terça-feira, 11 de abril de 2023

OH! COMO?

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)



Hoje a vi com maquiagem em excesso, Cabelos pintados de verde e presos por muitas varetas multicoloridas, E ainda desbotadas, Cobertos  com um boné impossível, Tudo denunciando um gosto brega que não lhe combina,

Oh! Boné impossível? Como?

Não sei explicar, Nunca cobriu a cabeça nem com lenço, E a expressão de seu rosto não era propriamente de alegria ou exaltação, Mas de alienação mental, Ela fincou os olhos na ponta do nariz, Atarantando todos os sentimentos externos,

Oh! Olhos fincados na ponta do nariz? Como?

Não sei explicar, Tentei chamar sua atenção, Mas não ligou para mim, Estava é ocupada dando uma bola, baforando colunas salomônicas de fumaça,

Oh! Dando uma bola? Como?

Não sei explicar, Sempre foi extrovertida, Barulhenta, Gostou de cantar, De conversar pelos cafés, De passear entre o lobo e o cão nas ruas desertas, Mas agora está exagerando e se perdendo,

Oh! Entre o lobo e o cão? Como?

Não sei explicar,Ela sempre acordou cedo em dia de fazer, Nunca deixou de cumprir o dever, Já agora, Não sei mais, Está saindo da cama só depois das onze, 

Oh! Dia de fazer? Como?

Não sei explicar, Ela não diferencia mais a segunda do domingo, Leva a vida na base de semanas furadas todos os meses, Cansei de lhe pedir para largar os vícios e voltar à vida, Mas não adianta,

Oh! Semanas furadas? Como?

Não sei explicar, A verdade é que não a quero mais, E não vim aqui só para te contar, Vim também para tentar fazer um pé de alferes a você, Porque sempre gostei mais de você do que dela,

Oh! Pé de alferes? Como?

Não sei explicar, Quero dizer, Colorir nossa amizade, Sem compromisso, Por uns tempos, Juntar meu momento temporal com seu momento iluminado, Como num casamento de raposa, Que tal?

Oh! Casamento de raposa? Como?

Ei, Não tenha medo, Não sou do tipo de raposa querendo tomar conta de seu galinheiro, Não quero bagunçar sua vida como minha ex bagunçou a dela própria, Quero apenas experimentar, E se for importante para você, Podemos pensar em algo mais estável, Quem sabe um romance passageiro possa acabar indo das baixadas aos firmes, Depois dos firmes aos platôs, E, finalmente, dos platôs aos cimos serranos,

Oh! Aos firmes? Como?

Casando com você, E se você não quiser casar, Podemos simplesmente sair por aí sem destino, Casando somente a frieza de suas mesmas perguntas com seu frio de serra no mês dos frios que haverá pelo caminho,

Oh! Mês dos frios? Como?

Não sei explicar, Mas garanto-lhe que não são carnes em conservas ou defumadas, Vamos nessa, Minha inglesa fleumática? Ou seria minha  alemã sisuda e pensadora? Ou minha holandesa empreendedora e paciente? Ou será que vou me surpreender com uma espanhola ousada, Exaltada nas paixões, Ambiciosa  e aventureira?

Oh! Como? Que dom tenho eu de viver-te por tantas feições estrangeiradas e falar-te por tantas expressões desusadas?



JARDINEIRAS E PLANTADORES

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.


Quando eu era jovem plantei três flores, Uma de cada vez, Uma de força nobre, Outra oriunda de uma cidade italiana, E uma última reveladora da verdadeira imagem de sua mãe, E a palavra mãe aqui é apenas uma força de expressão para realçar a parte mais fina e bela de uma planta, No entanto nunca soube como tratar bem de um jardim, Mesmo sem jamais deixar faltar-lhe adubo, Água e sol, E tendo, Ainda, Uma fiel jardineira indiferente a uma pintura de natureza morta, À celebridade de um vegetal raro, A um ornato qualquer capaz de dotar uma flor de mais beleza que sua própria, A um livro sobre seu oficio e seus ossos, Apenas as mãos calejadas de dedicação sobre estas lindezas, E eu, Ingenuamente, Sempre achei que elas pudessem ter sentimentos, Sempre tentei falar com elas, Como aqui nossa alma com o universo conversa e o homem compreende, Sempre esperei que elas me respondessem, E como é triste o silêncio delas, Qual rochedos imóveis e mudos aos brados das ondas, E, Como determina a lei natural, Sempre pensei que elas morressem antes dos humanos, Como o sol que morre na tarde e a natureza torna-se um poema santo, Mas, Hoje, Creio que possa ter errado, Como enganam as aparências, Pois muito moço fiquei doente, E minhas formosuras parecem ter enfermado com minha moléstia contagiosa, Falta de amor não sei se foi, Mas sei que as estremecia, Que talvez adoecia de sabe-las doentias, Apesar deste infortúnio, Continuei esforçando-me para preservar meu quintal fértil em três culturas variadas, Meus encantos cresceram e tornaram-se mais independentes e, Em pouco tempo, desabrocharam suas pétalas bonitas e delicadas, Tão frágeis a ponto de recear tocá-las, E machucá-las, De tão sensíveis, Medos sempre tive, Mas este se impregnou em mim quando percebi que minhas flores murchavam com minha aproximação, Talvez por eu ser um simples plantador, E não um jardineiro, E muito sofri com isso, Muito sonhei sentir de perto as agradáveis fragrâncias que elas exalavam, Então, Chegou uma época que, Com o agravamento do meu mal, Me vi forçado a partir, A afastar-me de meu jardim, Mas minha fiel jardineira lá permaneceu, Cuidando dele, E muito saudoso no meu exílio, Não podia mais prover água e sol às minhas flores, Mas, Na medida do possível, Sempre enviava-lhes fertilizantes, E no meu ostracismo involuntário, Gastava minhas madrugadas, Não a folgar por bares, Mas a refletir sobre a sensibilidade das flores, E em minhas horas de monólogos sublimes, Na companhia de lembranças penosas, Buscava consolação que as atenuassem, Atravessando as noites remoendo arrependimentos, E, Estranhamente, Enquanto meditava, À distância tinha um pressentimento de que minhas flores já não pesavam minha ausência, E desconheciam o amor que sempre tive por elas, Porque sempre amei tudo nelas, O coração, A beleza, A mocidade, A inocência e até o nome, E assim como agora escrevo como bálsamo para minha dor, Resolvi, No meu cativeiro, Plantar outra flor, Num pequeno canteiro, Que se desenvolveu além do meu controle, Como um pé de mostarda, E hoje, Ainda mais enfermo, Preciso de tantos cuidados quanto ela, E o pouco que restou de mim, Fica para ela, Um pouco de excremento animal, Água da chuva, E raios de sol que brilha contra nossa vontade, Mas quando durmo meu sono, Calmo e profundo como deveria, E não eterno como desejoso, Oro, Fervoroso, A todos os santos, Pelas minhas primeiras flores, Mas meus antigos sonhos dourados transformam-se em amargos pesadelos, E minha antiga vida, Um cântico de amor, Transformou-se numa triste toada, Visto que chegaram a todos meus sentidos a notícia de que minha morte foi anunciada no meu antigo jardim, E assim comecei a admitir que, Talvez, As flores consigam imaginar um ser humano morto antes delas, E Quem recebeu notícias de minha morte antes da hora, Não sabe que estou vivo, E eu também não sei se estão vivos ou mortos todos os que estão dentro e fora de meu antigo jardim, Então passei a crer que, De fato, Um ser humano pode morrer antes de uma flor, Pois já morri para minhas primeiras flores, Mas não para esta nova que plantei na minha expatriação, Que ainda vai crescer e tornar-se formosa como as outras, Porquanto sempre adorei flores, Para cercar-me de responsabilidade e zelo por um ser, Racional ou irracional, É por isso que plantei flores, É por isso que escrevo um livro de memórias no qual todos os personagens têm nomes de flores, As que já que morreram, Assim como já morri para as primas flores que semeei, Exceto para esta recente, Distante da flor de sua idade, E para quem provi uma jardineira fiel, E meu sonho agora é ensinar esta única flor, Que me vê vivo, E que transportei para um pequeno vaso, A ter afetos, A dialogar, A se deixar tocar, E até a amar como os humanos, E tentarei, Na medida que a natureza permitir, Não morrer antes dela emancipar-se, transformar-se em beleza e formosura, Dizem que todo mundo já foi uma flor pelo menos uma vez, Dizem também que já fui uma flor plantada num jardim, Que tive todos os devidos cuidados, E que não atinei para o desvelo de meu fiel jardineiro, Talvez porque, Sendo uma flor, Eu não tivesse afeto, E que não vi meu fiel jardineiro viver, E que, Mesmo sendo uma flor, Sabia que ele deixou de existir, E isso deve ser uma prova que a flor intui, Tem afeição, Mas não sabe se expressar aos humanos, Sei que jardineiros e jardineiras são sempre fieis, Dedicados e carinhosos, E que um plantador é mais dado ao trabalho braçal, Por isso, Anseio ser, Um dia, Um fiel jardineiro que rega uma flor com amor, Ou então voltar a ser uma flor para melhor entende-la e compartilhar minhas percepções com todas do gênero, Se minhas primeiras flores tivessem a mesma suscetibilidade, A mesma estima, Mesmo sendo um mero plantador convalescente, Elas saberiam que a felicidade brota de todos os reinos, Mineral, Vegetal e animal, Em solos e em tempos férteis e inférteis, Assim, Para a esta nova flor, Quero aprender a ser um jardineiro, E chorar da ingenuidade de achar que todas as flores, Todos os plantadores e todas as jardineiras podem conviver num mesmo jardim, Chorar da ingenuidade de pensar que todos precisam ficar sabendo quando morre uma flor, Do quanto se devota uma jardineira, O quanto trabalha e sofre um plantador.



It is the evening of the day
I sit and watch the children play
Smiling faces I can see but not for me
I sit and watch as tears go by

My riches can't buy everything
I want to hear the children sing
All I hear is the sound of rain falling on the ground
I sit and watch as tears go by

It is the evening of the day
I sit and watch the children play
Doin' things I used to do they think are new
I sit and watch as tears go by