Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98
Trem que parte de estação escondida numa deformação do espaço e do tempo de um arrabalde de alta densidade. Estação naturalmente conhecida por todos seus confinantes. No seu bojo carrega gente. Somente vidas risonhas e fugidias, vidas em movimento, que se sentem encontradas e preferem apenas partir sem atinar para o destino. Já têm todo alento e sabem o que o amanhã trará. Lentas e ruidosas, rodas trotam pelos trilhos. O professor sem formação começa a recortar as imagens que entram pela janela. A psicóloga sem diploma é arquitetada na mente de uma marginalizada, lendo cartas de tarô em casa e farejando novos clientes na igreja. Em cada vagão todos se conhecem e são amigos. Todos precisam de pouco amor para atenuar uma dor que não têm. Uma única mulher sofisticada até agora se sente incomodada no meio de tantas pessoas, apesar da classe única ser espaçosa, confortável e quase privativa. Em cada estação todos se confraternizam e se dispersam. Todos já passaram por lá muitas vezes. Nenhum é especial e nenhum se detêm, só o movimento importa. De estação em estação entram e saem e se saúdam. Da mente da marginalizada as vidas apenas saem e se constroem nas fantasias de uma contadora de histórias de assombrações e nas revelações políticas e veladas do colecionador de recortes de jornal. Vem-lhe à mente sua impressionante e derradeira conversa com a única confidente que se impregnou em sua memória de forma indelével e traz-lhe recorrentes lembranças da última vez que ela falou-lhe tanto sobre segredos encontrados nos sonhos, numa situação semelhante àquela vivida na penúltima conversa, e ambas caracterizadas por palavras opostas àquelas que um censor emprega para depreciar os humildes anseios alheios: coerência com o conteúdo básico do conhecimento absoluto e ocorrências simultâneas sem relação causal, mas com o mesmo significado; muito mais que sonâmbulas: verdadeiras projeções astrais; oníricas, mas impessoais; tão lógicas quanto o conceito de desordem no universo e tão constantes como a insensata busca por um significado para a vida. E ao contrário da maneira de conceber e realizar atribuída pelo desagregador aos que se movem pela felicidade, as verdades que nessa penúltima estação se comprimiam intensamente como num ovo cósmico eclodiram quando a marginalizada pretendia dizer coisas feitas para não enganar, mas que fazem com que todos se sintam enganados. No entanto, estarão enganados para sempre aqueles que nunca se empenharem em compreender a querença desta explosão, que não forja um limite, segue em frente, até o fim da linha que não existe, e se dissolve com a vida que ilude.
Alceu,
ResponderExcluiré interessante como nos identificamos em cada um destes seus confinantes, que de estação em estação reconhecem-se, e estranham-se.
Boa noite caro escritor. :)
show de arte! de arrepiar! leio este texto e não quero ler mais nada, ouço esta música e não quero ouvir mais nada
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