalmente a Caxemira, Onde
casou-se novamente, Teve três filhos, E lá morreu de velhice, E seu corpo lá
descansa num lugar santo, Em águas cintilantes, Oras, Meu excelentíssimo
Alcibíades, Este feiticeiro, Por vezes, Se expressa em linguagem enigmática e
incompreensível, E assegura que um dia, Quando ninguém souber o que fazer quando
o sol estiver frio demais, Alguém mostrará a verdade, Sobre como uma mulher
semita, Da aristocracia romana, Inventou este mito de Jesus Cristo, Tendo ela
lido todos os escritos de Matias, E nós, Meu excelentíssimo Alcibíades, Não
veremos este dia, Mas outros verão, E aqui me despeço, Desejando que a paz
permaneça contigo.
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