sábado, 4 de maio de 2024

ALÉM DOS 70

Texto de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Se antes não era tão feliz, E isso desconhecia, Tinha nas mãos o maior bem entre os terrenos, E agora que ajusto as contas com a natureza, Sou o imortal sonho da alma exilada, Da alma repatriada, A tempo e a hora, Eternidade atrasada e adiada, Agora tenho no coração o maior bem entre os celestiais, Sou índia abolida pelos brancos, De volta ao meu habitat natural, Procuro pelas Marias, Do Egito, De Betânia, E de Megadan, Conto-lhes meu desejo apenas idealizado, Convenço-as de que já havia sido realizado, Minha liberdade torna-se verdade, À vista de um deus nórdico, Falto de austeridade, Farto de meu talento, De minha recompensa de frutos do solo, Fruta tomate, Falto de leguminosidade, Degustada com o sal da terra, Insípida sem ele, Me faz luz do mundo, Derramada em dilúvio sobre a noite, Subindo os dias, Descendo em sois, Difundindo as fronteiras vivas e mortas de minha felicidade, Propagandista altruísta, Em bons princípios, Boas ideias, Bons conhecimentos, Criança saindo debaixo da saia da mulher sem o convívio dos homens para se consagrar a Deus, Paciente recebendo baixa da terapeuta, Leniente com minhas infantilidades, Plena de senso de humor, Afasta-me de Hugo de Grénoble, Afasta-me da minha falação infanto-juvenil, Da velhice e da enfermidade, Retroage-me à jovem saudável, Graças à Santa Lilian, À Santa Milagre, À Santa Regina, E toda alegria e louvor que saltitam ao redor de vocês, Minhas maiores, Com preferência ao silêncio de vossas realizações, À conservação de seus monumentos, Vós sois Pedra-lipes, As salsas águas do mar, Curam feridas, E Lúcias, E a mim, Apenas uma delas, Não a mais bela, Só a mais contente das que em todas as estações dos anos recebiam pousadas nas vindimas de vossas vidas.


AO ETERNO E INFINITO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98


Trem que parte de estação escondida numa deformação do espaço e do tempo de um arrabalde de alta densidade. Estação naturalmente conhecida por todos seus confinantes. No seu bojo carrega gente. Somente vidas risonhas e fugidias, vidas em movimento, que se sentem encontradas e preferem apenas partir sem atinar para o  destino. Já têm todo alento e sabem o que o amanhã trará. Lentas e ruidosas, rodas trotam pelos trilhos. O professor sem formação começa a recortar as imagens que entram pela janela. A psicóloga sem diploma é arquitetada na mente de uma marginalizada, lendo cartas de tarô em casa e farejando novos clientes na igreja. Em cada vagão todos se conhecem e são amigos. Todos precisam de pouco amor para atenuar uma dor que não têm. Uma única mulher sofisticada até agora se sente incomodada no meio de tantas pessoas, apesar da classe única ser espaçosa, confortável e quase privativa. Em cada estação todos se confraternizam e se dispersam. Todos já passaram por lá muitas vezes. Nenhum é especial e nenhum se detêm,   o movimento importa. De estação em estação entram e saem e se saúdam. Da mente da marginalizada as vidas apenas saem e se constroem nas fantasias de uma contadora de histórias de assombrações e nas revelações políticas e veladas do colecionador de recortes de jornal. Vem-lhe à mente sua impressionante e derradeira conversa com a única confidente que se impregnou em sua memória de forma indelével e traz-lhe recorrentes lembranças da última vez que ela falou-lhe tanto sobre segredos encontrados nos sonhos, numa situação semelhante àquela vivida na penúltima conversa, e ambas caracterizadas por palavras opostas àquelas que um censor emprega para depreciar os humildes anseios alheios: coerência com o conteúdo básico do conhecimento absoluto e ocorrências simultâneas sem relação causal, mas com o mesmo significado; muito mais que sonâmbulas: verdadeiras projeções astrais; oníricas, mas impessoais; tão lógicas quanto o conceito de desordem no universo e tão constantes como a insensata busca por um significado para a vida. E ao contrário da maneira de conceber e realizar atribuída pelo desagregador aos que se movem pela felicidade, as verdades que nessa penúltima estação se comprimiam intensamente como num ovo cósmico eclodiram quando a marginalizada pretendia dizer coisas feitas para não enganar, mas que fazem com que todos se sintam enganados. No entanto, estarão enganados para sempre aqueles que nunca se empenharem em compreender a querença desta explosão, que não forja um limite, segue em frente, até o fim da linha que não existe, e se dissolve com a vida que ilude.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

HISTORICIDADE EM FILMES: O NOME DO PODER ABSOLUTO


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98
Clique no link abaixo do texto e leia-o ao som da trilha sonora do filme

Embora seja um filme de ficção, O Nome da Rosa, uma adaptação do livro homônimo de Umberto Eco, contém uma rica historicidade que raríssimas pessoas percebem. Se você ainda não o viu ou se já o viu mais de uma vez, vai aqui uma dica. Assista a este filme novamente, mas com outros olhos e ouvidos. Deixe de lado as tradicionais resenhas de críticos cinematográficos de jornais e revistas e disponíveis em sites na internet. Esqueça também a complicada questão semiótica que envolve o título. Tente ir mais fundo na história. Enquanto você se diverte com o roteiro policial no estilo Sherlock Holmes, você pode também exercitar sua mente. Que tal, por exemplo, fazer uma abordagem filosófica para entender porque as pessoas agiam daquela maneira naquele tempo (século XIV)? Para começar, um bom exercício é procurar entender porque a igreja preocupava-se tanto em proteger o nome de Aristóteles.

Uma das questões centrais do filme refere-se ao monopólio do saber pela igreja que receava ter seu poder e influência social, política e econômica ameaçados e, para defender-se, bloqueava o acesso ao conhecimento e restringia o seu desenvolvimento, aplicando-lhe sua concepção de um universo estático e de uma ordem hierárquica imutável. Você vai constatar esta noção quando um monge beneditino, ao dar como solucionadas as mortes misteriosas que foram atribuídas a ação demoníaca de três pessoas acusadas de heresia (o ecônomo, seu ajudante e uma camponesa), anuncia, numa cerimônia noturna que precede a execução dos supostos hereges, a volta da normalidade, que para ele é a preservação do conhecimento e não a busca do mesmo, pois não existe progresso na história do conhecimento, mas meramente uma contínua e sublime recapitulação. Este conceito do clero está ligado à filosofia aristotélica que serviu para fundamentar os dogmas cristãos no início da alta idade média e, como se supunha que houvesse outras obras de Aristóteles que pudessem contrariar os preceitos da igreja, esta impedia qualquer contato com aquilo que ela chamava de conhecimentos inconvenientes contidos em tais obras e, consequentemente, se apoderava das mesmas. O frei franciscano, William, personagem central, já estava habituado com certas ideias retrógradas da igreja e, antes de encontrar o livro 2 de poética de Aristóteles, que é um elemento fictício no enredo, acabou por descobrir a biblioteca do mosteiro, ficando fascinado com seu tamanho e acervo, a maior da cristandade nas suas palavras, levando-o a fazer os seguintes comentários para o noviço Adso: Ninguém deveria ser proibido de consultar esses livros. Eles contêm uma sabedoria diferente da nossa e ideias que nos fariam colocar em dúvida a infalibilidade da palavra de Deus. É significativo, inclusive, o filme mostrar esta imensa biblioteca, pois confirma o fato historicamente conhecido de que, desde o século IX, os mais abundantes recursos disponíveis da época convergiam para a instituição monástica, levando-a aos postos avançados do progresso cultural. Para acumular tal acervo, a igreja valeu-se de apropriações indébitas e aquisições na base de doações espontâneas em abundância, encargos e tributos diversos em troca de proteção espiritual. Com essa concentração de riqueza, a igreja teve meios de obter e manter um patrimônio cultural vasto que lhe permitiu se impor como a única educadora formal. Para a igreja, o domínio do conhecimento informal poderia induzir o homem a desmistificar as crenças dogmáticas cristãs e colocar em dúvida esta infalibilidade da palavra de deus tal qual a igreja a apresentava ao mundo. A necessidade de supressão ao acesso do conhecimento produzido por grandes pensadores ao longo de séculos é mostrada logo no início do filme, de uma forma um tanto ameaçadora, quando, na eminência de ocorrer a segunda morte misteriosa, um monge noviço é visto, com sobreposição de imagem do monge Venerável Jorge, lendo uma escritura do clero com estas palavras: Na sabedoria há tristeza e quanto mais conhecimento se obtém mais tristeza advém.

E o que há de errado nesta concepção de Aristóteles que a igreja precisa esconder? Na verdade, nada! Ocorre que o filme sugere que Aristóteles teria escrito um segundo livro de Poética, mas totalmente voltado à comédia. Seria um livro que faz rir muito. Esta é outra grande ameaça à igreja e atinge o seu principal instrumento de influência, a inabalável fé que dispensa a razão, contagiada de orgulho e soberba, na opinião de um dos seniores do mosteiro, e incita uma inaceitável quebra da regra beneditina de ascetismo oriental, disciplina, retidão, virtuosismo, obediência e reverência a Deus, exemplo absoluto de tudo o que há de bom e sábio, a verdadeira perfeição que o homem deve buscar. Para os beneditinos, o simples riso já era uma quebra desta regra de conduta (é proibido rir), e isto está diretamente relacionado com o conceito de Deus como o criador divino, e com a igreja como seu representante na terra, e ambos deveriam levar a cabo suas missões com caras fechadas. Para a igreja, se Deus fosse desrespeitado, ela seria ridicularizada e correria o risco de ter seu domínio sobre os homens enfraquecido, pois, sendo ela o preposto de Deus no mundo, ela cairia em descrédito se o seu representado, a igreja cristã, deixasse de ser necessário. Esta associação entre o riso como violação de regra de conduta e ameaça à imagem de Deus, assim definida pela igreja, pode ser apreendida com clareza num trecho do filme no qual o frei William descobre que o livro cômico de Aristóteles existe e está em poder do Venerável Jorge, o beneditino que segue à risca as normas de conduta de sua ordem e que, por isso, não admite o riso em hipótese nenhuma, dando margem ao seguinte diálogo:

- Tantos livros falam de comédia, por que esse lhe causa medo?
- Porque é de Aristóteles!
- Mas o que há de tão alarmante no riso?
- O riso mata o temor e sem temor não pode haver fé. Se não se teme o demônio, Deus deixa de ser necessário. Se todos os homens rirem de Deus o mundo cairá no caos.

A igreja cristã assentou o seu modelo filosófico religioso nas ideias de Aristóteles e, consequentemente, não poderia admitir a existência de um livro de Aristóteles sobre comédia que faz rir e viola as regras da rígida moral beneditina. Lembre-se o que o Venerável Jorge sentencia numa discussão com o frei William na oficina de escrita: Um monge deve manter silêncio, não deve falar sobre seus pensamentos até que seja questionado. Não deve rir, pois para isso existe o bobo que levanta a voz em risos. No entanto, no decorrer do filme, fica evidente que o diálogo acima referido reflete uma preocupação muito mais profunda: não é apenas a regra beneditina que pode ser quebrada com o riso, mas é também o próprio poder da igreja no seu todo que pode ser abalado, pois a igreja governa as mentes com base na instituição da fé que dispensa explicação e demonstração, bastando-se pela sua autoridade que é inquestionável, e impondo-se pelo medo. Se o homem deixa de ter medo, do demônio ou de Deus, a igreja torna-se desnecessária e Deus também. Muito bem. Você deve estar se perguntando: mas o que é este conceito aristotélico de ‘ordem hierárquica imutável’ no modelo filosófico religioso da igreja cristã? Então aqui vai uma explicação bem prática. Suponhamos que eu faça parte do clero do século XIV. Nada me falta, tenho mordomias e não preciso trabalhar para o meu sustento. Você faz parte da maioria pobre, trabalha 16 horas por dia para sustentar a aristocracia ou o clero ou ambos e sobrevive das sobras de seus patrões. Um dia você vem a mim e pede-me para deixá-lo entrar para o clero e eu lhe respondo. Isso é inadmissível. Deus criou alguns para representá-lo na terra e guiar os demais que foram colocados no mundo para servir e obedecer. Se você nasceu como um camponês, você deve ser um camponês até o fim de sua vida. Se Deus quis que eu fosse um líder religioso, devo conformar-me com minha incumbência até o dia de minha morte. Se um de nós fizer qualquer mudança, estará transgredindo a lei de Deus e pagará caro no dia do juízo final, entende? Sim, você entende tanto quanto aquela camponesa que satisfazia os prazeres sexuais do ecônomo do mosteiro em troca de um rico alimento que era privilégio só dos monges, e teve que seguir vivendo, sempre servindo, se vendendo e se humilhando, sem sonhos e sem futuro. Mesmo que eu não pertencesse à minoria clerical, eu lhe daria a mesma resposta prática se eu tivesse a sorte de ter nascido como filho de outra minoria, a aristocracia, que andava de mãos dadas com o clero. Eu poderia ser o Adso do filme. Ele é filho do abastardo Barão de Melk. Somente os ricos podiam propiciar algum tipo de educação aos seus filhos e somente a igreja tinha autorização para educar. O Barão de Melk confiou seu filho, Adso, à ordem franciscana, e frei William foi indicado para seu tutor.

Preste atenção no cenário do filme, lembrando que o ano é 1327 e.c. É fácil perceber o modo de produção de bens agrícolas vigente. A estrutura desta produção é típica da fase em que o feudalismo já está com suas bases estabelecidas, e isso pode ser visto em uma das cenas em que vários camponeses formam fila para pagar tributos com alimentos tirados de sua produção agrícola. Para entender melhor, vamos lembrar o que era a ordem beneditina. Ela foi fundada por Bento de Nursia no limiar do século VI e era a difusão, no Ocidente, das normas de ascetismo oriental concebido por Santo Antão no Egito, no chamado movimento dos anacoretas, que fugiam das cidades para o deserto em busca de isolamento e profunda contemplação e oração como meio de salvação. Para ambos, Ocidente e Oriente, aquele era um momento terrível, de guerras, de carestia, de epidemias e de exploração agravada das massas trabalhadoras sobre as quais recaia o maior peso da crise resultante da decadência e cisão do antigo império romano. A regra de Bento acrescentava à oração e à contemplação o lema reze e trabalhe. Dentro desta regra, o trabalho devia ocupar o dobro do tempo reservado à oração e a comunidade devia ser autossuficiente e não se basear demasiadamente nas contribuições dos ricos que visavam condicioná-la. Assim, a produção agrícola, que havia descido a um nível bastante baixo, acabou até mesmo sendo melhorada pelos beneditinos com seus novos métodos de cultivo dos campos, promovendo, inclusive, a melhoria das condições econômicas do Ocidente. Com o decorrer dos séculos, os mosteiros beneditinos transformaram-se em castelos feudais, com seus servos de gleba que não eram tratados melhor que os outros até que a corrupção monástica se desenvolveu e atingiu um ponto intolerável, imitando o regime feudal externo, e exigindo uma reforma imediata, que se chamou Clunisiana, de Cluny, o francês que a idealizou. Tal reforma que, entre outras mudanças, abolia também a produção agrícola interna, sustentava que o ideal de suficiência deveria ser mantido, com a diferença que o abastecimento cabia às explorações satélites dispersas no campo, em torno das muralhas dos mosteiros. O mosteiro que você vê no filme é estruturado nos moldes da reforma Clunisiana quando já não havia mais produção agrícola interna e o abastecimento de alimentos é obtido à custa dos camponeses que, como é dito no filme, receberão 100 vezes mais no céu aquilo que deram na terra (dos espertos beneditinos, é claro).

O filme inteiro é rodado num único cenário: o interior do mosteiro. Outro bom exercício é identificar algumas das várias unidades monásticas e as funções exercidas pelos moradores do mosteiro que o filme descreve com perfeição, só com imagens, e que são corroboradas pela excelente coletânea de livros chamada A História da Vida Privada, e que revelam uma interessante associação entre conceitos dogmáticos, a estrutura orgânica, hierárquica e funcional dos mosteiros e a relação interna de poder. No feudalismo, as casas dos senhores da aristocracia eram concebidas a partir de representações imaginárias da morada perfeita, a partir do paraíso, da morada dos eleitos do outro mundo. Os senhores do feudo imaginavam o paraíso cristão como uma morada abundantemente povoada, exultante, a casa perfeita, como um paraíso resplandecente, preparado para as felicidades da vida. Os mosteiros beneditinos eram como réplicas, na terra, da morada paradisíaca, e pretendiam ser sua projeção neste mundo, apresentando-se como cidades fechadas com muros, em primeiro lugar, um claustro, cujo acesso deveria ser estritamente controlado, uma porta única, aberta ou fechada em certas horas como as portas das cidades e, a importância maior de uma função, a hotelaria, governando toda a relação entre o interno e o externo. Os mosteiros eram, em primeiro lugar, casas, cada uma abrigando sua família, das mais perfeitas e ordenadas. O modelo beneditino guardava uma vontade de correspondência estreita com as harmonias universais. A nave da igreja é o ponto de articulação entre a terra e o céu; neste lugar operar-se uma ligação com o paraíso, quando a comunidade ali se une para cumprir a função maior, cantar os louvores de deus no uníssono coro litúrgico; a residência fraterna fica ao sul do espaço litúrgico com as seguintes disposições: o pátio, o celeiro, as reservas de alimento, a cozinha, a padaria, o refeitório com depósito para roupas acima, a sala, ladeada pelos banhos e latrinas e encimada por um dormitório que se comunica com a igreja. Contígua a esta morada, estendem-se anexos de oficinas de artesanato (que antes da reforma Clunisiana continha também anexos para a produção agrícola e granja), jardins, estrebarias, estábulos e as cabanas dos servidores domésticos. Mais tarde, a reforma Clunisiana eliminaria quase todos os anexos contíguos, mantendo apenas a estrebaria. Ao norte, para além da igreja, ficava o alojamento do abade, uma casa munida de sua própria cozinha, seu próprio celeiro e banhos próprios; com a reforma, o abade foi reconduzido para o meio dos monges. A nordeste, os excluídos temporariamente da comunidade fraterna, os doentes e os noviços, são isolados em uma outra morada, também autônoma, mas dividida em dois, o local destinado às purgações e às sangrias (este é fácil identificar). Finalmente, perto da porta, a noroeste, os estrangeiros são albergados em duas casas providas do mesmo equipamento completo: uma que acolhe visitantes e estudantes externos que não fazem parte da família, e outra reservada aos pobres e peregrinos. Vê-se que tal organização pretende refletir as estreitas hierarquias da corte celeste. No centro está o lugar de Deus, o santuário; à direita está o lugar do abade, o pai da família; à esquerda esta a parentela: os filhos, os irmãos, os monges, homólogos de anjos. No ponto mais distante da porta, fissura aberta para o mundo corrompido, estão isolados os inválidos, os jovens noviços, crianças, velhos e os mortos (o cemitério fica neste lugar); este ponto é a parte mais vulnerável da comunidade e, em razão de sua fraqueza, fica afastada, mas também protegida pela destra divina, pois nesta mesma direita ficam os lugares destinados às funções espirituais, a escola e a oficina de escrita, enquanto o material, o que sustenta o corpo, é relegado à esquerda de Deus. As  sepulturas estão dispostas na direção do leste, do lado da aurora, símbolo da ressurreição, e para o oeste, do lado do poente, da perversidade do século, permanecem encerradas as pessoas de passagem. A reforma Clunisiana da metade do seculo XI, conforme explicado no parágrafo anterior, trouxe mudanças com relação à produção agrícola interna, legada aos camponeses habitantes da cidade, e com relação ao lugar do abade. A partir dai, vê-se mais intensificado o fornecimento de peças de vestuário por parte do burgo estabelecido à porta (comunidade de comerciantes, de artesãos e de servidores assalariados), pois a comunidade começava a utilizar mais o instrumento monetário. Assim, o mosteiro, no seio de sua clausura, tornava-se mais homogêneo, uma só morada. O abade é o senhor, mas é assistido por um corpo constituído de seniores a quem os jovens monges estão subordinados. Os chefes de serviço são o prior, espécie de vice senhor, abaixo do qual estão o sacristão que cuida da igreja, dos acessórios litúrgicos e de todos os instrumentos sagrados, o camareiro, responsável pelo dinheiro, que não cessou de crescer nos séculos XI e XII, e tudo que entra no mosteiro por doação, tributo e compras (tecidos, vinho, metais preciosos), o ecônomo, que dorme no celeiro, também chamado de senhor do celeiro, responsável por todos os víveres, repartindo a cada dia as porções de alimento com a ajuda do zelador de vinho, do encarregado de cereais e água e pelo condestável responsável pela cavalaria do mosteiro, o hospedeiro e o capelão que dividem o quarto oficio que são as relações com pessoas do exterior menos puras e que se mantém abaixo da dignidade monástica e a distribuição dos excedentes entre os indigentes: lembra-se da cena na qual o frei William diz: lá vai mais uma doação da igreja aos pobres? O âmbito privado, reforçado onde habitavam os senhores, o núcleo da família, a fraternidade agrupada atrás de seu pai, dividia-se em quatro grupos acantonados em quatro abrigos distintos: o noviciado, a enfermaria, o cemitério e o claustro. Esse último abrigo pretendia mostrar a imagem daquilo que devia ser na terra uma vida perfeita, e por isso empenhava-se em aproximar-se das ordenações do mundo celeste, isto é a ordenação dos quatros elementos do universo visível: ar, fogo, água, terra, no espaço interno, o pátio inferior chamado claustro, forma introvertida da praça pública, inteiramente voltada para o privado.

Como você viu ou reviu, o que move a trama do filme são as mortes misteriosas dentro do mosteiro e, com exceção das investigações sherloquianas do frei William, o que se ouve o tempo todo são várias interpretações místicas para encontrar a razão para tais mortes, comentários típicos da igreja que está toda impregnada da noção de Deus como criador do mundo numa forma organizada e hierarquizada e voltada para o bem, e tudo que contraria esta ordem vem da ação do demônio, o símbolo do mal. No filme, as mortes em sequencia são atribuídas a um fenômeno sobrenatural específico: o demônio que resolveu habitar o mosteiro. Para os monges, a causa desses crimes não poderia ser atribuída a outro senão a ele, o demônio, por que tais tragédias no seio de uma comunidade governada por aquele que representa o bem absoluto não poderia ser obra de homens comuns, mas somente daquele que se opõe ao bem, ou seja, o anticristo. Os monges acreditavam na ação do demônio, incluindo-se entre eles até mesmo os franciscanos em visita ao mosteiro. Observe-se que os franciscanos eram menos ascéticos e rígidos do que os beneditinos no que diz respeito às normas de conduta e à condição humana de cristo, no entanto, como se  percebe no filme, até um líder espiritual dos franciscanos, perseguido pela inquisição católica como um herege, faz uso de especulações místicas e apocalípticas para explicar as referidas mortes, o que assusta o noviço Adso, apesar das constantes explicações racionais de seu tutor, o frei franciscano William, adepto do pensamento grego antigo, especialmente o de Aristóteles, e que, ao contrário dos seus irmãos de todas as ordens cristãs, só recorre a Aristóteles para por em prática a sua lógica, de forma coerente para, assim, provar que as mortes são apenas simples atos comuns de homens comuns. Tudo não passa de um suicídio e vários assassinatos por causa de um único livro que ri do mundo como o homem ri de si mesmo.

O frei William conhecia a verdade dos fatos e a revelou a todos os seus irmãos cristãos. Mas a verdade não lhe pertencia. Ela já tinha dono: um organismo jurídico da igreja que completava a humanística trindade: a santa inquisição como o espírito santo entre o pai (a igreja) e o filho (todos os pobres). Mesmo nos nossos dias, a igreja católica e seus seguidores ainda mal conseguem explicar a relação entre o pai e o espírito santo. No século XIV, a igreja e seus escravos que a sustentavam também não sabiam, ao certo, até onde ia o poder da santa inquisição em relação ao papa no vaticano. O que mais se sabia a respeito deste organismo brilhantemente presidido no filme por Bernardo Gui, é que ele exercia todos os poderes concebíveis: legislar em causa própria, julgar inocentes coerciva e arbitrariamente e executá-los sumariamente.

Você deve ter reparado no arsenal de instrumentos de tortura que a delegação da santa inquisição levava para onde ela era chamada para investigar. Mas você não faz ideia da criatividade desta santa no desenvolvimento de certos instrumentos e métodos com um requinte de crueldade que faria inveja aos romanos. Acrescento aqui um destes instrumentos não mostrado no filme que tinha função tripla: torturar, matar e intimidar quem  desafiasse seu poder. Na Espanha, minha tataravó testemunhou a ação de um exército da santa inquisição entrando em seu vilarejo e arrancando de uma das casas uma jovem suspeita de bruxaria. Ela foi completamente despida e montada sobre um cavalo de ferro oco e repleto de brasas incandescentes por dentro. Ela desfilou montada naquele cavalo por toda a vila até morrer, enquanto todo o povoado se trancafiava em suas casas e espreitava assustado pelas frestas das janelas. Este exemplo é uma herança romana aperfeiçoada pelo cristianismo que, afinal de contas, começou na antiga Roma e, em apenas três séculos, se tornou a religião oficial do império romano. Quando este caiu, a igreja católica tomou seu lugar central e todas as suas colônias, tornando-se um novo império em si, mais poderoso, mais extenso e muito mais duradouro. Ele começou pequeno como Roma, uma cidade-estado que se expandiu, se tornou uma república, rompeu suas fronteiras, conquistou outros povos e se transformou no maior império da história da humanidade. Todos os que desafiavam o poder de Roma eram crucificados em público para servir de exemplo. O cristianismo aprendeu muito com os romanos e atingiu o auge do exercício de seu poder absoluto com a instauração da santa inquisição. Assim como o império romano acabou, o cristianismo acabará também. Sua desintegração teve início na Europa no século XVIII, com o surgimento do Iluminismo e as primeiras análises científicas dos textos dos evangelhos, e sua extinção completa deverá ocorrer em menos de um século. Ele será substituído por outro poder que eu não estarei aqui para ver.

ANÁLISE LITERÁRIA ESTRUTURALISTA


 

MENSAGEIROS DA ENGANAÇÃO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Meu amigo Zen, espero que você não se importe de chamá-lo de brother depois de seus 14 anos de afastamento, rompendo uma amizade de 20 anos. Somente no último dia 12 de Setembro de 2014 descobri, por acaso, na internet, que você morreu no dia 16 de Fevereiro deste ano. Acho que não foram poucas nem simples as razões que o levaram a se afastar, e. creio, que conheço algumas delas, mas somente você pode dizer quais foram os verdadeiros motivos. Na última vez que tivemos um encontro formal, na minha casa, por ocasião de minha festa de bodas de prata com minha ex-esposa em Abril de 2000, você estava muito bem, depois de ter se curado do alcoolismo. Estava magro, esbelto, elegante, só tomava refrigerante e vestia roupas incrementadas, próprias do gosto que temos em comum: calça jeans, camiseta preta e um colete descolado. Mas naquele dia eu já desconfiava que você estava de partida, pois isolou-se no quintal da casa e mal pude conversar com você. Talvez você não se sentisse à vontade sem a presença de  meu ex-irmão, seu amigo antes de me conhecer. Como você deve ter sabido, através da minha ex-família que me lançou no mercado da parentela como astro do mau-caratismo, dois anos mais tarde minha vida deu uma guinada de 360 graus. Divorciei-me e logo em seguida casei com a Cecília. Moramos um ano em Belo Horizonte, lá tivemos a Ana Carolina, e em Outubro de 2003 voltamos para São Paulo. No primeiro semestre de 2004, eu passeava com a Cecília e a Ana no Shopping Center Norte e, de repente, topei com você e a Fátima numa casa de sucos. Ao nos abraçarmos, pela primeira vez você deixou de ser espontâneo e proferiu uma frase rebuscada:
'Ah, o Alceu é uma pessoa que não dá para esquecer.'
Mas você tinha me esquecido e eu não estava chateado com isso. No entanto, você me surpreendeu com sua resposta à minha pergunta sobre como andava sua saúde:
'Alceu, nunca imaginei que depressão fosse assim tão terrível. Nunca imaginei que um dia ficaria semanas deitado numa cama, sem tomar banho, sem trocar de roupa, sem escovar os dentes, e fazendo um esforço hercúleo para poder ir ao banheiro.'
Na hora lembrei-me do dia em que sua mãe morreu. Você estava indignado com minha falta de consideração por não ter ido nem ao velório e nem ao enterro. Você perguntou ao meu ex-irmão:
'Por que o Alceu não veio?'
Ocorre, fratello, que naqueles dias minha  depressão, que nasceu e vai morrer comigo, tinha atingido o auge do sofrimento humano, a dor da alma, e como você eu estava deitado num sofá havia muitos dias, sem chuveiro, sem creme dental, com o mesmo pijama encardido, comendo e engordando como um porco, e me arrastando para chegar ao vaso sanitário. Nunca te contei isso porque você não iria acreditar e, como você, eu também não gostava de me justificar. Como sempre fiz, não por mera formalidade, mas por afeição mesmo, anotei num papel meu novo endereço e meu novo telefone e fiquei esperando você aparecer em casa, como nos velhos tempos. Mas eu sabia que nunca mais o veria. Para falar a verdade, não sentia saudades de você. Só falta de nossos encontros aos sábados, desde o meio da tarde até além da meia-noite, vendo vídeos e ouvindo rock britânico, jogando conversa fora e bebendo todas: vodca, uísque e cerveja, e é por isso que a maior parte dos nossos papos acabavam na lata de lixo. Obviamente, se estou escrevendo sobre você e para você é porque sua morte  deixou-me, no mínimo, triste, e porque quero prestar-lhe uma homenagem em agradecimento por você ter me concedido o privilégio de sua amizade por duas décadas. Mas não espere de mim a falsidade das pessoas que costumam elogiar à exaustão uma pessoa só quando ela morre. Sei que você teve uma juventude traumática e que nunca gostou de falar sobre isso. Foi meu ex-irmão quem me disse que quando você fazia nosso antigo científico do ensino médio no GEPEF em Jaçanã, onde também estudei, você já tinha nobres ideais e se engajou no movimento estudantil contra a ditadura militar. Você foi detido, interrogado, liberado, mas perseguido e vigiado durante dez anos. Todas as manhãs quando você saía para trabalhar, sempre havia um homem do outro lado da calçada te observando. E às vezes até dentro do ônibus que você tomava. E quando voltava para casa lá estava do outro lado calçada outro homem de olho em você. Foi também meu ex-irmão quem me disse que você queria ser médico. Tentou o vestibular três anos seguidos, mas não conseguiu passar. Talvez tenhamos perdido um grande médico, mas ganhamos um extraordinário jornalista. Eu também queria ser jornalista como você, mas desisti por medo e covardia. Tinha receio de enfrentar um vestibular com provas de ciências exatas, matemática, física e química. Então, simplesmente escolhi um vestibular que tivesse ciências humanas com maior peso nas notas. Fiz faculdade de Cultura, Língua e Literatura Americana e Britânica e depois Administração de Empresas na PUCSP, a mesma onde você fez jornalismo. Daí que ao final dos anos 70 estamos formados e trabalhando e vamos nos conhecer através de meu ex-irmão. Durante nosso primeiro encontro eu estava obcecado com minhas pesquisas sobre discos voadores e torrei seu saco por mais de uma hora contando histórias sobre os misteriosos UFOs. Qualquer pessoa teria evitado um chato como eu para sempre, mas você não o fez, e não sei porquê. Talvez porque você descobriu que tínhamos algo em comum, como você tinha com o meu ex-irmão: a música, mas  não qualquer uma: o rock, mas não qualquer um: o britânico e a Santíssima Trindade: o Pai (Beatles), o Filho (Rolling Stones) e o Espírito Santo (The Who). Apesar da relação de parentesco entre Pai e Filho, ninguém era cria de ninguém. Cada um inventou seu próprio estilo, e cada um de nós tinha sua banda favorita. Cada um de nós tinha seus problemas e suas carências. A sua percebi logo no início dos anos 80, quando você ainda trabalhava na prefeitura de São Paulo. Na tarde de um dia de semana você ligou da prefeitura para minha casa e eu atendi:
'Pô, Alceu, você esqueceu de mim? Não liga mais para mim? Não quer mais me ver? Vamos nos encontrar, pô!'
Você era solteiro e morava com seus pais e eu não tinha seus telefones. Quem os tinha era meu ex-irmão. Então te convidei para vir à minha casa no sábado, para a festa de aniversário de uma de minhas ex-filhas do meu primeiro casamento. Era uma festa só para crianças, mas você veio e juntos tomamos de tudo, menos refrigerante. Em descompensação, te flagelei como na paixão de cristo. Quantas vezes te obriguei a assistir ao mesmo vídeo do show do The Who de 1982? Perdi a conta. Não sei como você me aguentava. Meu ex-irmão contrabalançava as coisas e colocava vídeos de shows do Rolling Stones. Era divertido quando você me provocava.
'Alceu, o The Who é bom, mas os Stones são imbatíveis.'
Minha vantagem era ter o melhor baixista e o melhor baterista do mundo, a cozinha da banda e, para piorar, um compositor à altura de Lennon. Em nossos encontros nunca rolou música brasileira, mas sei que você gostava, e muito. Quando você pegava no violão, você tocava e cantava bem, sempre bossa nova, às vezes Jorge Ben Jor, e às vezes, radicalizava com músicas do ‘tremendão’. Você nunca se arriscava a tocar Beatles, Stones e The Who como eu. Às vezes você tinha acessos de loucura como, por exemplo, me dizer que a bossa nova foi a maior revolução na história da música no mundo. Toda pessoa super culta e inteligente como você tem um pouco de louco, embora exista por aí muita gente que é burra e doida ao mesmo tempo. Até meu pai sabia que foram os Beatles que revolucionaram e reinventaram a música e mudaram o mundo. Até o Pete, que ficou careta depois que criou a obra prima Tommy, surtou ao responder a uma pergunta sobre os Beatles: ‘Eles são iguais ao Herman Hermits’. E o repórter comentou: ‘Por favor, Pete, volte a beber e a se drogar’. Antes dos Moptops só havia Mozart, Beethoven, Bach e outros gênios da música clássica. E cá entre nós, bossa nova é música para boi dormir, para gente velha que pega no sono sentado jogando dominó. E nós não somos velhos? Já passamos dos 60! Mas este terquijo ainda tem dentro dele o mesmo jovem de 20 anos, rebelde, radical, ingênuo e cada vez que ele vai a Londres sempre traz novidades britânicas, novas bandas de rock formadas por garotos de 18 anos. Não sei que estado de espírito você levou consigo quando partiu, mas sei o que você deixou: um competente trabalho editorial no jornal da TV Bandeirantes: uma verdadeira revolução no telejornalismo esportivo quando você assumiu o comando do programa Vitória na TV Cultura e colocou somente nosso rock como música de fundo, algo que a Rede Globo copiou de você e usou no programa Esporte Espetacular como se fosse ideia original dela. E não foi por isso que você recusou um convite para trabalhar para ela, mas porque você a achava hipócrita e manipuladora da opinião pública. Mesmo assim, quando o Serginho Grossman veio lhe pedir um conselho sobre se deveria aceitar ou não um convite para trocar o SBT pela Plim-Plim, você, percebendo nos olhos dele o alto salário que lhe fora oferecido, simplesmente respondeu:
'Vá em frente, Sérgio, faça o que lhe dá prazer!'
Como esquecer as vezes em que você me dizia:
'Alceu, no próximo domingo vou abrir o programa Vitória com a primeira faixa do álbum Tommy do The Who, especialmente para você?'
Como esquecer o dia que você fez um programa especial sobre Eric Clapton em visita ao Brasil e enviou a equipe da Cultura à casa de meu ex-irmão para nos entrevistar na condição de fãs deste grande músico britânico. Como esquecer a entrevista histórica que você fez com o Pelé quando ele completou 50 anos? Quantas pessoas sabem (ou fingem não saber) que a revista Veja, nos seus áureos tempos, lhe concedeu o prêmio de melhor tele jornalista e produtor pelo seu trabalho original e inteligente? E só eu conheci a sua dignidade e integridade quando pediu demissão da ESPN Brasil porque lhe pediram para bater de porta em porta nas empresas para encontrar patrocinadores para seu programa.
‘Olha aqui, José Trajano, este não é meu trabalho, não é minha função, sou jornalista, por isso estou caindo fora. Isto vai ser bom para mim e para você também’.
Nunca fui inteligente, mas também tinha meus acessos de loucura. Certa vez, quando elogiei demais a banda britânica Cocteau Twins, de quem tenho o repertório completo, você me gozou:
‘Por que você não divide uma quitinete com eles?’
Que é isso, companheiro? Eles criaram seu próprio estilo, mesclando psicodelismo com sons celestiais e rock áspero, nada comercial. Quer saber de uma coisa, pouquíssimos músicos são capazes de compor uma canção como Fifty-Fifty Clown, tão complexa para os amantes do poeta Jean Cocteau, como Strawberry Fields Forever de John Lennon foi para os Fab Four. Há outras reprovações suas que aceitei de bom grado. Nos anos 90 andei me envolvendo com espiritualistas e, como de costume, te aporrinhei mais uma vez, sempre sob seu olhar de desaprovação, e acrescentei que eles, pelo menos, faziam caridade, formando grupos todos os fins de semana para levar alimento e roupas aos moradores de rua.
‘E daí, Alceu?’
Bem daí que ao menos eles tinham a consciência tranquila.
‘Que consciência, Alceu’?
Então me toquei. E como seriam suas vidas noite adentro ao relento, e durante o dia inteiro sob sol escaldante, frio e chuva, sem nenhuma perspectiva, sem um lar? Percebi, então, que meu trabalho de entrar em favelas para fazer triagens de famílias que iriam receber cesta básica durante um ano era uma tremenda cretinice. Eu não dava peixe e nem ensinava a pescar. Era muito cômodo esperar que os pobres viessem a mim de longe para buscar uma cesta de alimentos. Eles voltariam para seus casebres de madeira e de chão de terra, sem banheiro, urinando e defecando nos fedorentos esgotos a céu aberto, enquanto eu voltaria para casa de carro, deitaria confortavelmente num sofá, e assistiria TV a cabo, petiscando e bebericando. Só para mim você contou histórias tão íntimas.
‘Alceu, eu fiz algo diferente há muito tempo, num pequeno convento de freiras católicas que deixavam o hábito de lado, vestiam jeans, tênis e camiseta, pegavam ônibus e iam de encontro aos pobres, não para lhes dar alimento e roupas, mas para ajudá-los a construir uma vida. Alceu, você precisa conhecer mais gente.’
E precisava mesmo. Estou falando de um Zen cristão? Não! Até onde sei você é ateu como eu e, além de falarmos de música, tínhamos altos papos sobre política, filosofia, sociologia, antropologia e até psicologia – sorry por meu descalabro, nunca esqueço quando você me disse que comeu sua terapeuta em cima da mesa dela.  E você não escondia sua simpatia pelo regime socialista dos soviéticos e cubanos.
‘O povo não deveria gastar dinheiro com saúde, educação, habitação, transporte e nem alimentação. Isso é obrigação do governo.’
E você tinha ojeriza aos imperadores americanos que estão a mais de um século à nossa frente, não só em tecnologia, mas também em moralidade. Mas é claro que eles não são santos. Ninguém é santo neste planeta, nem o papa, nem o rabino que afanava gravatas de grife em Miami, nem o Dalai Lama e nem Madre Tereza. Você chegou a ouvir falar de suas ‘noites escuras’ quando, já na velhice, ela colocou em dúvida a existência de Deus? Oras, dirá você, ser ateia não a transforma numa pessoa menos caridosa. E você sempre teve razão: um ateu é muito mais útil que um religioso. Seu talento é proporcional à sua modéstia. Você nunca falou de si mesmo para ninguém. E quando descobri, por acaso, que você tem uma página no Facebook, ao contrário de muita gente de TV, jornal e revista que se acha uma celebridade, você jamais postou o que você fez, o que faz e o que vai fazer, jamais escreveu sobre tudo que você realizou na sua carreira de grande sucesso, jamais postou onde você esteve e onde estará, jamais disse quem você é. Você nunca foi aparecido, nem materialista, nem ambicioso. Nunca se vendeu por dinheiro. E deixou o estrelismo contagioso das grandes emissoras para ganhar menos e trabalhar em emissoras desconhecidas, como a TVT, seu penúltimo emprego e, antes de morrer, o SESC onde você estava realizando um projeto de música instrumental brasileira. Lembra-se quando, numa de nossas bebedeiras, lhe perguntei: ‘Vamos escrever um livro em parceria?’ E você, com aquele sorriso de um canto da boca, retrucou:
‘Alceu, você precisa parar de beber.’
Não sei se você referia-se somente à minha presunção ou à sua humildade também. Escrever um livro é tão fácil como juntar letrinhas, como você dizia. Difícil é ter uma grande ideia como Ulisses de James Joyce, A Clockwork Orange de Anthony Burguess, 2001: A Space Odyssey de Arthur Clarke, 12 Monkeys, filme  inspirado no curta-metragem francês La jetée, de Chris Marker.   Enfim, o fato é que já escrevi alguns livros que serão condensados num só chamado EM ALGUM LUGAR NA ESPÓRA DE ÓRION. Um deles, chamado Vale Da Amoreira, é promissor. Inspirei-me numa de minhas experiências extrassensoriais, e reservei um lugar nele para você. O narrador diz que Tilly, personagem coadjuvante, conheceu você e ele lhe pôs o apelido de Mensageiro da Enganação. Isto não é uma crítica ou uma ofensa a você, mas apenas uma gozação, porque continuo sendo um gozador como você. Eu (e outras pessoas de meu convívio que você conheceu) achava engraçado o hábito que você adquiriu de marcar encontros, não comparecer e nem se justificar. Nunca  fiquei chateado com isso, apenas lamentava ter perdido mais uma oportunidade de desfrutar de sua boa companhia. A ideia para este apelido veio de um livro que li em inglês, chamado MESSENGERS OF DECEPTION, do cientista francês Jacques Vallée, com quem conversei na NASA nos EUA. Este livro foi mais tarde traduzido no Brasil com sua alcunha, MENSAGEIROS DA ENGANAÇÃO, e o achei apropriado para nós dois, porque somos todos ‘Deception Messengers’, ‘Midnight Ramblers’, mas não daqueles serial killers como os famosos ‘Boston Stranglers.’. Em todos os textos que escrevo sempre incluo uma música, porque, como você sabe, aquele grande filósofo que nós dois tanto admiramos escreveu que sem música a vida seria um erro. Por isso até hoje não entendo como os gregos da época clássica, do século de Péricles, escreviam coisas tão inteligentes sem poderem se inspirar nas músicas que temos hoje. Não é à toa que eles são considerados os mais inteligentes deste planeta, o berço de nossa civilização ocidental. Portanto, estou incluindo um vídeo de sua banda favorita, os Rolling Stones. A música que escolhi é de um show ao vivo quando eles estavam no auge no final de nossos gloriosos anos 60. Tenho certeza que você venderia sua alma ao diabo se ele pudesse te levar para assistir àquele show. Resolvi incluir uma outra música que você vai achar um pé no saco como a bossa nova é para mim. Ela não é muito boa, mas, enigmaticamente, ela traduziu meu estado de espírito enquanto escrevia este texto e me lembrava de nossos tempos juntos. Talvez ela seja apenas mais uma de minhas muitas carências. Mande um abraço aos nossos ídolos: os seus: Brian Jones e Jimi Hendrix; os meus Keith Moon e John Entwistle; e nossos unânimes: John Lennon e George Harrison. Até breve, se você ainda quiser voltar a ser meu amigo.
São Paulo, Setembro de 2014.


terça-feira, 30 de abril de 2024

FLUIDEZ

 

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)
 
 
 

Um envelope leve como fio de seda e folha de magnólia, borboleteia no ar, carregado de mensageiros da alma, cambalhotando ao sabor do vento inquieto que o ergue em beleza, e  descai-o numa rasante, rodopia dentro de uma caixa de correio e arremete, deslizando, estabanado, resvalando nas teias de pensamentos que encontra pelo caminho à deriva no céu de rosas, refletindo milhões de sóis, e um deles desce à superfície, abaixo d’água, como miragem da lua iluminando veredas, feito lanterna de fulgor azul tremulante, lá do alto mar até a praia, e aqui da nascente do riacho até o rio caudaloso, põe minha mente a flutuar correnteza abaixo, na companhia de um pássaro que não sabe nadar, desarmando todos os aforismos, rendendo-me ao vazio onde nada parece ser real, onde nada faz sentido, onde os movimentos e as emoções não têm a mesma forma, onde tudo é seguro e fluindo da paz, que do amanhã nada se sabe, que da morte não se morre, que minhas preciosas posses já não me consomem mais, ouço o pássaro cantar que sabe o que é ser impalpável, sentir-se como se desde sempre estivesse desencarnado, e ele me alça num voo que meu inconsciente jamais sonhou, me transcende, me transporta para fora do meu ser, de meu isolamento e da minha alienação, para um despertar de meu espírito, uma conexão mágica e em êxtase, transformando-me num habitué das odisseias astrais, põe minha busca no lugar certo, fico um pouco perplexo, mas arrebatado e verdadeiro, com minha vida pregressa despoluída e em contato com o centro regulador de meu universo interior, fervilhando estrelas mil a engastar-me dentro de incontáveis e longínquas galáxias, que de perto resplandecem meigas luzes de candeias, dando-me uma sensação de unidade indivisível, uma singular entidade cósmica, tornando-me mais autêntico e autoconfiante, ligando-me a algo que está muito além do que tenho sido, e é neste além que vai parar um envelope de fluidez



segunda-feira, 29 de abril de 2024

VOS DEMOISELLES

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


A Linda já tinha dado provas de que não era nada difícil convence-la a se entregar por inteira, Mas você levou uma semana toda fazendo planos para arrancar dela pouco mais que um beijo selinho que durou menos tempo que o ruído de um pulsar! 

Oh minha querida, Sempre tive meus longes de que, Mais dia, Menos dia, Uma viração do mar de acariciar o rosto doidejaria num dia ensolarado, Indiscreta arregaçando o lenço àquela formosa donzela que veio graciosamente ao meu encontro, De olhos dependurados e de ver, Conforme ajustado, E ensejou-me a limitar-me ao deleite de roubar um beijo àquela gérbera deslumbrante da cor do topázio! 

A outra de cor topázio, A Sílvia, De pavio curto com sua inatividade, Ainda lhe entregou de bandeja sua prima, Aquela morenaça, Sedenta por uma nova e melhor experiência, E você deixou-a na mão, Literalmente! 

Oh minha querida, Eu não poderia contemplar, Com nobres sentimentos, Mais do que as mãos da preciosa Sônia, Marcada por Deus com uma pinta singular que misturava beleza e mistério, Não de corpo, Mas de olho, Cravejado por um verdadeiro diamante, Uma Sírio que se erguia grandiosa no céu líquido das noites de verão, Acompanhada de esplendores, Ricamente adereçada em Órion, A estrela das estrelas, Deixando todas demais desoladas, E a mim ofuscado e fascinado por sua luz cinérea! 

Que maravilha, Querido! E o que dizer das duas Célias? Uma fria e fleumática como uma inglesa, A outra do tipo tuareguesa, Quanto mais amantes, Melhor a sua reputação, Ambas propícias a novas aventuras, E não duvido que com elas seria possível um ménage à trois, Como o trio que o Odilon formava com a tia e a sobrinha e que você dispensou! 

Oh minha querida, As divinas Célias, Mais do que um dobro, Um triunvirato fulguroso, O clarão de um farol que apanhou-me em cheio, Cegando-me momentaneamente, Levando-me ao sétimo céu, Num mês de setembro, Oh Célia, Anagrama de minha saudosa Alice, Que fazia o sol brilhar num dia chuvoso, Que fazia a primavera se adiantar num dia friorento! 

E que lembranças você acha que aquela carioquinha guardou de você sem você nunca tocá-la? 

Oh minha querida, A bela moreninha do Rio, Cujo nome 
era impronunciável de tão divino, Como falar e escrever o nome de Deus é proibido aos judeus, E cuja companhia naquela inesquecível viagem do centro ao extremo norte pareceu durar dias, Como uma  peregrinação da Galileia a Jerusalém na semana da Páscoa, Dando-me o privilégio de admirá-la como o Templo de Salomão, E por ter visto a Cidade Santa uma única vez já poderia morrer feliz, Sem precisar adentrar o Santo dos Santos! 

Oras, Meu querido beato, Aquela magrela de andar desengonçado, A Márcia, Te ensinou a beijar de verdade, E sua Deusa queria te abrir mais que os lábios, Mas você em nada contribuiu, E nem mesmo aceitou seu perdão por ela ter sido obrigada a lhe deixar uma única vez! 

Oh minha querida, A Márcia foi minha grande iniciação, Mas minha Deusa, Se quisesse, Poderia ter me ensinado outros rituais que habitam sua tentação, Mas ela preferiu preservar meu romantismo, Alimentou-me com palavras emblemáticas, E sua vivacidade feminina transformou-me num trovador, Estimulando-me a fazer declamações ao longo dos caminhos que trilhamos juntos! 


Oh como você é sentimental, Meu amor, Tantas jovens bonitas para um menino tão acanhadinho e tolinho! 


Oh minha querida, Não é preciso ser um matemático para fazer uma simples conta de somar, Não é necessário ser um pastor alemão para mostrar o sol a um homem cego, Não é preciso ser um predador para notar a teia de aranha que você tece, Olho para o céu e, Com clareza, Vejo o sol, A lua, As estrelas, Júpiter, Vênus e marte, Não é necessário um telescópio para você me amar!



sábado, 27 de abril de 2024

O JOGO DA EXISTÊNCIA E DA PROJEÇÃO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)




Faça uma só pessoa de seus atos e de sua consciência, Desligue-a, Nenhum poder consegue religar a corrente de suas ideias e dos seus acontecimentos, Isso é presença de espírito, Relaxe sua mente e flutue inconsciência abaixo, Isso ainda não é morrer, Afaste-se de todos os pensamentos e renda-se ao nada, Isso é resplandecer, Sinta a profundidade da essência abaixo do décimo nível da consciência, Essa é a verdadeira existência, Entenda que o amor é tudo e todos, Isso é sapiência, Descubra que a ignorância e o ódio podem chorar seus mortos, Isto é crença, Veja e ouça as cores de seus sonhos, Isso não é desemparo, Jogue o jogo da existência até o fim de seu começo, Não abandone-o pelo meio, Isso é se completar, Visite um zoológico humano do Nepal para ver como é um inferno astral, Isso é contenção de radicalismo, Invoque alienígenas por telepatia e seja transportado para a Palestina e o Himalaia, Isso é desafio ao conhecimento, Roube algumas coisas com sua invisibilidade noutra dimensão e você não consegue levar nada de volta para a sua, Isso é sua matéria perdendo sua materialidade, Visite um bem-amado morto refazendo-se e revivendo num hospital longe do mar, Isso é poder acreditar, Enfrente os demônios de igual para igual em seus redutos e receba a ameaça mortal de levar um aplique na sua coluna vertebral e escape com náuseas sem vender sua alma, Isso é desafiar dogmas, Desça de elevador do alto da montanha onde fala quem não deveria até o subterrâneo do futuro onde quem se espera falar repete suas perguntas, Isso é transcender, Descuide-se à beira do precipício e prove da morte que um dia chegará em queda livre, Isso é se libertar, Estenda sua mão direita suplicando salvação e receba uma esquerda banhada de sangue pelo prego, Isso é morrer por fora, Leve para seu sonho uma lembrança doentia do passado e agonize com o sofrimento no presente, Isso é morrer por dentro, Entre num teatro que não existe mais e veja a mão de um bebê na caixa de presente que lhe fora dada ser-lhe tomada para o ritual das cabras, Isso é revelação, Visite uma casa desconhecida onde nunca esteve e conte para sua moradora ausente, Isso é despertar, Visite o consultório de uma psicóloga e traga de volta seu paciente fugitivo que você não conheceu, Isto é comungar com o universo, Visite uma cidade no chão onde você nunca esteve e descubra o que há para se esconder, Isto é atender a um chamamento, Visite uma cidade acima do chão onde você nunca esteve e descubra que nada há para se esconder, Isto é pedir para ser chamado, Ouça alguém que morreu muito cedo dizer que estaria morto sete anos mais tarde, Isto é não se conformar, Saia de um auditório através da porta de uma igreja e assista uma imitação artística criar algo inédito para você, Isto é mágica no ar, Entre num casarão através do tempo e veja um verdadeiro artista lhe antecipar algo inédito para o mundo, Isto é mágica na sua mão, Ouça a melhor música de sua autoria ser tocada por quatros instrumentos com apenas um par de mãos, Isto é ir além da idealização, Saia de uma batalha sangrenta pela porta do fundo e entre numa trégua celestial pela porta da frente, Isto é se perdoar, Pergunte a uma galinha porque ela se frita para servir de alimento ao seu galo por amor, Isto é para meditar antes de morrer, Dê aos seus sonhos continuidade de um seriado e descubra que tudo está ao alcance de sua vontade, Isto é se superar, Seja um cientista, Seja um artista, Seja um sonhador, Seja um anarquista, Isso é ser deus.


segunda-feira, 22 de abril de 2024

ENCARNAÇÃO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)
Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Adiemus, Adiemus!
Aproximem-se todos
Vocês que são da Itália e de Portugal
Querem filhos franceses ou brasileiros?
Abram os olhos porque vocês já estão no paraíso
Abençoada seja esta terra que vos acolheu


Adiemus, Adiemus!
Entrem numa casa de espanhola sem a filha saber
Perguntem às mães, às avós e aos seus cães vivos e mortos
Querem ilusionismos houdinianos ou cândidas adivinhações?
Mantenham os olhos fechados porque vocês estão dentro de um sonho
Abençoado seja este sono que vos repousa


Adiemus, Adiemus!
Ousem intrometer-se num enterro da aristocracia negra em Paris
Peçam para deportar vosso caixão do velho para o novo mundo
Querem filhos submissos ou libertos?
Abram os olhos porque a escravidão foi abolida
Abençoada seja esta miscigenação que vos contemplou 


Adiemus, Adiemus!
Pasmem com o veludo púrpuro que forra todas as paredes
Digam adeus às aulas de balé e língua estrangeira
Querem filhos de reis ou de trabalhadores?
Fechem os olhos para os que vos deserdaram 
Abençoados sejam os que a vós se irmanaram


Adiemus, Adiemus!
Cantem com mãos erguidas ao céu
Façam estalar todas as castanholas das ciganas espanholas
Querem dançar flamenco e baião ao mesmo tempo?
Abram os olhos para o verde exuberante
Abençoado seja o amarelo de nossas bandeiras 


Adiemus, Adiemus!
Deixem os céus tempestuosos
Venham para os solos férteis
Seus filhos são todos estrangeiros
Embarquem nos mesmos navios negreiros
E aportem na água, na terra e no fogo prometido aos mortais


domingo, 21 de abril de 2024

PURPLE HAZE

s
                                                                                           Texto de autoria de AustMathr com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.

I'm calisthenic, You're my Lucy in the Sky with Diamonds, My heroin, My tight leash has been released, Freed rein to my imagination, My social phobia and my shyness gone without a shrink, Now I inhale your purple haze, And mix it with mine, I reject all types of dilutions and overflow the canvas where you, Painter, Try to cloister me together with other nuances, I can make you a tameless beast, Make you travel to the next high, Cross the rabble that surrounds you, Bordered by flowering ins and outs, Jaunty on the wings of ferraginous kaleidoscope eyes, That's my gleaming yellow, That rapes your white corolla, Intensifies your crimson, Sharpens your dark red tending to violet, Blinds you like a flow of metal in fusion, All your heliotropes of fading suns, I can make you me ill, For you my nose stretches out, My hump doubles up, My belly swells up, My clothes multicolor, My utterance shakes and screeches, For you I'm a fake hero, With all the flashy braggadocio behaviour and senseless acts of a fool, Crafty and snaky, With no dignity, I can be your clown in the midst of any loneliness, Any multitude.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

STONED MEDLEY

Texto de autoria de AustMathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche);

Minhas ideias e pensamentos ocorrem ao acaso, Agem com indiferença e descaso, São muito convenientes e vêm a propósito, Elas referem a minha mente ao achado e à perda do meu juízo, Um desacerto infeliz, Com tremendo azar, Li o jornal hoje, Meu amor, Uma mulher morreu por um bala perdida no Rio, Embora a notícia fosse tão triste, Tive que sorrir, Meu amor, Antes ela do que uma embrionária democracia, Esta porra é como uma joia perdida, Uma carta extraviada, Humanidade pervertida, Gente viciada, Amizade destruída, Como um navio irrecuperável, Tudo sem esperança, Demência terminal, Aquela mulher era extremamente apaixonada por baladas, Navegava aflita pela internet, Num lugar distante, Privada de fortuna, Doía-lhe fundo a perda de seu marido, Doía-lhe fundo a falta de um macho ou fêmea, Era como extravio de documentos e dinheiro, Como aniquilamento de vida e matéria, Deixando de ganhar uma batalha, Um jogo, Uma oportunidade, Foi danação da alma, Seu credor sofre prejuízos em consequência da concreta diminuição do patrimônio dela, Pela cessação de lucros que os dois deviam ter recebido, Vi a foto de outra mulher no jornal hoje, Meu amor, Ela teve o corpo violentado até a morte, Ela não percebeu que o homem era um psicopata, Muita gente a conhecia, Mas ninguém tinha certeza se ela era esposa de algum juiz do STJ, Diligenciava inutilmente eleger-se senadora, Aos 40 anos, Diante da desolação paterna, Provocada pela orfandade, Procurava o suicídio, Com o que podia amealhar podia empreender a montagem de seu próprio negócio, Suas pupilas negras, Mortas e vivas na perdição, Pareciam pássaros dentirrostros exercitando as asas para voar, Você viu a insana fantasia dessa mulher, De arriscar-se num mar com vela e remo? De experimentar quatro roscas num parafuso e nenhum servir? É o coisa-à-toa quem instiga as boas almas para o mal, As felicidades oferecidas por ele não deveriam causar desejo à mulher, O tinhoso procurou seduzir o mitológico Jesus, Mas ele instaurou uma desautorizada ação de despejo do tinhoso em pleno deserto, O que ocorreu com aquela mulher foi uma medida da flutuação dos resultados das medidas iteradas de uma grandeza realizada por um processo isento de vício, Afinal, Quem se presta a indicar a conexão entre diversas corrupções, Porque estão presentes em mais de uma e são de natureza tal que seria improvável que diferentes corruptores pudessem nelas incorrer independentemente? Eles são excêntricos sistêmicos existentes nas graduações, Como nos círculos astronômicos, Por não serem coincidentes os centros dos círculos e das suas graduações, Eles são uma aproximação modular de diferença entre o limite de uma corrupção e o valor que se aceita para corromper, Assisti a um filme hoje, Meu amor, O governo brasileiro acabara de se moralizar, Muita gente deixou a sala do cinema, Mas eu precisava ver até o fim, Porque já tinha lido o livro, Como eu gosto de te deixar turned in, Meu amor!, O que aconteceu com aquela mulher foi um deslize que se comete num cálculo aproximado quando se efetua um arredondamento, Pois no julgamento de uma hipótese estatística, Ela rejeitou a hipótese por sendo ela verdadeira, Portanto, De primeira gravidade, Hoje acordei às cinco da matina, Meu amor, Me arrastei até o banheiro, Desci para queimar um pacau, Era cedo demais para curtir sozinho, Voltei logo para a cama, Mas você ainda roncava, Então tomei um azulzinho maravilha, Fiz um 5 contra 1, Você resmungou alguma coisa, Fiz a cobra cuspir e dormi novamente, O que ocorreu com aquela mulher foi que, No julgamento de uma hipótese estatística, Ela rejeitou a hipótese por sendo ela falsa, Portanto, De segunda gravidade, Pense na média dos valores absolutos de um conjunto de erros acidentais, Num desvio padrão de um conjunto de erros acidentais, Vou ver o noticiário hoje à noite, Meu amor, Haverá trilhões desviados dos cofres públicos, E embora será incalculável a quantidade de notas, Eles contarão uma por uma, Então eles saberão quanto mais dinheiro será necessário para exaurir a nação, Quando isto está presente numa corrupção mas não em outra, Se permite reconhece-las como independentes, Decorre de um vício num processo de medida, Não tendo, Por isso, Caráter aleatório, É constante, Pode ser um engano cometido pela mídia na abordagem original, Pode ser um piolho, Jamais vou cair no erro de te deixar turned off, Meu amor.