domingo, 4 de dezembro de 2022

VENTOS UIVANTES

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Nenhuma lembrança, Da terra roxa e fértil, Com mãe de filho do céu, Nenhuma lembrança, De morada em garagem de fundos, Com história de ouvir contar, No caminho do tatu, As memórias sobem à entrada da toca na superfície para observar, Veem a segunda mãe chegar para ensinar a escrever na idade que ainda precisa crescer, O tesouro desenterrado a céu aberto, À espera de felizardos desbravadores, Um caco de vidro a pé cortado, Provoca menos dor do que pavor, Como a escuridão solitária no alto do segundo andar habitada por ventos uivantes que fazem a alma dos vivos penar, As compensações só vêm com esperneio e pranto sob uma mesa, Novas espoletas para o revolver, O carro de lata para pedalar, A direção em reforma que pode tardar, mas não falhar, Desta terra se leva cones de fios têxteis improvisados de adereços para o carnaval, O cinto com fivela de elefante que não esquece, Os pés de galinhas sangrando pelas picadas de cupins que dividem o mesmo espaço num caminhão, No caminho das armadilhas de taquara e cipó, Que podem se estender de mar a mar, Os peixes delas não escapam, Mas não mantém a segunda mãe neste mundo, E as recordações são jogadas no Rio Letes, Como quando se está prestes a encarnar, O que resta são os ferozes marimbondos que montam guarda na grade junto ao chão que traz ar e luz do sol ao porão, E os pés de melancia que começam a brotar bem na hora da mudar, Obscuras reminiscências que poderiam ser de uma alma encaminhando-se para a planura de calor e sufocação terríveis, Quando, Despida da sombra de árvores, Bebe da água que nenhum vaso pode conservar, Só faz esquecer, Faz sentir falsas brisas, Não deixa se ver partir pelo seu filhão, Que dele queria se apossar, Sem nenhuma má índole, Somente ciúmes de mãe deserdada, Sem ressentimento por ter sido odiada, Sem mágoa por ter sido por poucos amada, Sem assustar ninguém com noites em pesadelos, Sem atinar para as suas batalhas perdidas, E teu filhão deixa para trás aqueles ares devastadores das trevas desacompanhadas e te chama, Minha segunda mãe Alice, Sou eu, O Aloysius, Ainda estou do outro lado de você, Perdido aqui como perdida você deve estar aí, Logo deixarei minha casa, Excomungarei a última ave-maria, Para você me encontrar, Desta vez de olhos abertos, Para te abraçar, E juntos escolhermos nossos novos destinos, Láquesis elegerá um guia espiritual para cada um de nós, E ele nos levará a Cloto para sancionar nossas escolhas, E esta nos conduzirá a Átropos para tornar irreversível nossas vontades, E do trono da Necessidade passaremos para o outro lado, E felizes recuperaremos o tempo que nos foi roubado.