sábado, 27 de janeiro de 2024

A TRANSEUNTE

Texto de autoria de AustMathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Fui uma camponesa num feudo na França, entre a média e baixa Idade Média. Nossos suseranos condenavam à morte os vassalos que blasfemassem, mas eles mesmos injuriavam a divindade sem o menor escrúpulo, até que um dia, um jesuíta, favorito do senhor feudal, proibiu-lhes de empregar o nome de Deus em suas palavras que maldissessem o Criador. Mesmo assim, eles contornaram esta dificuldade, substituindo Deus por Azul, em francês Dieu por Bleu, palavras que rimam. E foi assim que as imprecações modificaram-se:par La mort de Dieu (pela morte de Deus) passou a ser MorbleuSacré Dieu (Santo Deus), sacrebleuPar Dieu (Por Deus) parbleu. par la sang de Dieu (pelo sangue de Deus) palsembleu. A criadagem que ouvia frequentemente esta última maledicência, reteve apenas o final, ou seja, sang bleu, sangue azul, e como o uso destas infâmias era privilégio dos senhores feudais, para distinguir um nobre de um plebeu os servos costumavam dizer: Cuidado ao falar, este é um sangue azul. Certa vez, aquele mesmo jesuíta, amigo do meu senhor, ouviu-me parodiar as maldições de sangue azul proferidas pela nobreza. Ele tomou aquilo não somente como injúria ao senhorio, mas também como calúnia à religião cristã. Acusou a mim e minhas seis companheiras de quarto de bruxas, convocou representantes de Santa Inquisição em Roma, e fomos todas queimadas vivas em público. Antes das chamas consumirem meus lábios, esforcei-me  para gritar: Vingança aos sangues azuis! Apesar da dor indescritível provocada pelo suplício da fogueira calcinando nossos corpos, renascemos das cinzas que tinham sido espalhadas pelas plantações para servirem de esterco, sentíamos-nos diferentes, extremamente fortes, destemidas, mais vivas do que éramos, com poderes sobrenaturais, e com uma insaciável sede de sangue humano. Nossos dentes incisivos superiores cresceram e se tornaram pontiagudos. Só nos incomodava a luz do sol, uma horrível lembrança do fogo queimando e ardendo em nossos olhos. Como se estivéssemos com a mesma disposição e em sintonia, nós sete decidimos  ficar sempre juntas e sair todas as noites, invadindo os aposentos de todos os nobres que encontrávamos em nossa região. Mordíamos suas gargantas e bebíamos seus glóbulos sanguíneos. Certamente, esperávamos que seus sangues fossem vermelhos, mas ao cravarmos nossos dentes em seus pescoços, jorravam de suas veias sangue azul, com agradável aroma e gosto de anis. Isso só podia ser um atendimento, não sei por parte de quem, ao meu pedido de vingança que fiz próxima da morte tão cruel e injusta. Logo toda nossa comunidade se deu conta do terror e da mortandade que espalhávamos. Passaram a nos chamar de estriges, uma espécie de morcego hematófago que se alimenta de sangue de animais e, eventualmente, humanos. As vilas feudais começaram a nos perseguir. Reuniam-se e revezavam-se em mutirões, carregando todos os tipos possíveis de armas, e, temendo-nos, sempre mantinham seus pescoços protegidos por cobertores de lã bem grossa. Nós passávamos o dia inteiro escondidas debaixo da terra, e à noite saíamos no encalço dos nossos algozes azuis para sugá-los. Os fidalgos que costumavam blasfemar contra Deus, aterrorizados, se trancafiavam todas as noites em seus aposentos, desde o por do sol até o dia nascer, dificultando nosso acesso a eles. Para saciar nossa sede, atacávamos nossos próprios pares, gente humilde do campo como fomos um dia. O sangue deles era vermelho como de todos os humanos.  O sabor não era tão bom quanto o azul. Era meio salgado, meio metálico. Tinha gosto de  ferrugem, de metal oxidado. O mais importante é que sempre nos satisfazíamos e nos mantínhamos bem alimentadas por alguns dias. Aferramos-nos a este novo estilo de vida e não conseguíamos imaginar outra maneira melhor para se viver. Quanto mais tempo passava, mais gostávamos do que fazíamos, Atravessamos os séculos, nos tornamos imortais, e chegamos aos tempos modernos. A França já não tinha mais senhores feudais nem reis. Quem passou a dirigi-la foram o presidente, o primeiro-ministro e o presidente do senado. A persecução a nós, no entanto, não diminui. Ao contrário, intensificou-se. Eles passaram a usar armas  de fogo contra nós, embora uma bala que nos atingisse não fizesse mal algum aos nossos corpos. Descendentes de gerações mais antigas ainda conservavam algumas superstições do passado, acreditando que podiam nos afastar com alho, ramos de roseira silvestre, crucifixos, os mesmos que nos fizeram beijar antes de fazer de nós tochas humanas, sementes de mostarda espalhadas no telhado das casas sagradas, rosários e água benta. Outros mais ingênuos, ainda acreditam que não conseguíamos pisar em chão sacro, tal como o das igrejas e templos, ou atravessar água corrente, e que espelhos colocados em portas, virados para o exterior, pudessem nos frustrar. Os chamados entendidos em vampiros diziam que a única maneira de nos matar e acabar com nossa imortalidade era cravando uma estaca em nossos corações, como se algum humano pudesse nos subjugar. Um grupo de místicos franceses chegou ao cúmulo de trazer do Haiti para a França um bando de mortos-vivos, chamados zumbis, que saíam à noite para nos caçar. Mas eles não eram páreo para nós. Nos o dominávamos facilmente. Experimentamos o sangue deles, mas era horrível, coagulado de cor preta, de gosto putrefato. Acabamos com todos estes zumbis, mas eles nos trouxeram um problema. acabaram chamando a atenção de um bando de demônios, soldados do diabo Lúcifer, que vieram ao nosso encontro e nos disseram que nutriam simpatia por nossa espécie e por nossa causa. Todos eles se identificavam por nomes: Belial, Leviatã,  Belzebu, Legião, Pazuzu, Baal, e Satã. Nos convidaram a juntar-se a eles, mas com a intuição que adquiri como vampira, suspeitei que, na verdade, eles queriam nos escravizar. Recomendaram-nos uma conversão em demônios que, segundo eles, eram muito mais poderosos que os vampiros. Ofereceram-nos seus sangues. Eu fui eleita, naturalmente, pelas minhas outras seis companheiras, líder do nosso pequeno grupo. Tomei a dianteira e provei do sangue de um dos demônios e vomitei. Era ruim como a bílis, um líquido esverdeado, viscoso e amargo. Tentei persuadir os demônios que, embora os respeitássemos, eu e minhas seis companheiras vampiras preferíamos seguir nossas novas vidas como começamos, sozinhas e independentes. Queríamos descobrir até onde podíamos chegar antes de fazer alianças com outras criaturas. Imediatamente notei que os demônios não gostaram de minha decisão, se sentiram desafiados e não tive dúvida que eles realmente tinham muito mais recursos que nós, e estavam prestes a nos dominar por completo, entrando em nossos corpos. De repente, um enorme clarão de luz branca e ofuscante nos envolveu a todos, de tal modo que ninguém enxergava ninguém. Lenta e gradativamente a luz foi se dissipando, até reduzir-se à figura de uma mulher de túnica branca. meia transfigurada, e com os cabelos cobertos por um véu. Nesse momento, todos os demônios haviam desaparecido. A mulher se dirigiu a nós como sendo a Virgem Maria, mãe de Deus na terra, e nos disse:
Minhas filhas, julgadas e condenadas injustamente e levadas a este infortúnio atormentador. Não pensem que Deus, nosso pai, descuidou-se de vocês. Ele sabe que vocês foram vítimas e as perdoa pelo que fazem. Ele me enviou para lhes dizer que, ao invés do sangue que vocês extraem de suas irmãs e irmãos e que os levam à morte, vocês devem beber da água viva que flui e comunica-se pela humanidade do Cristo. Eis que o Cristo lhes oferece um sangue transparente, inodoro e insípido. Aquela que beber da água que Cristo oferece não terá mais sede. Quem tiver sede que vá ao Cristo e desaltere. Como do rochedo de Moisés, a água jorra de seu seio e, na cruz, a lança fez correr sangue e água do seu flanco. Em nome do Pai, eu vos ofereço Fons Vivus, Ignis Caritas, Altissimi Donum Dei. O Pai sendo a fonte, o Filho é denominado rio, portanto vocês beberão o espírito. Aquela que bebe desta água viva participa antecipadamente da vida eterna.
Ouvi aquela mulher atenta e respeitosamente, mas sua pregação só serviu para arraigar mais ódio em nossos corações, pois foi em nome desta água benta, e do crucifixo simbolizando a morte deste Cristo, que nos tiraram a vida, sem que tivéssemos cometido quaisquer pecados, quanto muito remedamos imprecações desavisadas dos aristocratas que diziam acreditar em Deus, mas constantemente blasfemavam-no. A mulher santa se foi e nós retomamos nossos caminhos e destinos. O cerco a nós aumentava cada vez mais. Nosso grupo estava marcado. Depois de muitos séculos, decidimos nos separar, pois em turma nos tornávamos presas de identificação mais fáceis. Algumas partiram para o extremo Oriente. Outras para a África, para a América do Norte e para o Leste Europeu. Eu já resistia à luz do sol e já podia viver não somente da noite, mas do dia também. Decidi ir para um país tropical, de clima mais quente. Mudei-me para o Brasil. Continuei solitária como sempre fui com minhas companheiras, principalmente nos tempos que tínhamos que passar 12 horas dormindo a sete palmos. Meu desejo imperioso de seguir ingerindo o líquido dos homens continuava inalterado, e levava-me a satisfazê-lo com mais frequência. Certa noite adentrei uma casa particular e no segundo andar deparei-me com um casal dormindo pacificamente. Fui para cima da mulher que tinha o rosto voltado para o meio da cama. Assim que me aproximei dela, ela acordou, virou-se para mim, encarou-me firmemente, e com uma voz meiga me perguntou:
Posso ajudá-la?
A mulher não estava nem um pouco assustada com minha súbita presença. Não sorria e nem amarrava a cara. Tinha um olhar imparcial e uma beleza excêntrica, incomum. Seu rosto era branco como leite, levemente brilhante, meio perolado, e o resto era todo negro: cabelos, olhos, longos cílios, até a camisola, e o mais inusitado: ela usava batom negro para dormir, e em excesso, pois uma parte dele lhe escorria pelo seu queixo. Eu nunca falava com minhas vítimas, mesmo que elas me perguntassem algo. Mas no caso desta mulher uma força estranha me levou a indagar-lhe:
Porque a senhora dorme de batom, ainda mais de cor preta, tão mórbida?
Para agradar meu marido!
O marido dormia um sono profundo. Roncava. Devia ser o tipo de maníaco que adorava fantasias sexuais. O fetiche dele parecia bem original. Nada de roupas de couro, salto alto, bota de cano longo, lingerie de seda, cinta-liga, meia 7/8, espartilho ou qualquer tipo de uniforme, como de enfermeira, colegial, marinheira, empregada ou policial. ele devia se excitar somente com toda aquela pretidão, e o batom preto devia ser o auge de seu tesão. Pensei: uma mulher que se submete desta forma merece uma boa e profunda mordedura:
Sim, você pode me ajudar, sua vadia. Quero seu sangue!
A mulher nada falou. Calmamente desnudou e esticou o seu pescoço para mim. Dei-lhe uma mordida mais forte que o normal, para doer muito, e, para meu espanto, a mulher manteve-se calada e tranquila, e ainda verteu sangue amarelo, suculento, doce, com gosto de pêssego, uma de minhas frutas favoritas quando era mortal. Fiquei extasiada e cismada. Afinal, que tipo de gente é essa com sangue amarelo? A mulher virou-se para mim e perguntou com a mesma brandura:
Por que você está tão surpresa assim comigo e com meu sangue amarelo? Além do sangue humano vermelho, você já experimentou sangue azul, verde e preto, e já lidou com vários tipos de criaturas: humanos, vampiros, zumbis, demônios e santas virgens.
Mas como você sabe tudo isso sobre mim, Você nem me conhece?
Eu leio a mente das pessoas!
Você é médium?
Não, não sou. Sou de outro mundo!
Claro! Todas as pessoas que têm percepção extrassensorial se acham especiais.
Não sou especial. Sou de outro planeta!
Você está me fazendo rir pela primeira vez em séculos, sabia? Vocês que têm um pouco de paranormalidade gostam de aparecer e impressionar as pessoas. Mas saiba que seu poder é muito limitado comparado ao meu. Certamente você está esperando que eu te pergunte de que planeta você veio, não é isso?
Vim de um aglomerado de sistemas solares desta galáxia onde os planetas são habitados apenas por mulheres.
É mesmo! – falei com ironia e resolvi brincar com ela – E como vocês procriam?
Através de clonagem!
Oras, clonagem! Como pude me esquecer disso? A maneira mais simples de procriação. E dispensa o sexo masculino. Até os humanos já fazemos isso. Diga-me uma coisa: Todas as alienígenas são tão humanas assim como você? Embora eu reconheça que você tem uma beleza muito peculiar.
Sou uma alienígena transeunte!
Oras, que nome original! Você pode me dar o privilégio de saber o que é uma transeunte?
Transeuntes são alienígenas que deixam seus planetas de nascença e perambulam pela galáxia sem, necessariamente, um destino e um lugar fixo para residir, e procuram viver de prazeres bem simples, típicos de espécimes bem atrasadas e rudimentares. Eu escolhi vir para cá, passar por humana, casar, constituir uma família, ter filhos...
Filhos? Como? Você acabou de dizer que procria somente através de clonagem! Vocês, médiuns, que gostam de nos esnobar, adoram humilhar seus semelhantes, gente comum, mas sempre caem em contradição. O que você faz aí com o maridão dado a fetiches e não para de roncar?
Nós não gostamos de fetiche. Eu sou assim mesmo, exatamente como você está me vendo. A pessoa que você vê em mim é a adaptação mais próxima da condição humana que alcancei. Eu faço amor com meu marido, engravidei e tenho dois filhos, uma menina de sete anos e um menino de 9 anos.
Pois é, se você consegue procriar somente através de clonagem, como você pode engravidar?
Dominique, assim te chamo porque leio seus pensamentos e sei que você é francesa e esse é teu nome. Dominique, sou uma pessoa extremamente comum. Só mesmo uma cientista do meu planeta poderia te explicar como minha gravidez é possível aqui em seu planeta.
Então estamos às voltas com o velho dilema que resolvemos com o comodismo de sempre. Não sabemos como a vida surgiu em nosso planeta, então inventamos um ser supremo chamado Deus e atribuímos tudo a ele. E ultimamente estamos jogando o problema no colo de supostos alienígenas. Foram eles que nos criaram, mas não nos interessa saber quem os criou. Pronto, problema resolvido! E seus filhos, são extraterrestres, humanos ou meio a meio?
A combinação do meu DNA com o DNA humano só permite que nasçam humanos, normais, mas híbridos. Nunca poderão ter filhos. Morrerão como todos humanos morrem, mas terão uma vida feliz. E eu seguirei em frente.
O que é seguir em frente?
Sou imortal, mas meu marido e meus filhos não são. Quando eles morrerem, procurarei outro humano para casar e formar uma nova família.
Simples assim? Com tanta frieza e nenhum sentimento afetivo? Nenhuma saudadezinha? Você é adepta do adágio: rei morto, rei posto?
Nossos sentimentos são muitos diferentes dos sentimentos humanos. Para você começar a entender teria que viver alguns milhares de anos em meu planeta.
Qual é o seu nome?
Meu nome humano é Maria. Maria Madalena!
Só poderia ser! Médiuns cristãos adotam nomes bíblicos. Aposto que você é espírita. Qual é o seu nome em seu planeta, e também o nome de seu planeta.
Minha família humana é cristã, mas não tenho religião. Aliás foi aqui na terra que aprendi pela primeira vez esta abstração que vocês chamam de religião. E são tantas! Quanto aos nomes, não os escrevemos e nem os verbalizamos. Você jamais entenderia. Não usamos uma linguagem como os humanos. Emitimos sons com as cordas vocais. Os humanos têm dois pares de cordas vocais. O par superior é responsável pela vocalização, mas há humanos, como os Tibetanos, que conseguem  vocalizar os dois pares ao mesmo tempo, o superior e o primário, e isto significa que eles conseguem falar dois idiomas humanos simultaneamente. Em nosso planeta nos comunicamos através de milhões de sons vocalizados por cerca de milhões cordas vocais, tal qual a quantidade de neurônios em seus cérebros, mas diferentes  das cordas vocais de vocês. Dominique, acho que já falei demais sobre mim e não estou aqui para isso. Sei o que você veio fazer aqui e posso te ajudar mais se você quiser.
Ótimo, faça uma demonstração de mais alguns truques de paranormais.
Quer experimentar outros tipos de sangue?
Oras, por que não!
Novamente, a mulher serenamente virou-se e ofereceu seu pescoço para mim. Dei-lhe uma boa mordida, e, para minha surpresa, de suas veias jorrou sangue roxo, com sabor de açaí. Inacreditável! Ela incentivou-me a continuar mordendo-a, e desta vez o sangue era alaranjado, com gosto de tangerina, muito saboroso. Como ela consegue fazer isso? Ela não parava de me oferecer seu pescoço. Experimentei mais de 30 tipos de sangue, de cores diferentes, cada um com gosto de uma fruta, todas deliciosas. Preto com gosto de jabuticaba, verde com gosto de abacate, vermelho com gosto de morango, rosa com gosto de romã, cor de vinho com gosto de uva niágara e muitos outros. Meu Deus, e fazia séculos que eu não proferia tal imprecação, como isso é bom!. Vou querer mais disso.
Maria, tem mais gente aqui como você capaz de produzir tantos tipos sanguíneos tão deleitosos?
Tem muitas, mas sempre que você sentir vontade venha me visitar a qualquer hora do dia ou da noite.
Não sei como você faz isso. O que importa é que é muito gostoso. Portanto, aceito seu convite. Mas diga-me, por que você está fazendo isso por mim?
Gosto muito dos humanos. Este planeta prima pela heterogeneidade. A diversidade aqui é riquíssima. Tem de tudo para todos os gostos. Só quero retribuir a você e outros humanos o prazer que este planeta me proporciona.
Já que você se dispõe a dar explicações sempre que lhe faço uma pergunta, diga-me outra coisa: como foi possível para mim morrer, renascer com poderes sobrenaturais, tornar-me imortal e não ter vontade nenhuma de comer, mas apenas ter sede de sangue humano?
Dominique, em meu planeta eu sempre tive uma quantidade infinita de perguntas, mas nenhuma das cientistas que estão hierarquicamente muito acima de mim jamais me respondeu uma única questão sequer. Então me cansei de tudo. Cansei da monotonia e do exclusivismo dos conhecimentos científicos e avanços tecnológicos de minha raça tão sectária e resolvi ir embora, me tornar uma transeunte. Vim para cá para viver de simples prazeres humanos: comer, beber, fazer amor, brincar com os filhos, nadar no mar, dormir muito e sonhar. Sou muito feliz aqui, assim como você é muito feliz na  sua nova condição de humana ressuscitada, vampira e imortal, Cada uma à sua maneira, ao seu gosto.
E o que é felicidade para você?
É um alívio. É como se livrar de um peso enorme que aprisiona o corpo com uma gravidade mil vezes maior que a gravidade da terra.
Dá para ser mais específica do que isso?
Talvez só por analogia. Posso fazer uso de uma passagem de uma das várias mitologias humanas, uma cristã. Seria sentir-se como Maria Madalena depois que sete demônios saíram de seu corpo.
E no seu planeta? Há algum tipo de analogia que se aproxima desta terrena?
Você não entenderia.
Tente.
Está bem. Entre os humanos há pessoas com dupla e múltipla personalidade. Agora, imagine uma pessoa tendo que viver com milhões de personalidades ao mesmo tempo. Isto é factível quando a pessoa é imortal e tem toda uma eternidade pra viver cada uma delas até esgotá-las. Ainda assim, é preferível viver com uma única perpetuamente, como comecei a viver aqui na terra. Entendeu?
Não.
Então, como sua amiga que a partir de hoje me considero, recomendo-lhe cuidar das coisas mais importantes de seu mundo, em vez de ater-se às ninharias do meu.
Hum, já está aprendendo a filosofia brega e barata com os humanos.
Quer uma saideira?
Está me mandando embora?
Claro que não! Presumo que você não vai dormir aqui.
Não mesmo. Não preciso mais de sono, e gosto de me alimentar somente noite adentro. 
Morda meu pescoço e prove um sabor que não existe na terra.
Está bem. Meus deus, nossa, outra imprecação desavisada. Nossa, que delícia! Que fruto tão sápido é esse? E que sangue é este, incolor, translúcido, invisível!
Este é o sangue que eu carregava em minhas veias no meu planeta.
Isto é mesmo coisa de outro mundo, mas ainda há algo em você que me intriga. Você diz que lê pensamentos, muda a cor e o sabor de seu sangue quando quer, mas, sendo estéril em seu planeta, não sabe como consegue engravidar na terra.
Estes dons que você descreveu só me são possíveis colocar em prática nos humanos. Mesmo assim, de onde venho também há mais mistérios entre a abóbada celeste e o solo que pisamos do que pode sonhar nossa vã superioridade tecnológica sobre vocês. Não se aflija, Dominique, com ou sem desgraça e felicidade, esta catarse teatral de nossas existências em qualquer canto do universo, ao lento cair do pano das mais surpreendentes revelações, sempre nos deixará, como objeto de meditações, sangues e frutos doces e amargos, um interminável corolário de incertezas. Vá agora, e volte sempre que quiser. Quando você encontrar a próxima mulher para matar sua sede, assobie um trecho do noturno de Chopin para ela, sem dizer-lhe o que é ou de quem é, pare de repente, e interrogue-a somente com os olhos antes de sorver seu sangue. Assim, ela sobreviverá.

música: SEVEN DEVILS de FLORENCE AND THE MACHINE

Holy water cannot help you down
Hours and armies couldn't keep me out
I don't want your money
I don't want your crowd
See I have to burn
Your kingdom down
Holy water cannot help you now
See I've had to burn your kingdom down
And no rivers and no lakes can put the fire out
I'm gonna raise the stakes, I'm gonna smoke you out
Seven devils all around you
Seven devils in my house
See they were there when I woke up this morning
I'll be dead before the day is done
Seven devils all around you
Seven devils in your house
See I was dead when I woke up this morning
I'll be dead before the day is done
Before the day is done
And now all your love will be exorcised
And we will find you saying it's to be better now
And it's an even sum
It's a melody
It's a battle cry
It's a symphony
Seven devils all around you
Seven devils in my house
See they were there when I woke up this morning
I'll be dead before the day is done
Seven devils all around you
Seven devils in your house
See I was dead when I woke up this morning
And I'll be dead before the day is done
Before the day is done
Before the day is done
Before the day is done
They can keep me high
'Til I tear the walls
'Til I save your heart
And I take your soul
And what have we done?
Can I be undone?
In the evil heart
In the evil soul
Seven devils all around you
Seven devils in your house
See I was dead when I woke up this morning
I'll be dead before the day is done
Before the day is done

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

UM PADRÃO DE SOLIDÃO


Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Já foram as duzentas maiores metrópoles deste lugar, Onde não vejo terras de minha terra, E mais outras centenas de povoações menores, Que cruzo como ruas nas cidades dos  mortos, Trazendo-me estrangeira por mais de 200 mil quilômetros de destinos, Comendo-os a passo largo, E aqui estou novamente, Que parece eternamente, Como se eterno fosse só uma palavra, Todos os dias de fazer e de não fazer, Levantando cedo e a culpa, Para não só minorar minha pena, Dando duro a manhã toda, Por fazer de mim pessoa estável, Mas sempre saindo-me uma nômade itinerante, Pegando estrada na hora do almoço, Nestes longos caminhos, De horas esquecidas, Que de sonhos ando acordando, Viajando 500 milhas, Fantasiando sua presença, Que sabe que estou longe, Desde o momento que uma aeronave estremeceu o céu e acordou seu isolamento, Até chegar à próxima urbe na hora do jantar, Conversando horas perdidas comigo, Até ferrar rápido no sono, Para o ritual do dia seguinte, Focada num trabalho de Sísifo, Que não é de sempre, Focada na direção, Ouvindo música por oito horas, Enquanto minha alma descansa em meu colo, E por onde passo, O passado não passa, Torna-se presente e profuso, E todos parecem me conhecer, Como se mais conhecem a geografia de Marte que os monumentos de seu país, Os ventos gerais, As paisagens monótonas de árvores que escondem pássaros, De canteiros centrais que escondem policiais, A neve que embaça e baixa a temperatura, E depois de mais um mês solar, As vias se esvaziam, Porque o dia 24 de Dezembro chegou, E vou pernoitar numa periferia onde já estive mais de uma vez, Onde as ruas estão desertas, Como se lá nunca houve vida, Onde o hotel parece abandonado, E como hóspede única, Faço minha ceia, Faço-me um brinde, Minto sozinha, Ouço ecos de mim, Epílogo de uma mulher morta, E logo deito-me no silêncio absoluto e sepulcral, Sublime sossego, Que atenua minha monofobia, Como se o mundo tivesse acabado, E eu a única sobrevivente, Resistindo aos meus próprios pensamentos, Ao inconformismo de gente que se tornou estranha com a vida pesada que levo e carrego desamparada, Mas amanhã é dia de partida, Para mais lida, Para mais uma distância física e emocional, Com desejo de jogar uma rede acima do céu para colher felicidade, Ansiando logo voltar para casa, Juntar minha solidão com a sua, O melhor afrodisíaco para quem quer continuar vivendo e gerando uma nova vida, Tão solitária como a nossa.

sábado, 13 de janeiro de 2024

PHYSALAN

Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

We are brothers in splendor, Why don’t we get our hands and our love together in the open-air nights?, Where we all dwell, Where my co-sisters are like water in your land, With tearful eyes deprived of the twinkling of hanging lamps, Blinded by our Sapiranga peepers, Since the invisible is not unreal, It is just the real unseen, Marvel with me your great joy, Read my light and my two companions, Unveil my mother, Her smallness, So generous to her offsprings, Encouraging me to confess to you, Like your moon that hides one of its sides eternally, My dearest son keeps his fieriest edge always turned towards me, The other two within my reach, Same as Venus and Mars are to your arms, And my other four can surprise you with their burning frosts, My flora rejects the threshold of the universe, While yours repels and is coated with the exuberance of emeralds, Our beech sleeps in violet under a bluish-purple sky, And your flora dawns in topaz looking out an ultra dazzling horizon, Our lives are the same illuminated stages, Living in the same black backgrounds in the pilasters of the proscenium arches.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

ÚLTIMA MENSAGEM PARA DEIRDRE ULTRAMARI

Texto de autoria de AustMath Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Querida Deirdre, Teu súbito e recente passamento serenou meu espírito, Por mais cruel e ignóbil que possa parecer este sentimento, Dizia minha avó espanhola que o pouco leva ao desespero, O muito à calma, Só espero que a efusão da saudade não me afete, Como fazem os ricos com os pobres para não serem importunados, E de todo aplaque-se à sucessão de meus dias sem você, Embora não acredite em vida após a morte, Falo com você como se você me ouvisse, Porque você sempre teve o outro lado como certo, Tamanha era sua fé, Não duvido pela mera quizila de descomprazer, Mas porque sempre ambicionei somente certezas científicas, Então te puxo para mim do montículo de terra sobre o último lugar para nos guardar, Sem sabermos onde estar, Cubro-me de suas lembranças, Estas me mergulham em devaneios, Quimeras, E bolinhas de sabão, A ponto de desejar que você possa ter projetado sua consciência para fora do corpo antes dele falecer, E que sua mente vaga por ai, Sem massa encefálica, Sem hora para se recolher, Recebendo e despachando pensamentos, É utópico, Você sabe, Uti non abuti, Porque me conheceu bem, Sempre me quis melhor ainda, E não quero que uma única nota de minha alegria se cale por sua triste partida, Você se decepcionaria muito comigo se eu o permitisse, Se você estiver verdadeiramente me captando, Deve estar de mãos nos quadris, Menos zangada do que surpresa, Você já sabe que não vou mais publicar meus livros, Você havia me convencido, Assenti, Dolorosa e profundamente áulico, Confesso, Por você enquanto viva, Mas não fiz nenhum juramento pelo resto de nossas vidas e que está sendo quebrado pelas suas costas, Nada mudou, Tudo continuará como sempre quis, Postagens nas redes sociais e nada mais, Não consigo conceber a fealdade de palavras solitárias, Só os gênios da literatura as fazem ganhar vida e beleza na companhia de leitores compulsivos, De mentes cultas, Não consigo apreciar o que escrevo sem o meu triunvirato, Esta minha trindade que insiste em colocar em harmonia a alta expressão do pensamento, A arte e ciência de combinar os sons de modo agradável à minha audição, E a representação gráfica, Fotográfica e plástica, Do ser e do objeto, Somente os três juntos alimentam meu espírito, Algo comparável somente à sua voz artística, De cortar a alma, Emprestada às minhas várias palestras performance que demandavam mais do que um personagem, E às vezes até cinco deles, Como em Contexto Para Uma Parábola, Dois dos quais femininos, Duas mulheres interpretadas brilhantemente por você, Com distintos e difíceis tons de falas, Ambas com diferentes sotaques semíticos, E mais ainda, Você elevava suas partes do texto às alturas rarefeitas em que costumava abonar-se, Para sensibilizar o público, Especialmente o masculino, Exprimindo a parte emocional e intuitiva da mulher, Por oposição à suposta parte intelectual do homem, E uma das homenagens que lhe faço aqui, É postar as duas músicas que você escolheu para sua participação em nossa apresentação, Iskanderia de Natacha Atlas quando é a Herodiana quem fala, E Waiting de Sheila Chandra, Quando é a vez de Maria Madalena, Você já sabe também que minha fase de palestras, Tanto as acadêmicas, Como as de performance, Terminaram, E decidi publicá-las no meu livro Um Bazar Chamado Pescoço de Cavalo, Exceto algumas, Como aquela chamada Gravidade. Porque achei-a pedante e presunçosa, Mesmo tendo ela caído no seu gosto, Mas se você continua de cara feia, Te pergunto: Que importância tenho eu para explicar aos outros o que escrevo e como? Nenhuma! Sou tão insignificante como Maravilhas Explicadas, Quem se interessa por esclarecimentos de um pretenso escritor amador? Nem mesmo eu, Um rude fariseu, Tenho interesse em ler e buscar explicações para as crônicas dos melhores colunistas do jornal O Estado de São Paulo, O melhor da América Latina, Que leio desde criança, Contudo, Mesmo a contragosto, E relutante, Você aquiesceu ao pequeno texto reescrito com o mesmo nome, Gravidade, Meu último que você leu pouco antes de seu adeus sem aviso-prévio no dia 02/03/2016, E apesar de ainda preferir a transcrição da palestra na íntegra no meu livro, Você teve a bondade de me felicitar pela minha fidelidade, Sem nenhuma concessão, À minha triádica escrita, As ideias nascidas do intelecto, Impulsionado pela alma, Nutrida por música e também pela intuição em busca de uma ilustração para materializar o conjunto, Nunca as músicas, Nem as ilustrações serviram de simples decorações de textos, Elas nunca se fizeram presentes por capricho e acaso, A música é e sempre será  a alma do intelecto e a imagem seus olhos, Se onde você se encontra lhe foi preservado o dom da reminiscência, Recordará que na palestra Gravidade foram poucos os que entenderam como o conto Além do Portão nasceu de uma interpretação da música Bylar pela alma, E ofereceu ocasião e uma demanda natural para se elaborar um contexto para tal interpretação, E eu decidi explorar as Experiências De Quase-Morte que aprendi com os vários livros de Kenneth Ring, Fui longe demais sobre algo que jamais saberemos, Ou talvez eu esteja errado e você possa já estar sabendo de tudo, Especulei sobre o que acontece com aqueles que decidem não voltar de um coma, Deixando o mundo real sem provas, Apenas com um cadáver, E não se esqueça que quase ninguém se empolgou com minha ingênua pretensão de um Grand Finale, Aquele último e longo parágrafo de duas páginas de livro, Escrito em português galego do século 14, E que me tomou três meses de leituras da época, Neste momento, Posso até ler seu pensamento retrucando: E o texto Abaixo do Décimo Nível? Todos que o leram jamais perceberam que foi escrito no ritmo de Águas de Março de Tom Jobim, E os presentes na palestra tampouco o entenderam apesar de minhas cuidadosas e prudentes elucidações, Você se lembra de alguém ter perguntado o significado de Abaixo do Décimo Nível? Como convencê-los de que há centenas de degraus na escada de nossa consciência, Desde o alerta total até a morte? Como fazê-los entender que, Na preparação para uma cirurgia, A anestesia geral faz nossa consciência descer somente até o décimo degrau, E abaixo dele há um verdadeiro universo de informações e experiências onde, Possivelmente, Reside parte do conhecimento absoluto que o cosmos nos concede de graça? Discutimos muito sobre isso, E certamente você não esqueceu da catarse da palestra, porque Gravidade foi escolhida como título, E porque a palestra foi ilustrada com a foto daquela mulher sem rosto, Parecendo um mar engolido pelos céus, Uma ilha sumida nos mares, Destilando mistérios, Curiosidades pelo elementar e absurdo, Sabe, Deirdre, As pessoas só têm tempo para sobreviver, E fora disso, Só querem o que o império romano oferecia ao povo: Panis e circenses, Só que o entretenimento dos romanos nada tinha a ver com a cultura de uma civilização esclarecida e inteligente como a Ateniense, Os gregos visavam conquistar o saber, E os romanos apenas o poder, Todos nós sempre soubemos que somos uma ínfima parte do todo, Mesmo assim queremos ser lembrados por alguma coisa, Queremos fazer algo que fez diferença no mundo, Algo que mudou a vida das pessoas para melhor, Mas não somos nada, Por isso deixo o que escrevo, Que nada tem de valor, Nestas chamadas redes sociais, Para ser esquecido, E não lembrado, Apenas para me convencer de que passei por este mundo, Nada importante, Simplesmente para certificar-me de que existi aqui uma única vez, Só isso, Gravidade foi escrita para explicar o que não interessa a ninguém, Explorando uma das três tríades que chamo de olhos da alma, Aquelas imagens que me desafiam a escrever sobre elas, Sem querer saber o que seus criadores pretendiam nos transmitir com suas artes e os nomes que lhes foram dadas, E Gravidade foi uma das raras imagens que minha alma não conseguiu atinar, E precisei, Pela primeira vez, Entrar em contato com a artista, Uma Argentina, E pedir a ela para me descrever o significado da foto, Inclusive a razão de seu nome, Foi um desafio para mim e para o público que continuou a ver navios, Mas, Em compensação, Tive o enorme prazer de compartilhar com você o que inferi das generosas elucubrações que ganhei da artista: Não preciso ver seu rosto, Porque em você não há nada de assustador e misterioso, Há quem sinta a gravidade caindo, Nos levando para casa, Subindo e vendo estrelas colidindo, Para saber de onde viemos, Há quem pense nas lembranças esquecidas de uma mulher que acredita que você um dia já foi, Até quem note os nítidos detalhes de seus sapatos, E ainda os ouve como moedas a tilintar, Te vejo como  reflexo da composição de um artista, Vejo você evocar e recriar uma atmosfera livre, Um desígnio singular que te define, Uma cintilação suave, Incerta e fina, Que bruxuleia incolor e sozinha, Indo de um puro rio a uma opaca névoa, Ainda não desfeita do sol nascido, Criando a ilusão de um ser desaparecendo no ar rarefeito, Uma ninfa etérea e real, Atraída pela gravidade sem peso, Flutuando em direção a uma luz que se acende em mim, Ao final, Deirdre, Ficou muito melhor a redução de quase duas horas de falação inútil a alguns minutos de leitura, Se bem que quase ninguém lê, Mas nada me deu mais satisfação do que reviver algumas das várias ilustrações que me inspiraram escritos, A mulher espectral que caminha solitária na escuridão de um casarão abandonado, Mas que precisa de uma lamparina para se guiar, Porquanto só quem vive precisa de luz, A jovem que derrama uma lágrima de terror perante o horror, E que para mim se afigura como o feminino santificado que abençoa e enfrenta o medo, A outra que não sorri e foi fotografada num momento de acidez, Mais uma outra que fita o vazio infinito, Sem nenhuma esperança, Por algo que perdeu para sempre, E, Por último, Aquela que esbanja charme, Numa fria indagação, Dissimulando seu interesse do porquê, Na madrugada do dia seguinte à sua morte, Enquanto seu corpo aguardava a dissolução em poeira, Pensamentos vários tramitavam em minha mente, Todos voltados para você, À luz brilhante das estrelas, E refleti: Delas viemos, Para elas voltamos, E por que não sonhar que estamos viajando entre elas, Prócion, A cintilação de uma lâmpada suspensa, Castor e Pólux, Os padroeiros de nossas aventuras pelo espaço, Nossos fogos de Santelmo, E para mim a única Helena que você sempre foi, Minha Betelgeuse, O braço de minha guerreira, Do centro regulador de minha psique, Rígel, O seu pé de algo maior, Não se exaspere com este meu cansativo palavreado, Gastei toda esta saliva para lhe dedicar um poema, Sonhos Com Estrelas, Que gostaria que você lesse, Mas não se perturbe, Jamais serei um cão Meara se lamuriando sobre o corpo de seu dono Arcturo, Não me lembrarei de você somente na data de seu aniversário, Como Vega e Altair, Vivendo em lados opostos da abóboda celeste, E com permissão de se encontrarem somente uma vez por ano, Nunca fizemos nenhum pacto, Daqueles que quem morrer primeiro volta para avisar o outro, Nunca fizemos promessas, Portanto, Deirdre, Resta-me te dizer, Não te prometer, Que por você, Doravante vou tentar transformar meus pálidos debuxos de morte-cores em aves-do-paraíso.

São Paulo, 01/10/2016

Minha Canção para Deirdre


Canção de Deirdre para a Herodiana

Canção de Deirdre para Maria Madalena