Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
O alemão Wilhelm Von
Scholz (1874-1969) foi um famoso poeta, dramaturgo, autor, ator, editor,
narrador, tradutor e contador de histórias. Ele disse que uma mulher tirou uma
foto de sua filha de quatro anos na Floresta Negra (Alemanha). Ela mandou
revelar o filme na cidade de Estrasburgo. Como a guerra mundial havia eclodido
(1914), ela não pôde mais reaver o filme, e o considerou perdido. Dois anos mais
tarde ela comprou um filme em Frankfurt para tirar uma foto de sua filha que
nascera nesse meio tempo. Quando o filme foi revelado, verificou-se que ele
havia sido usado duas vezes: a segunda imagem era a fotografia do filho, que ela
tirara dois anos atrás! O antigo filme não fora revelado, e não se sabe como
fora posto de novo à venda entre filmes novos. É muito estranha a maneira como
um objeto perdido como este filme voltou ao seu dono. Esta história é
verdadeira, mas o mesmo não se pode dizer da história da Dra. Erin Bruner. No
filme, O Exorcismo de Emily Rose, baseado num fato real, ela é advogada de
defesa do Padre Richard Moore, acusado de ter levado à morte Emily Rose, que
sofria de surtos de esquizofrenia, psicose e epilepsia. O Padre Moore alegou que
o caso dela era de possessão demoníaca, pediu-lhe para abandonar todos os
medicamentos e passou a trata-la com exorcismo. O caso era muito difícil para a
Dra. Erin, que o considerava praticamente perdido. A Dra. Erin andava
irrequieta, noites sem dormir direito. Padre Moore disse-lhe que ela também
estava sendo atacada por forças satânicas durante o julgamento. Numa tarde
anterior à próxima audiência, a Dra. Erin saiu debaixo de um frio intenso para
espairecer e refletir. Caminhando sobre grossa camada de neve, ela encontrou um
medalhão que tinha as três letras iniciais do nome de seu dono. As iniciais eram
as mesmas do nome da Dra. Erin. De tanta gente que passou por lá, tinha que ser
ela, a Dra. Erin, quem deveria encontrar o medalhão, e de tantas combinações
possíveis de três letras, a inscrição no medalhão tinha que ser igual às
iniciais do nome da Dra. Erin. Na vida real, a história não se passou nos EUA,
mas na Alemanha, e o nome da moça que morreu era Anneliese Michel. O réu não foi
apenas um padre, mas dois padres, Arnold Renz e Ernst Alt, e os próprios pais de
Anneliese, Anna e Josef Michel. Os quatros foram considerados culpados. A defesa
judicial não foi feita por uma advogada, mas por advogados contratados pela
Igreja. Nunca se ouviu falar desta historia do medalhão e as três letras, mas
uma verdadeira sequencia de três números cruzou o caminho do famoso psiquiatra
suíço, Carl Gustav Jung. Certo dia, ao sair do metrô, ele comprou uma entrada
para uma peça teatral e notou que o número da entrada era idêntico ao numero do
bilhete do metrô. Naquela noite, já em casa, recebeu um telefonema e a pessoa
que ligou para ele pediu-lhe para anotar o número de seu telefone que era
idêntico ao numero do bilhete do metrô e da entrada para o teatro. Outra
sequencia de três, não de números, mas de palavras, parece ter sido forçada no
episódio da morte do inglês Edmund Berry Godfrey em 1678, fato mencionado no
excelente filme de ficção chamado Magnólia. Godfrey foi um juiz de paz
assassinado em circunstâncias misteriosas. Foi encontrado morto numa vala em
Primrose Hill, Londres, supostamente estrangulado antes de ser empalado em sua
própria espada. Houve muitas acusações entre católicos e não-católicos sobre os
autores do crime até que, finalmente, culparam três pessoas comuns de terem
cometido latrocínio: Robert Green, Henry Berry e Lawrence Hill. Os três foram
enforcados no mesmo lugar onde Edmund foi encontrado, em Primrose Hill. Mais
tarde ficou provado que os três eram inocentes e os verdadeiros assassinos nunca
foram encontrados. Falou-se até mesmo que Godfrey teria cometido suicídio. O
curioso, no entanto, é que o bairro de Primrose Hill passou a ser chamado por
algum tempo de Greenberry Hill, para lembrar os sobrenomes dos três inocentes
condenados à morte. Outros, porém, alegam que, coincidentemente, o bairro já
tinha o nome de Greenberry Hill por ocasião da injusta prisão e execução
daqueles três homens. Não vejo aqui nada parecido com paramnésia, uma
perturbação da memória dos que foram testemunhas desses fatos. Uma verdadeira
paramnésia foi vivida por Carl Jung em 1918, quando ele se ocupava do estudo do
Orfismo, e em particular com o fragmento Órfico de Malalas, no qual a luz
primordial é designada trinitariamente como Metis, Phanes e Ericepaeus. Jung lia
sempre HERICAPAIOS ao invés do correto HERIQUEPAIOS, como está no texto. Este
lapso de leitura fixou-se em Jung como paramnésia, e mais tarde ele só se
lembrava deste nome como HERICAPAIOS. Trinta anos depois, Jung descobriu que o
texto de Malalas traz HERIQUEPAIOS. Justamente por esta época, uma de suas
pacientes, que ele não via havia quatro semanas, e que não sabia de seus
estudos, teve um sonho no qual um desconhecido entregou-lhe um folha de papel no
qual estava escrito um hino latino dirigido a um deus chamado ERICIPAEUS. A
sonhadora foi capaz de reproduzir este hino por escrito logo que despertou. A
linguagem era uma estranha mistura de latim, francês e italiano. A senhora em
questão tinha conhecimentos elementares de latim, conhecia um pouco mais o
italiano e falava fluentemente o francês. Ela desconhecia por completo o nome
ERICIPAEUS, o que não surpreendia Jung, uma vez que ela não tinha nenhum
conhecimento dos clássicos. As residências de Jung e da sonhadora distavam cerca
de 90 quilômetros uma da outra, e não havia comunicação entre eles havia um mês.
Estranho é que a variação do nome, isto é, o lapso de leitura, se dera
justamente na vogal que Jung lera também errado, trocando o A pelo E. A única
diferença é que seu inconsciente errou em outra direção, lendo I em lugar de E.
É, portanto, de se supor que ela leu inconscientemente, não o erro de Jung, mas
o texto no qual ocorre a transliteração latina ERICEPAEUS, e parece que só foi
perturbado pelo erro de leitura de Jung. Eu costumo cometer lapsos de leitura em
sonhos, não por meio de transliteração de palavras, mas por acréscimos de
sílabas nas mesmas, mudando-lhes o significado original. Já sonhei com uma
cidade verdadeira, cujo nome tem duas sílabas, mas no sonho eu a pronunciava com
três sílabas, alterando seu sentido. Já sonhei com uma mulher cuja profissão tem
um nome de duas sílabas, mas no sonho eu a chamei, por engano, por um nome de
quatro sílabas, mudando a profissão da mulher. Neste caso, minha paramnésia
ocorreu, simultaneamente, em duas línguas, português e inglês. Certa vez, fui
alvo destes acontecimentos marcados por uma sequencia de três e, ao mesmo tempo,
por paramnésia de outra pessoa. Era uma sexta-feira e eu ia para o trabalho de
metrô, lendo o livro SINCRONICIDADE de Carl Jung, que eu terminei na hora do
almoço. Na volta do trabalho eu estava na estação da Sé na hora do rush,
esperando por um trem menos apinhado. De um deles saltaram três jovens muito
bonitos, uma moça branca e dois rapazes negros. Eles se beijaram e tomaram rumos
diferentes. Entrei num vagão lotado e viajei de pé. Bem na minha frente havia um
lindo casal de jovens, uma moça branca e um rapaz negro. Quatro estações depois,
o casal levantou-se e saiu. Eu não sentei, e dei lugar a outras pessoas que
embarcaram. No mesmo banco à minha frente sentou-se outro casal de jovens bem
bonitos, outra moça branca e outro rapaz negro. Cheguei em casa depois das 18
horas. Tinha que ir a uma festa naquela noite. Minha esposa disse-me que sua
irmã queria falar comigo. Liguei para ela e ela contou-me que a mãe de uma amiga
sua chamada Neusa lhe pedira um favor. A Neusa estava sofrendo, porque logo na
meia idade seu marido resolveu troca-la por uma mulher 25 anos mais jovem, uma
mulher que era amiga de sua filha e frequentava sua casa. Neusa disse que na
noite de quinta para aquela sexta-feira, ela sonhou que se encontrou com Chico
Xavier e perguntou a ele porque seu marido havia feito aquilo com ela. No sonho,
Chico respondeu: Não há de ser nada, não, seu marido está com a espada de
Dêmocles sobre sua cabeça. Ela não entendeu a mensagem e achou que eu poderia
explica-la. Eu conhecia um pouco de mitologia grega e me lembrava desta frase só
de nome. Não me lembrava da história e precisava pesquisar. Quando voltei da
festa, levei para cama um almanaque da cultura grega, do tipo QUEM É QUEM NA
GRÉCIA ANTIGA, em ordem alfabética. Fui à letra D e não encontrei DÊMOCLES.
Repassei todos os nomes com a letra D e continuei não encontrando DÊMOCLES.
Achei que uma delas, a Neusa ou minha cunhada, havia me passado o nome errado.
Deixei para ligar no sábado para conferir o nome grego. No dia seguinte, logo
cedo, tomei o café da manhã e, como de costume, abri o jornal no caderno de
economia, e lá estava estampada na página principal a manchete em letras
garrafais: MINISTRO DIZ QUE A ECONOMIA BRASILEIRA ESTÁ SOB A ESPADA DE DÂMOCLES.
Pronto! Como não pensei nisso antes! É DÂMOCLES e não DÊMOCLES! Por que não
procurei direito no livro? Conferi com a Neusa e ela realmente havia cometido um
lapso de entendimento da palavra proferida no sonho, e eu fui perturbado pela
sua paramnésia. Especulei: será que o sonho da Neusa ocorreu quando o jornal já
estava impresso? Será que ocorreu antes ou depois do jornalista ter escrito a
matéria no caderno de economia? Será que fenômenos como esses repousam na
simultaneidade de dois estados psíquicos diferentes, um normal e o outro não
derivado causalmente do primeiro? Será que estas sequencias acidentais de dois
ou mais fatos têm uma tendência a formar grupos aperiódicos, o que, segundo
Jung, sucede necessariamente porque, de outro modo, só haveria uma ordenação
periódica e regular de acontecimentos que, por definição, exclui a causalidade?
Será que tudo é uma mera questão de dinâmica no tempo e espaço? Uma dinâmica que
liga tempo e espaço por um elemento psicóide da natureza? Talvez a dinâmica não
seja o que se move através do espaço, mas o que muda ao longo do tempo. Talvez o
tempo seja a única medida. Embora o tempo não exista.
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