segunda-feira, 26 de junho de 2023

O DUPLO


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche) 



Corpo esburgado, Desvestido de seu estofo de coloridos mimosos, Agora o latim da decadência, Livre de baixos e abomináveis estratagemas e sofismas, Enquanto vivo, Abrigou um espírito contra as perfídias e tempestades do mundo, Preservou sua verdadeira cor, Um amarelo vivo, E dele são conservadas sua individualidade e sua personalidade, E com ele seus restos mortais não irão se perder perambulando a esmo, Comendo detritos, Bebendo água suja, Antes, Seu duplo se alimentará apenas de seu dourado sopro vital de luz, A alma de seu coração não mais visitará seu morto decomposto, Mas, Antes, Verá a si mesma,  Como o espectro majestoso de Amon, Que brilha dentro e fora dela, Seu coração imaterial será poupado para que sua consciência possa ser julgada, E mais que isso, Seu bom caráter estará sempre intimamente ligado à sua alma e ao centro da sua vida pensante e incorpórea, Através da qual se revelaram as manifestações das suas virtudes e de seus vícios, Tipificados pela sua ciência, Sua sombra jamais será extinta para que ela possa abrir caminho para o Grande Deus, E mais do que isso, Ela ganhará a beleza de sua tonalidade, Se juntará ao arco da aliança com 0 Grande Deus no céu, Eternizará o princípio de sua existência, E seu nome não será mantido para a posteridade para que todos se lembrem de você, Porque, ao contrário do que todos pensam, O nome é o que menos importa, Ao Grande Deus interessa somente sua real matiz, Contemplada apenas por aqueles que realmente te conheceram e te amaram, E agora que você vai empreender a grande viagem, Poderão surgir em seu caminho muitos daqueles que sempre assombraram seus sonhos, Portanto não tenha medo do Duplo Leão Deus, Nem do Duplo Manancial do Grande Rio, Porquanto não há ninguém no mundo que não tenha cometido iniquidade, Roubado, Violentado, Assassinado Homem e Mulher, Proferido Falsidades, Matado Animais, Fraudado, Saqueado, Se Intrometido Em Conversas Alheias Para Provocar Discórdia, Fofocado, Dado Vazão À Cólera Sem Causa, Cobiçado A Mulher Do Próximo, Pecado Contra A Pureza, Despertado Medo Nos Outros, Violado Templos Sagrados, Se Feito Surdo Às Palavras Da Justiça E da Verdade, Provocado Guerras, Feito Um Ser Humano Chorar, Agido Com Vingança, Feito Julgamentos Precipitados, Amaldiçoado O Grande Deus E Os Homens, Aligeirado O Alqueire, Falado Em Demasia, Envenenado A Água, Se Ensoberbado, Buscado Distinções, Aumentado Sua Riqueza, E quando você se encontrar com o Grande Deus, Ele colocará de um lado da balança todas os pecados atribuídos a você, E do outro sua nuança, Então ele verá que sua cor é veraz. Dirá que aqui você é bem-aventurado. E com Ele você estará para sempre, E mesmo que você pense nunca ter visto o Grande Deus em vida, Ele sempre esteve com você, Pois você sempre esteve sob Seu teto, Com todas aquelas luzes brancas que cobrem o firmamento, Juntam-se num único feixe, Projetam-se para o prisma de sua mente, Se decompõem em várias colorações, E com a sua cor única e indivisível formam um verdadeiro duplo, Você e o Universo, E embora você tenha muitos amigos imaginários, De júbilos, De doutrina, De labuta, De populaça, De linhagem, De diuturnidade, Nas horas difíceis e na derrota, Estará ao seu lado somente o Grande Deus de muitas moradas.






quarta-feira, 21 de junho de 2023

VESTIDA DE MODÉSTIA



Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

A lua dona da noite, O sol do dia, A terra de sua vida, O ar da respiração murmurada, Para os ventos gerais reinarem, Renderem-se à doidice de seus sopros, Feito bando solto de demônios travessos e brincalhões, As nuvens carregadas não tomadas por Juno, Para Zeus brandir o raio com que troveja, Num relâmpago sobre dezoito chuvas, De muitas primaveras por viver, Sobre meus outonos avançados, Cobertos com o branco e vermelho de minha antiguidade, Sob seu pleno viço, De olhos negros, De alma da cor do mar profundo em tempo límpido, Despe-se do amor-próprio, Qual árvore das folhas, Qual névoa rompida pela luz da manhã, Toda veste-se de desapego e suficiência, E caminha para o universo, Para uma festa à fantasia de buracos negros, Com sua aura luminosa de horizonte de eventos como único adereço, Tocando nos infinitos astros de meia-claridade que lhe guarnecem o espaço, E de espaço, Ouve-se notas longínquas de uma melodia que escapa-lhe de boa mente, A cantarolar palavras no interior de uma simplicidade singular, Vedada ao mundo, Ocupado com a loucura de suas importâncias, Feito solitário preso em anjo desenxabido e macambúzio. 


sexta-feira, 16 de junho de 2023

DYNASTICAL TERRAFORMERS - ALGO JÁ ESTÁ ACONTECENDO


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



São Paulo. 1961. Josefina dirigi-se ao Grupo Escolar Expedicionário Brasileiro. Mesmo com todo seu catedraticismo, ela está agitadíssima. A professora de sua filha, Claudia, de apenas 7 anos, chamou-a para uma conversa. Josefina é superior, tem título de doutorado em sociologia. Rute, a professora de primário, é inferior. Ninguém aqui faz discriminações, nem Josefina, nem Rute, nem o narrador. Como dizem os teólogos, trata-se apenas de um Sitz im Leben. Josefina está demasiadamente preocupada com a possibilidade de Claudia ter levado à sala de aula as maluquices que ela conversa com seu irmão gêmeo, Cesar, em casa, e acabou extrapolando.
- Do que se trata, professora Rute?
- Calma, dona Josefina. Vamos por partes. Sente-se. Quer beber algo, café, chá, água?
- Não, obrigada. Estou bem.
- Este mês eu decidi que a dissertação seria com tema livre. Sua filha me entregou isto. Leia, por favor.
Os Humanos
Se eu fosse Deus, a raça humana seria negra, e todos poderiam fosforejar em seus olhos qualquer cor do arco-íris; eu reuniria os continentes que há muito foram separados, e faria deles uma única ilha, sem fronteiras, sem desigualdades; acalmaria as forças interiores da terra e imobilizaria todas as placas tectônicas, assim acabaria com os maremotos, os terremotos e as erupções vulcânicas, aliás, adormeceria os vulcões para sempre e, deste modo, não teríamos mais tragédias catastróficas como os tsunamis; manteria a lua onde ela está, só alteraria um pouquinho sua força gravitacional sobre a terra para que não tivéssemos marés exageradamente altas e ressacas no mar; eu ajustaria, também, um pouquinho o eixo de inclinação da terra para que as quatro estações fossem melhor definidas, ah, já tinha esquecido: o único continente ficaria bem no meio do trópico que separa o hemisfério sul do norte, e assim não teríamos frio rigoroso e nem calor escaldante; domaria nosso clima de vez, como se doma uma fera, e controlaria todos os movimentos que causam, furacões, tornados, tufões, tempestades, trombas d’águas e outras intempéries; as chuvas seriam calmas, em volume e frequência suficientes para irrigar as lavouras; os trovões seriam melodiosos e os relâmpagos jamais desceriam do céu à terra; nosso campo magnético seria reforçado para melhor filtrar os raios solares e evitar queimaduras e câncer de pele, e nosso escudo protetor transformaria meteoros de qualquer tamanho em lindas plêiades, coloridas como a aurora boreal; a terra vista de cima, de um belo azul salpicado de algodão branco; os mares e rios revezando o anil com a esmeralda, e a vegetação verdejante borrifada por flores de todas as cores; será que Deus nunca pensou nisso?
Na paixão úmida de sua vista, lágrimas querem minar, como olho-d’água, mas Josefina, ainda com o queixo apoiado na mão esquerda, as contém com um sorriso quase impenetrável que exterioriza uma gama numerosa de sentimentos: orgulho, surpresa, reflexão e outros indecifráveis.
- E então, dona Josefina?
- É muito interessante.
- A senhora há de convir que a gente espera algo assim de um adolescente precoce de 16 anos, e com um Q.I. extremamente alto, como, acredito, deve ser o de Claudia, mas não de uma menina de 7 anos que, durante as aulas, fica se tocando e me diz que quer sentir como seu corpo ocupa um lugar no espaço terrestre. O que a senhora acha?
Josefina está focada num detalhe que ela não vai compartilhar com a professora: a intrigante relação entre o texto e seu título. Embora Claudia fale de uma única raça humana e do fim das desigualdades, o tema central diz respeito ao que Deus poderia fazer para tornar o planeta menos inóspito, do ponto de vista geológico.
- Sim, concordo com a senhora.
- A Claudia tem o hábito de ler?
- Eu sei que ela fuça na minha estante e mexe em todos os livros, os meus e os de meu marido, mas ela não passa o tempo todo lendo. Ao contrário, ela é muito ativa e está sempre brincando com o irmão e contando histórias. Posso ficar com a dissertação?
- Vou tirar uma xérox para a senhora.
- Mais alguma coisa, professora?
-Sim, tem mais. Eu permiti que os alunos saíssem para o recreio assim que entregassem a dissertação. Eu esperava que a Claudia fosse a a primeira a entregar, porque ela é muito inteligente e de raciocínio rápido. No entanto, ela foi a última. A classe estava vazia, e ela continuava lá, sentada e escrevendo. Esperei mais uns 15 minutos. Então decidi me aproximar dela.
- Como vai sua dissertação, Claudia?
- Já terminei!
- Ela me entregou a dissertação e continuou escrevendo em outra folha de papel.
- Está escrevendo outra dissertação?
- Não! Já terminei. Professora, eu ouvi uma música e gostei muito dela. Posso cantar para a senhora?
- Oras, claro que pode!
- I steal a few breaths from the world for a minute
And then I'll be nothing forever
And all of my memories
And all of the things I have seen will be gone
With my eyes, with my body, with me
But me and my husband
We are doing better
It's always been just him and me
Together
So I bet all I have on that
Furrowed brow
And at least in this lifetime
We're sticking together
Me and my husband
We're sticking together
And I'm the idiot with the painted face
In the corner, taking up space
But when he walks in, I am loved, I am loved
Me and my husband
We are doing better
It's always been just him and me
Together
So I bet all I have on that
Furrowed brow
And at least in this lifetime
We're sticking together
Me and my husband
We're sticking together
Me and my husband
We are doing better
- Fiquei abismada, dona Josefina. Ela tem uma voz linda e muito afinada. O mais fascinante: ela cantou em inglês! Meu inglês é muito pobre, mas deu para perceber que ela tem pronuncia e dicção perfeitas! Alguém da família é de descendência inglesa ou americana? Vocês falam inglês em casa?
Josefina recostou a cabeça levemente na cadeira, ergueu os olhos para o teto, pensativa por alguns segundos: Minha filha, ó Deus, a tantas virtudes vocês aspiram, se nesta vida concedestes a ela tamanha inteligência, deve ser por um mundo melhor que vocês suspiram.
- Eu e meu marido sabemos falar inglês, mas nunca ensinamos nada para a Claudia e o Cesar. Acredito que Claudia tenha facilidade com língua estrangeira. Ela ouve músicas no rádio, muitas em inglês.
- É estranho, dona Josefina. Eu disse a ela: que lindo! E ela respondeu:
- Professora, tem outra música que ouvi e adorei. Posso cantar para a senhora?
- Pode! Mas só mais esta porque o recreio já está acabando.
- Maravilhoso Claudia! Você canta muito bem! O que você escreveu nesta folha?
- Professora, sabe a primeira música que cantei?
- Sim.
- Ela se chama Eu E Meu Marido. Resolvi escrever minha própria versão desta música. Toma, fica para a senhora.
- Dona Josefina, leia o que a Claudia escreveu.
Algo vai acontecer, Não posso prever, Sinto no meu irmão, No meu coração, Passeamos com amigos, Sozinhos, Dormimos abraçados, De lábios colados, Em casa separados, Meus pais desconfiados, Gostamos do mar, De nadar, Demoramos para fazer amor, Por puro temor, De represália, De sermos marginália, Fugiríamos do país, Perderíamos a raiz, Mudamos de ideia, Sou professora de paideia, Ele joga grilobol, Faça chuva faça sol, Ficamos no Brasil, Metemos em brio, Revelamos nosso segredo, Guardado a dedo, Minha mãe já sabia, Mães têm sabedoria, Casamos, Engravidamos, Tivemos gêmeas como nós, Mas já não estamos sós, Todos querem nos entrevistar, Nos contratar, Alguns querem nos matar, Nos sequestrar, Os evangélicos, Maquiavélicos, Os mafiosos, Poderosos, A rede Global, A Igreja Universal, A Sony Pictures, Paparzzis slaughterous vultures, As editoras Loeb e Pinguin, O Pasquim e o Diário Tupiniquim, A BBC de Londres, A Folha de Flandres, O MI6, O russo e o chinês, A CIA, A hegemonia e a supremacia, Algo aconteceu, Como se percebeu, Trocaram nossa terra natal, Por um bunker abismal, Fomos abduzidos, Escondidos, Os paranormais não nos encontram, Os cientistas não demonstram, Que os humanos estão morrendo, E outros não estão nascendo, Nossas idênticas estão se multiplicando, Nosso planeta está melhorando.

domingo, 11 de junho de 2023

DYNASTICAL TERRAFORMERS - ALGO VAI ACONTECER

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Esse portento de formosura já aconteceu, Daqui a milhares de anos do nosso tempo, Precisaremos de almas bastante amigas, Para sairmos robustecidos na fé e na crença deste milagre, Tomaram emprestado de nossa mãe terra, Penhoraram nosso amor, O nosso futuro gostaria de nos resgatar antes do sistema solar vos espalhar galáxia afora, Gostaria de nos elevar, Brilhando telas, E exalando âmbares, Por amazonas cupidinosas, Como Anti-ares, Apontando com seus arcos certeiros, Nossos lindos seios cortados, Que são de nosso torrão, Sempre estiveram em todas nossas bandeiras, Que Continuamos hasteando e tremulando em nossos sonhos, Nossos pares atravessaram as estrelas, Com essas Flautas encantadas que afugentam todo perigo, Atraíram-nos para as fantasias que pensávamos existir só no país das maravilhas, Com nosso avanço pelo cosmos, Entrevemos, De longe, Nosso sol, Como um pastor sentado à borda de um tênue regato de gases e poeira, Como num braço de ribeiras de várzeas, Aparecem-nos arabescos caprichosos e românticos, E poéticos devaneios, Eis ali os dois irmãos inseparáveis e incestuosos, Os filhos de Leda, A cabeça da primeira gêmea, E os pés da segunda, Ambos guardados com alegria plena pelas mãos da guerreira do centro, E nas extremidades vemos a  princesa tecelã, E o pastor de gado, Que se veem só uma vez por ano, E quando chega o dia, Lançam-se de encontro um ao outro como num voo de águia, Parecendo vegetais felizes, Mergulhando as sôfregas raízes, A procurar no solo ávidas seivas em seus lábios, Eles, Assim como nós, Ao contrário do romancista que entra na literatura com o pé direito, Têm os pés esquerdos de algo central, De algo maior, E se apartam pé ante pé, Sem solércia e negaça, Até que o brilho de seus olhos se reduzem ao som de um pulsar, E simplesmente sentem sem o coração, Só com a imaginação, Que já fora de leão, E agora é um pequeno rei mitológico, Do tempo da virgem Erígona, Seu pai Icário, E seu cão Maera, Aqueles que se seguem, Ao clarão de belas supernovas, Faróis para todos navegantes do universo, Como o piloto do navio de Menelau em sua expedição para reaver Helena de Troia depois dela ter sido levada por Páris, Como eu que tenho vocês, meninas e amadas ao pé de si, Que faz vossa humanidade feliz e completa, Traga-me de volta, Correndo e carregando comigo uma braçada de espaço sideral retardatário, Colhido pelo caminho que trilhamos, E levado pela boa vontade de vossa soberania, Crescei e multiplicai-vos em bilhões idênticas a vocês, minhas belas irmãs, Esse portento de formosura já aconteceu, Daqui a milhares de anos do nosso tempo.

sábado, 10 de junho de 2023

HEROÍNA


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Ela agoniza ante o desprezo e a insignificância, Carrega com o coração uma dor que o corpo já não suporta, A dor é fulgurante como o sol escaldante do meio-dia, Rapidamente encoberto por obscuridade passageira pela vida em negra nuvem, Não deixa dormir a sono solto, Como qualquer pobre-diabo das ruas, Que sente o frio da desgraça, Não passa pela vivência, E mesmo assim padece, Ela corrói, Ela precisa de um herói, A dor é terebrante como uma faca que perfura sempre a mesma ferida, Lentamente banhada por sangue abundante de veia só de água insípida, Faz flutuar em seus olhos a fé esquecida, Rouba a caridade que minora o sofrimento, E até a culpa que não se levanta, Ela destrói, Ela precisa de um herói, Ela resiste à queda e ao desestímulo, Carrega na alma um amor que transborda de sua aura, O amor é uma lamparina de azeite que bruxuleia uma luz quase morta, Violentamente atormentada por turbilhões ventosos rangendo mastros de combate, Não deixa acordar da solidão a dois, Como qualquer manhã ruidosa e cheia de disposição, Que sente o calor da felicidade, Não passa pela morte, E mesmo assim mortifica, Ela se condói, Ela precisa de um herói, O amor é um fogo que arde sem se ver, Mansamente incendiado por claridade esperançosa por existir em branca nuvem, Não deixa cantar um mundo dourado, Como todo hino de exultação à existência, Faz escorrer de seus olhos lágrimas reprimidas, Rouba a solidariedade despertada pela privação, E até a razão que se impõe pela comiseração, Ela dói, Ele precisa de um herói, Ela tem uma vida que não pediu a Deus, Só a obstinação e a resistência que Ele lhe emprestou, Ela priva de si mesma e dá aos que não são seus, E a Deus o pouco que lhe sobrou, Ela segue sua sina, Ela é sua própria heroína.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

A PSICOGRAFIA DE CHICO XAVIER

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Texto escrito há mais de 15 anos

Há vinte anos, eu dei uma palestra sobre Sócrates numa casa espírita. O texto que preparei estava muito longe de ser espiritual, mas tive que fazer algumas pequenas concessões para que meu discurso pudesse receber a atenção do público heterogêneo daquela sociedade quase filantrópica. Uma das maiores preocupações dos dirigentes espíritas é evitar que uma personalidade histórica, como Sócrates, seja colocada lado a lado, em termos morais, com uma figura mitológica, como Jesus. Por ocasião da preparação de minha palestra, um desses dirigentes, bem-intencionado, entregou-me um livro psicografado por Chico Xavier, chamado Crônicas do Além-túmulo, e que contém uma entrevista que o suposto espírito de Humberto de Campos, escritor brasileiro morto em 1934, apelidado de Irmão X, fez com Sócrates no plano espiritual. Aquele curto texto de nada me serviu, mas seu conteúdo estarreceu-me com tanta falta de conhecimento e excesso de preconceitos. Encontro, agora, ensejo para escrever sobre a psicografia de Chico Xavier, uma vez que o espiritismo está na moda com os filmes CHICO XAVIER, AS MÃES DE CHICO, NOSSO LAR e O LIVRO DOS ESPÍRITOS, todos, aliás, muito fracos e piegas. O mais agravante é o fato de que os produtores desses filmes querem passar ao público a ideia de que não se trata de ficção (de baixa categoria), mas de realidade. Não há dúvidas que estes filmes levam ao delírio o único público que os assistem: os fanáticos espíritas. Para mim, Chico Xavier foi um criptomaníaco. Este neologismo não tem nada de pejorativo. Eu o inventei a partir de uma palavra verdadeira: criptomnésia. Portanto, quando digo que Chico Xavier foi um criptomaníaco, quero apenas dizer que ele foi uma pessoa afetada por criptomnésia. Enquanto os espiritualistas acreditam que tudo o que Chico escreveu foram mensagens psicografadas por espíritos de gente morta, uma análise científica dos seus textos prova que seus escritos são apenas resultados da criptomnésia, que é uma condição na qual uma pessoa tem lembranças ou habilidades que ela pode acessar, mas que foram adquiridas subconscientemente ou através de meios subliminares. Em geral, a pessoa não tem nenhum conhecimento de como ou quando tais memórias e habilidades foram adquiridas. Elas podem ficar armazenadas por um longo período de tempo até emergirem através de transe hipnótico, meditação e auto-hipnose. Há vários tipos de criptomnésia. Uma delas é a xenoglossia, a habilidade de falar idiomas que nunca se estudou e com os quais jamais se teve qualquer contato. Outra é a escrita automática, que os espíritas chamam de psicografia, que revela a capacidade que uma pessoa tem de escrever uma grande quantidade de informações a ela desconhecidas, sem nenhum desejo consciente de fazê-lo, decorrendo daí o fato de os espíritas acharem que tais escritas automáticas são iniciativas espontâneas de espíritos de pessoas que já faleceram e que resolvem escrever histórias, contos, crônicas e depoimentos através de pessoas dotadas de percepções extrassensoriais, ou médiuns, como o Chico. Eu não conheci o Chico Xavier, aliás, conheci-o somente por 60 segundos, insuficientes para fazer uma ideia de seu caráter. No entanto, conheci vários amigos íntimos de Chico que o descreveram como uma pessoa extraordinária, fora do comum. Logicamente, esses amigos do Chico são muito suspeitos para falar sobre ele porque são espíritas Kardecistas e, como todos sabem, os espíritas costumam viajar muito na maionese. De forma geral, muitas celebridades, artistas e até políticos que conheceram o Chico, reconheceram nele uma pessoa diferente e excepcional. Não duvido disso. Chico deve ter sido uma pessoa muito especial mesmo. Mas ele é mais conhecido pelo vasto acervo de livros que escreveu. Li vários destes livros e digo que a maioria deles é extremamente pobre de ideias. Muitos dos longos romances de Chico são exageradamente sentimentais, contaminados de moralismo puritano e religiosidade, como se a vida após a morte não fosse um fenômeno natural deste planeta e do universo, mas uma criação da fé cristã. Os livros do Chico são facilmente previsíveis, como os de Paulo Coelho. Depois da quinta página, já se sabe como a história vai terminar. São também excessivamente repetitivos, sempre com a mesma história e o mesmo enredo, mudando somente o cenário e os nomes dos personagens. Os textos mais curtos do Chico são igualmente enfadonhos, e alguns chegam a subestimar a inteligência e a cultura. Outros até que têm boas frases moralizantes e edificantes, mas, ainda assim, muito carolas. Enquanto ele escrevia histórias fictícias, mesmo bregas e melodramáticas, ele conseguia arrebanhar um público apaixonado e pouco culto, o mesmo que coloca os livros da Zibia Gasparetto entre os mais vendidos do país. Mas quando o Chico se punha a escrever sobre histórias reais que pudessem ser confrontadas por livros acadêmicos, Chico se saia muito mal. Como exemplo, analiso aqui um de seus textos curtos, justamente aquele que me foi dado para ler, sobre Sócrates. O texto original é separado em parágrafos numerados em itálico e negrito para facilitar a identificação de meus comentários marcados por letras.

FRANCISCO CANDIDO XAVIER, CRÔNICAS DE ALÉM-TÚMULO, pelo Espírito Humberto de Campos, 25 - SÓCRATES, página 76, 7 de janeiro de 1937.

1. Foi no Instituto Celeste de Pitágoras (1) que vim encontrar, nestes últimos tempos, a figura veneranda de Sócrates, o ilustre filho de Sofronisco e Fenareta. A reunião, nesse castelo luminoso dos planos erráticos, era, nesse dia, dedicada a todos os estudiosos vindos da Terra longínqua. A paisagem exterior, formada na base de substâncias imponderáveis para as ciências terrestres da atualidade recordava a antiga Hélade, cheia de aromas, sonoridades e melodias. Um solo de neblinas evanescentes evocava as terras suaves e encantadoras, onde as tribos jônias e eólias localizaram a sua habitação, organizando a pátria de Orfeu, cheia de deuses e de harmonias. Árvores bizarras e floridas enfeitavam o ambiente de surpresas cariciosas, lembrando os antigos bosques da Tessália, onde Pan se fazia ouvir com as cantilenas de sua flauta, protegendo os rebanhos junto das frondes vetustas, que eram as liras dos ventos brandos, cantando as melodias da Natureza. O palácio consagrado a Pitágoras tinha aspecto de severa beleza, com suas colunas gregas à maneira das maravilhosas edificações da gloriosa Atenas do passado.

a) Como o suposto autor espiritual deste texto foi um poeta e escritor, Chico se permite florear em demasia a descrição do local onde Sócrates é esperado, a ponto de fazer alusão a personagens da mitologia grega, como Orfeu e Pan. Se existe vida após a morte, imagino que o lado de lá não seja idêntico ao lado de cá. Mas esta não parecia ser a opinião do Chico. Não sabemos se os espíritos resolveram prestar uma homenagem à civilização mais inteligente que já houve na terra, ou se a réplica, no plano espiritual, das edificações da gloriosa Atenas é mero fruto de uma doentia saudade dos tempos de encarnados na terra. Logo saberemos.

2. Lá dentro, agasalhava-se toda uma multidão de Espíritos ávidos da palavra esclarecida do grande mestre, que os cidadãos atenienses haviam condenado à morte, 399 anos antes de Jesus-Cristo. Ali se reuniam vultos venerados pela filosofia e pela ciência de todas as épocas humanas, Terpandro, Tucídides, Lísis, Esquines, Filolau, Timeu, Símias, Anaxágoras e muitas outras figuras respeitáveis da sabedoria dos homens.

b) Faltam, nesta lista do Chico, vários dos cidadãos mais venerados pela filosofia e pela ciência de todas as épocas humanas: Galileu Galilei, Francis Bacon, Rene Descartes, Thomas Hobbes, John Locke, Isaac Newton, George Berkeley, David Hume, Immanuel Kant, George Wilhelm, Friedrich Hegel, Auguste Comte, Karl Marx, etc. Para Chico, os mais venerados pela filosofia e pela ciência de todas as épocas humanas são apenas os helenos da Grécia clássica! Poetas, escritores, músicos, filósofos, políticos, oradores e historiadores. Mas, mesmo nesta relação de Gregos clássicos, faltam exatamente as figuras mais respeitáveis na história da produção do conhecimento humano: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Parmênides, Heráclito, Demócrito, Zenão, Epícuro, Pirron, etc. Nem mesmo o grande Pitágoras, a quem Chico diz ter sido consagrado aquele Instituto Celeste, é mencionado!

3. Admirei-me, porém, de não encontrar ali nem os discípulos do sublime filósofo ateniense, nem os juízes que o condenaram à morte. A ausência de Platão, a esse conclave do Infinito, impressionava-me o pensamento...

c) A preocupação com a ausência de Platão é injustificável, tendo em vista que a maioria dos gênios da humanidade não está presente. Também não se justifica esperar que os juízes que condenaram Sócrates, e que não deram nenhuma contribuição à ciência ou à filosofia, pudessem estar presentes num conclave dos vultos mais venerados pela filosofia e pela ciência de todos os tempos.

4. ...quando, na tribuna de claridades divinas, se materializou aos nossos olhos o vulto venerando da filosofia de todos os séculos. Da sua figura irradiava-se uma onda de luz levemente azulada, enchendo o recinto de vibração desconhecida, de paz suave e branda. Grandes madeixas de cabelos alvos de neve moldavam-lhe o semblante jovial e tranquilo, onde os olhos brilhavam infinitamente cheios de serenidade, alegria e doçura.

d) O Chico era famoso por fazer uso demasiado de adjetivos (e eu sou também, mas não famoso). Aqui ele emprega vários em poucas frases. Soma-se à adjetivação o estilo excessivamente floreado.

5. As palavras de Sócrates contornaram as teses mais sublimes, porém, inacessíveis ao entendimento das criaturas atuais, tal a transcendência dos seus profundos raciocínios. À maneira das suas lições nas praças públicas de Atenas, falou-nos da mais avançada sabedoria espiritual, através de inquirições que nos conduziam ao âmago dos assuntos; discorreu sobre a liberdade dos seres nos planos divinos que constituem a sua atual morada e sobre os grandes conhecimentos que esperam a Humanidade terrestre no seu futuro espiritual. É verdade que não posso transmitir aos meus companheiros terrenos a expressão exata dos seus ensinamentos, estribados na mais elevada das justiças, levando-se em conta a grandeza dos seus conceitos, incompreensíveis para as ideologias das pátrias no mundo atual, mas, ansioso de oferecer uma palavra do grande mestre do passado aos meus irmãos, não mais pelas vísceras do corpo e sim pelos laços afetivos da alma, atrevi-me a abordá-lo:

e) Segundo a história, o humilde Sócrates costumava falar aos jovens nas praças públicas com extrema clareza e simplicidade, mas agora ele fala nos palanques celestiais do plano espiritual com extrema complexidade e sofisticação. Ao deixar o mundo terreno e mudar-se para os planos divinos, o Sócrates do Chico deixa a humildade de lado e fala de forma tão complicada que se torna impossível transmitir ao mundo a expressão exata de seus ensinamentos. Nem mesmo Deus é capaz de entender sua avançada sabedoria espiritual. Quando NADA se sabe sobre alguém e, mesmo assim, tem-se a pretensão de conhecê-lo a fundo, é muito comum ouvir explicações como esta: ‘Não posso transmitir aos meus companheiros terrenos a expressão exata dos seus ensinamentos, estribados na mais elevada das justiças, levando-se em conta a grandeza dos seus conceitos, incompreensíveis para as ideologias das pátrias no mundo atual’. Oras, eu, também, não tendo condições de provar que estamos sendo visitados por alienígenas, posso dizer aos meus amigos que mantive contato imediato do quarto grau com os ocupantes dos discos voadores, mas não posso descrevê-los para eles e nem mesmo transmitir-lhes a expressão exata da sabedoria de suas comunicações telepáticas, estribados na mais elevada das perfeições morais, levando-se em conta a sofisticação de suas tecnologias, incompreensíveis para as ciências atuais de nosso planeta. Simples, não?

6. - Mestre - disse eu -, venho recentemente da Terra distante, para onde encontro possibilidade de mandar o vosso pensamento. Desejaríeis enviar para o mundo as vossas mensagens benevolentes e sábias? - Seria inútil - respondeu-me bondosamente -, os homens da Terra ainda não se reconheceram a si mesmos. Ainda são cidadãos da pátria, sem serem irmãos entre si. Marcham uns contra os outros, ao som de músicas guerreiras e sob a proteção de estandartes que os desunem, aniquilando lhes os mais nobres sentimentos de humanidade.

f) O Sócrates da história teria ficado lisonjeado se fosse convidado a falar aos homens comuns, mas o Sócrates do Chico SE NEGA a falar a gente simples, pois agora ele faz parte do mundo das criaturas superiores, mas, mesmo assim, ele se esquece de quem foi (ou ainda é) e comete alguns deslizes humanos, como, por exemplo, repetir o chavão não reconhecem a si mesmos.

7. - Mas. . . - retorqui - lá no mundo há uma elite de filósofos que se sentiriam orgulhosos de vos ouvir! ...
- Mesmo entre eles as nossas verdades não seriam reconhecidas. Quase todos estão com o pensamento cristalizado no ataúde das escolas. Para todos os espíritos, o progresso reside na experiência. A História não vos fala do suicídio orgulhoso de Empédocles de Agrigento, nas lavas do Etna, para proporcionar aos seus contemporâneos a falsa impressão de sua ascensão para os céus? Quase todos os estudiosos da Terra são assim; o mal de todos é o enfatuado convencimento de sabedoria. Nossas lições valem somente como roteiro de coragem para cada um, nos grandes momentos da experiência individual, quase sempre difícil e dolorosa.

g) O Sócrates de Chico e dos raciocínios profundos e transcendentes continua se negando a falar aos homens comuns, porque ele está muito acima deles. Agora, ele é um Deus!

8. Não crucificaram, por lá, o Filho de Deus, que lhes oferecia a própria vida para que conhecessem e praticassem a Verdade? O pórtico da pitonisa de Delfos está cheio de atualidade para o mundo. Nosso projeto de difundir a felicidade na Terra só terá realização quando os Espíritos aí encarnados deixarem de serem cidadãos para serem homens conscientes de si mesmos. Os Estados e as Leis são invenções puramente humanas, justificáveis, em virtude da heterogeneidade com respeito à posição evolutiva das criaturas; mas, enquanto existirem sobrará a certeza de que o homem não se descobriu a si mesmo, para viver a existência espontânea e feliz, em comunhão com as disposições divinas da natureza espiritual. A Humanidade está muito longe de compreender essa fraternidade no campo sociológico. Impressionado com essas respostas, continuei a interrogá-lo:

h) O Sócrates de Chico diz que o homem precisa deixar de ser cidadão, porém o Sócrates histórico foi um ferrenho cidadão Ateniense, tendo, inclusive, servido o exército para defender sua Cidade-Estado. O Sócrates do Chico perdeu a oportunidade de ter nos ensinado quais invenções na terra NÃO SÃO puramente humanas. E mais uma vez, o Sócrates do Chico repete o chavão o homem não se descobriu a si mesmo.

9. - Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir alguma reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à morte?
- De modo algum. Miletos e outros acusadores estavam no papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na obra de quantos precederam, no Planeta, o pensamento e o exemplo vivo de Jesus-Cristo. Se me condenaram à morte, os meus juízes estavam igualmente condenados pela Natureza; e, até hoje, enquanto a criatura humana não se descobrir a si mesma, os seus destinos e obras serão patrimônios da dor e da morte.

i) Nos parágrafos 6 e 7, Sócrates diz ser inútil enviar suas mensagens benevolentes e sábias para o mundo e para uma elite de filósofos que se sentiriam orgulhosos de ouvi-lo, mas, para ele, é MUITO OPORTUNO criticar um insignificante personagem Grego como Mileto! Está claro que a criptomnésia não agraciou Chico com qualquer conhecimento sobre Sócrates, por isso a única coisa que Chico tem a dizer sobre Sócrates é aquele velho chavão que todos nós conhecemos e que ele repete, pela terceira vez, neste curto texto: enquanto a criatura humana não se descobrir a si mesma.

10 - Poderíeis dizer algo sobre a obra dos vossos discípulos?
- Perfeitamente - respondeu-me o sábio ilustre -, é de lamentar as observações mal avisadas de Xenofonte, lamentando eu, igualmente, que Platão, não obstante a sua coragem e o seu heroísmo, não haja representado fielmente a minha palavra junto dos nossos contemporâneos e dos nossos pósteros. A História admirou na sua Apologia os discursos sábios e benfeitos, mas a minha palavra não entoaria ladainhas laudatórias aos políticos da época e nem se desviaria- para as afirmações dogmáticas no terreno metafísico...

j) Quando perguntado, três vezes, se ele gostaria de dizer algo ao mundo, o Sócrates de Chico disse, terminantemente, ser inútil! Mas, quando perguntado se ele gostaria de falar sobre seus discípulos, não hesitou em responder: perfeitamente! Este é o momento catártico do texto que tem como objetivo principal criticar os que foram aclamados como grandes homens pela história e que incomodam o Sócrates do Chico. As chamadas palavras desavisadas de Xenofonte as quais o Sócrates de Chico refere-se são aquelas que mostram o Sócrates humano, que não trabalha, que briga com a mulher, não se dá com o filho mais velho, não toma banho, anda descalço e fica uma semana inteira sem trocar de roupa. As palavras desavisadas são aquelas que mostram um Sócrates menos sábio do que moralista e menos moralista do que desmazelado. Mas o calcanhar de Aquiles do Sócrates de Chico não é Xenofonte; é Platão, o verdadeiro gênio, e quando ele se põe a falar de seu maior admirador, ele começa a dar sinais de ignorância. Eu, que sou leigo e um Zé-ninguém, sei que, quando escreveu o livro Apologia, Platão não reproduziu palavras de Sócrates, mas apenas escreveu o que ele, Platão, gostaria de ter dito, em defesa de Sócrates, aos juízes que o condenaram. Vejam só a maestria das ‘ladainhas laudatórias’ de Platão que tanto irritam a fonte inconsciente de Chico: ‘Não me insurjo contra os que votaram contra mim ou me acusaram. A verdade é que não me acusaram e me condenaram com esse modo de pensar, mas na suposição de que me causavam dano; nisso merecem censura. Contudo, só tenho um pedido a lhes fazer: quando meus filhos cresceram, castigai-os e atormentem-nos com os mesmíssimos tormentos que eu vos infligi, se achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de outra coisa que da virtude. Se eles se estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os, como vos fiz eu, por não cuidarem do que devem, e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se vós o fizerdes, eu terei recebido de vós justiça; eu e meus filhos também’. Até Deus aplaude estas frases que o Sócrates de Chico chama de ladainhas laudatórias.

11. ...Vivi com a minha verdade para morrer com ela. Louvo, todavia, a Antístenes, que falou com mais imparcialidade a meu respeito, de minha personalidade que sempre se reconheceu insuficiente. Julgáveis então que me abalançasse, nos últimos instantes da vida, a recomendações no sentido de que se pagasse um galo a Esculápio? Semelhante expressão, a mim atribuída, constitui a mais incompreensível das ironias.

k) É sempre FÁCIL falar bem de pessoas das quais pouco se sabe, como Antístenes. Quanto menos se sabe de uma pessoa, mais ela é endeusada e mais dela se fala e este é o caso de Jesus. Mas aqui, ao falar pela segunda vez de seu desafeto, chamado Platão, o Sócrates de Chico assina o atestado de burrice com a frase Julgáveis então que me abalançasse, nos últimos instantes da vida, a recomendações no sentido de que se pagasse um galo a Esculápio?’ No seu magnífico livro chamado Fedão, Platão narra a conversa que Sócrates teve com vários amigos no seu último dia na prisão quando, antes do por do sol, ele seria executado. Historicamente, Platão não esteve presente, mas soube de todos que lá estiveram e até mesmo o que conversaram. Platão não narra o que realmente foi falado naquele último dia de Sócrates. Ele apenas escreve, com sua genialidade, sobre o que ele, Platão, acha que seu mestre poderia ter conversado com seus amigos. Para alguém que está prestes a partir para o outro lado, nada melhor do que falar sobre a alma e o que nos espera após a morte (um dos assuntos prediletos de Platão - Leiam o tomo número 10 de A República). Se vocês lerem o Fedão de Platão, notarão que o tempo todo ele faz Sócrates descrever a morte como uma libertação final do espírito, afirmando que o corpo físico nada mais é que uma prisão para a alma e que, quando se morre, o espírito se vê livre desta doença chamada corpo. Como se sabe, Sócrates foi condenado à morte sob a acusação de desvirtuar os jovens com ideias nada convencionais e de denegrir a imagem da religião grega de muitos deuses. No momento derradeiro do livro, o carrasco faz Sócrates beber cicuta. Quando o veneno começa a fazer efeito, Sócrates desaba sobre a cama e permanece quase imóvel. Um de seus amigos o segura pela cabeça e pergunta se ele deseja dizer suas últimas palavras. Sócrates responde: Não se esqueça de que devemos pagar um galo ao deus Asclépio (Esculápio para os romanos). Frase magistral! Mata dois coelhos com uma cajadada só. Asclépio era o deus da medicina e da saúde ao qual as pessoas com enfermidades faziam promessas para se curarem e lhe ofereciam um animal para sacrifício, da mesma forma, como nos dias de hoje, muitas pessoas vão a Aparecida do Norte e fazem promessas para curarem-se de suas enfermidades e oferecem os mais diferentes objetos como pagamento pelo pedido atendido. Com essa lembrança do deus Asclépio, exatamente nos últimos instantes da vida de seu mestre, Platão quis mostrar que, na verdade, Sócrates nada tinha contra a religião de muitos deuses da Grécia, e, ao mesmo tempo, ao pedir para seu amigo pagar um galo a Asclépio, ele está sendo coerente com o tema que ele escolheu para discutir no seu último dia de vida e, assim, pagar uma promessa por uma graça alcançada: Ele está morrendo e seu espírito está sendo curado desta doença chamada corpo, graças a Asclépio, o deus da saúde. Simplesmente genial! E é dessa frase que o Sócrates de Chico tem ciúmes a ponto de achar que Platão teria insinuado que o Sócrates histórico falou isso de verdade. Quanta ingenuidade! Quanta falta de cultura! Quanta falta de inteligência!

12. - Mestre, e o mundo? - indaguei.
- O mundo atual é a semente do mundo paradisíaco do futuro. Não tenhais pressa. Mergulhando-me no labirinto da História, parece-me que as lutas de Atenas e Esparta, as glórias do Pártenon, os esplendores do século de Péricles, são acontecimentos de há poucos dias; entretanto, soldados espartanos e atenienses, censores, juízes, tribunais, monumentos políticos da cidade que foi minha pátria, estão hoje reduzidos a um punhado de cinzas!. . . A nossa única realidade é a vida do Espírito.

l) Todos os espiritualistas dizem que nossa única realidade é a vida espiritual e não a material. O problema é que não existe prova nenhuma de que existe vida após a morte ou vida espiritual e, enquanto não obtemos uma prova concreta, resta-nos deliciarmo-nos com A Guerra do Peloponeso, de Tucídides, que narra as lutas de Atenas e Esparta; encantarmo-nos com as glórias do Pártenon que ainda está de pé na Grécia atual e com os esplendores do século de Péricles registrados nesta grande invenção puramente humana chamada livro. Se o mundo espiritual realmente existe como acreditava Chico, então não devemos nos preocupar com tudo que ficou reduzido a cinzas na terra, pois tudo está sendo reconstituído nos planos divinos, se levarmos a sério o que está escrito no parágrafo 1.

13. - Não vos tentaria alguma missão de amor na face do orbe terrestre, dentro dos grandes objetivos da regeneração humana?
- Nossa tarefa, para que os homens se persuadam com respeito à verdade, deve ser toda indireta. O homem terá de realizar-se interiormente pelo trabalho perseverante, sem o que todo o esforço dos mestres não Passará do terreno do puro verbalismo.

m) Por três vezes, o Sócrates de Chico recusou-se a enviar uma mensagem de solidariedade aos simples mortais ainda encarnados. Agora, ele insinua ser inútil voltar à terra com uma missão de amor, porque o esforço que o homem faz na terra não passa de puro verbalismo. No entanto, tudo o que o Humberto e o Sócrates de Chico disseram neste texto não passa de puro verbalismo: muita eloquência, nenhuma substância e nenhuma lógica.

14. E, como se estivesse concentrado em si mesmo, o, grande filósofo sentenciou:
- As criaturas humanas ainda não estão preparadas para o amor e para a liberdade... Durante muitos anos, ainda, todos os discípulos da Verdade terão de morrer muitas vezes!

n) E se todas as palavras proferidas pelos mais venerados sábios do plano espiritual forem semelhantes a estas, estaremos despreparados não somente para o amor e a para a liberdade, mas também para a sabedoria e a imparcialidade!

15. E enquanto o ilustre sábio ateniense se retirava do recinto, junto de Anaxágoras, dei por terminada a preciosa e rara entrevista.

O que aprendemos com esta entrevista do Sócrates do Chico? Absolutamente nada! O Sócrates de Chico limita-se a repetir o que qualquer leigo já sabe: que devemos conhecer a nós mesmos. O resto é puro verbalismo de quem não sabe o que escrever sobre o Sócrates histórico. Se você, leitor, tiver um pouquinho da inteligência do Platão, descobrirá que este texto não é sobre Sócrates. Desde o terceiro parágrafo, o autor vem preparando o leitor para o que mais lhe interessa: criticar Platão. E por que criticá-lo? Talvez porque ele foi o verdadeiro filósofo de todos os séculos. Ou talvez porque o cristianismo é o piano da mitologia judaica carregado pelos ombros do neo-platonismo e do estoicismo e que receberam o rótulo de moral cristã, fanaticamente atribuída a um personagem mitológico chamado Jesus de Nazaré. Mas o Chico não teve culpa disso. Como eu disse, ele era afetado pela criptomnésia, isto é, ele tinha acesso inconsciente a uma fonte de informação que ele desconhecia (se quiser, pode chamar isto de percepção do inconsciente coletivo no estado vígil). A única coisa que podemos asseverar, com toda a certeza, é que a fonte a qual ele teve acesso, pelo menos para escrever este texto, nos dá uma verdadeira aula sobre como fazer críticas levianas a gênios da humanidade, primando pela adoração das palavras e gosto da eloquência vazia de conteúdo e significado. Aos cristãos e, em especial, aos espíritas, isto que vou dizer parecerá um sacrilégio: boa parte da chamada moral cristã foi simplesmente chupada dos livros de Platão. Esta deve ser é uma das razões pela qual Platão foi tão invejado e criticado neste texto do Chico. Ah, que bom seria se todas as máximas da moral cristã fossem, realmente, de autoria do mito chamado Jesus Cristo!

Nem tudo o que Chico escreveu provém da criptomnésia. Vários de seus escritos e declarações advêm de seu inconsciente e consciente pessoal e coletivo, refletindo o ambiente em que foi criado, as influências sociais e religiosas que sofreu, seu nível cultural e intelectual e sua indiscutível percepção extrassensorial. No entanto, se este texto do Chico é uma prova de que existe vida após a morte, deduzo que 1) Sócrates não era tão sábio como conta a história, mas, ao contrário, muito burro ou 2) O espírito de  Humberto de Campos mentiu ao dizer que encontrou-se com o espírito de Sócrates e inventou uma suposta entrevista apenas para criticar Platão, seu desafeto e um filósofo de quem ele tem uma insuportável inveja ou 3) O inconsciente/consciente de Chico é bem preconceituoso. A propósito, naquele famoso e antigo programa chamado PINGA FOGO, por exemplo, Chico fez duas declarações mirabolantes e hilariantes. Não tendo condições de explicar porque ele não psicografava ideias de Platão, Chico tentou diminuir a importância do grande filósofo ao insinuar que ele não era o verdadeiro autor das grandes lições morais e intelectuais que nos legou, mas apenas um médium que psicografava as ideias dos outros! Essa é de doer! Pior ainda, Chico disse também que o primeiro livro da história da humanidade foi ditado por espíritos e psicografado por Moisés numa pedra. Esta dói muito mais que um chute bem dado nos testículos. Talvez por falta de oportunidade e tempo para estudar, Chico não sabia que Moisés não existiu e que os judeus plagiaram os dez mandamentos do Livro dos Mortos dos Egípcios e o  enxertaram com contradições (você não pode cometer adultério - mandamento 7, mas pode comer sua escrava - mandamento 10; você não pode matar - mandamento 6, mas pode instituir a pena de morte segundo a lei do olho por olho, dente por dente, Êxodo 21:24), preconceitos (deus aprova a escravidão, permite que você tenha escravos e permite que você cobice seus escravos que são comparados a animais e objetos, mas deus não gosta que você cobice os escravos dos outros - mandamento 10 - Qual é a mensagem de deus para as pessoas que são escravizadas?), soberba (nos quatro primeiros mandamentos deus só fala de si mesmo).

domingo, 4 de junho de 2023

AN EYE ON THE BLINK OF AN EYE


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Piso em ovos sem medo de me quebrar, Atravesso o braseiro sem medo de me queimar, Procuro o leão do dia para matar, E mais coelhos para meu único cajado acertar, Ando sobre águas sem medo de submergir, Em brancas nuvens sem medo de cair, Desafio a corda que foi roída pelo bamba, Desafio aquela talinga que só se arrisca com uma caçamba, Como o pão do diabo sem medo de me amassar, Como o pão com banha sem medo de me apaixonar, Tragam-me o cachorro grande perdido no mato para brigar, Tragam-me o cachorro que se mata de tanto gritar, Não desisto nem que a vaca tussa, Nem que a galinha fique dentuça, Cutuco a onça com vara verde e faço-a tremer, Viro uma onça a curta distância e ponho-a para correr, Já que estou no inferno nada me custa dar um abraço no capeta, Se um dia chegar ao céu nada me custará dar a deus uma gorjeta.

VOCÊ É UMA SEM NOÇÃO

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Nasço todos os dias, Realizada com tudo que sonho e não tenho, Não preciso dar o dito por não dito, Nem partir, Sempre chego, Mas chega desta eloquência fragmentada, Enganando-se de sofisticação, Inteligência mal resolvida, Como marida mal comida, Não sou homem, Mas solto minha franga, Não sou lésbica, Mas amulhero qualquer sapatão, Foi da negritude que bateu na cabeça boreal, E rebateu no pé austral, Desde criança, Que minha breguice infamemente salobra, Com uns longes cor de quinto dos infernos, Verde-amarela algumas vezes, Azulada outras, Consanguínea pelo lado de mãe maldosa e maliciosa, Recolheu a língua de palmo e meio, Abriu o verbo, Tornou-se ébano no requebro, E deixou marfim correr.


versão de mais de 6 minutos 

sábado, 3 de junho de 2023

AS CEREJAS DO BOLO


Textos de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98


MEU TIPO DE MULHER

O que você espera, Penélope Charmosa? Ela finge que não quer, Que não gosta, Querendo, Gostando, Seu Imperador Romano que viria em 700 anos já foi largado nos tempos pretéritos de outros homens, como livros que nunca foram lidos, Ela decide consultar os oráculos. É recebida, Mesmo sendo consulente mulher, Sem pagar taxa, E ainda ganha o direito de pomancia, Sem ter que pagar sobretaxa, O que você espera encontrar, Penélope Charmosa? Um vilão como Tião Gavião sem ter uma quadrilha da morte para te proteger? A pitonisa profetisa: Você é uma guerreira que luta sozinha, Mas quem agora comandará sua boleia não é pessoa conhecida de sua Esparta, Que sim outro vindouro de Ítaca, por nome Odisseu. Penélope oferece um sacrifício aos deuses: suas imagens ao estrategista do cavalo de madeira, Algumas despidas de quaisquer pluviais solenes, Suas curvas deformam o olhar do pretendente escolhido, A beleza de seu semblante diminui Helena de Troia, Seu caráter e conduta nem se fala, Odisseu retribui a oferenda com odes à la Alceu de Mitilene: Aqui vejo minha bela, Sentada num cais de mármore, Serena como águas de rosa, Ambas todas azuis e tranquilas como lagos suíços, Aberta às paixões, Tímida, Mas experiente, Ela se mantém fiel e austera num pélago de vagas aspirações de um amor que espera anos a fio. Odisseu quer ouvir sua voz, A Sibila concede, Suas palavras são breves e meigas, Enfim, a sacerdotisa Pítia dá o oráculo dos deuses que falam através dela: Dez anos estivestes casada, E outros dez esperastes, Há qualquer coisa de melancólico nestes dias juninos, Mas no vigésimo sexto chega o barco que te levará para Ítaca para sempre.




LAVRAS NOVAS


Antes de saber que você existia, Já te esperava, Golpeava o destino, E magicava nas regiões inexploradas que se percorre só em sonhos, Ao te encontrar, Via o mundo se doar, Vieram os pores de sol e os luares de outra natureza que dissimulavam a brevidade da morte, Caminhavam na terra fria e no chão macio que tinham névoa de saudade no olhar, E numa toada próxima de uma oração, Acompanhavam a meia-luz crepuscular e as ruas esvaziadas de pernas que deixavam um aroma de incenso no ar, E à ceia, Flores sempre-vivas fizeram lume, Nos tornaram como o céu, Onde sobre o negrume, De escuridão que pede calma, Ardia o sereno círio das estrelas, Que mantinham-se acesas, E traziam da mata os gnomos, Que abandonavam seus deveres com as árvores e as roseiras que lhes cabiam, Para guardar nossos primeiros sonos, Tal qual a lua prateando nossos caminhos e compartilhando os crepes da noite, Ao silêncio do  fundo dos mares e do ventre materno, Rompido pelos ventos uivantes que faziam uma curva sobre nossas cabeças, Indo e vindo para não perder nossa felicidade até o raiar dos dias, Quando davam lugar às nossas melodias, Regando nossos cafés das manhãs que nos acordavam só com alegrias, Nos seguindo pelas montanhas verdejantes, Juntando-se ao som das águas das cachoeiras que do alto nos viam, Aproximando-nos de uma nova vida que não exigia nenhum penhor, Apenas nos convertia em cúmplices no amor.

 


O AMOR ESTÁ POR TODA PARTE

Dá arrepios do pé à cabeça, Surge quando nada mais se espera que aconteça, 

Sempre esteve escrito no céu, Cantado pelo vento, Doce como o mel, Livre como o pensamento, 

Nunca teve um antes, Nunca terá um depois, Eterniza os amantes, Platoniza uma relação a dois, 

Liberta corações acorrentados, Prende a razão na cela do sentimento, Desmancha prazeres indesejados,Traz de volta paixões esquecidas no tempo, 

Faz uma promessa de fidelidade, E recebe outra de volta, Redescobre a felicidade, E de sua mão jamais solta, 

Dorme com um rosto angelical, Olhar meigo e desconcertante, Acorda com uma voz jovial, Sorriso lindo e contagiante, 

Nunca teve um começo, Nunca terá um fim, Tem coração que bate do lado do avesso, Idade treze vezes maior que a de um querubim, 

Sempre será sentido no ar, Contado em prosa e verso, Profundo como o mar, Imenso como o universo, 

Dá calafrios da cabeça ao pé, Surge quando tudo o que sobrou é menos que a fé.




MONOCROMIA

É assim que quero que você me veja, Sou um pássaro que voa alto, E corta o solo numa rasante, Sem nunca precisar pousar, Sem nunca precisar plainar, E te busco em pleno ar, É assim que um homem como eu te almeja, Subo no pico de um penhasco e dou um salto, E você nunca me verá em queda livre vacilante, Nunca me verá com medo de me afogar, Não será suficiente para mim você me observar, Não será suficiente para mim você me enquadrar, Não será suficiente para mim você me fotografar, Não será suficiente para mim você me revelar, É assim que você quer que eu te veja, Você é um vento que sopra forte, Risca a noite com raios, Troveja e faz o céu estremecer, Ruge como uma tempestade de se enfurecer, E me encontra no vazio do meu querer, É assim a mulher que um homem deseja, Você salta do alto da vida para a morte, Nunca verei você fazer ensaios, Nunca verei você arrefecer, Não será suficiente para você um mundo sem mudança, Não será suficiente para você um mundo só de esperança, Não será suficiente para você um mundo que não avança, Não será suficiente para você um mundo sem andança, É assim que quero viver, É assim que eu quero que você viva por nós, Sou um sol que brilha para iluminar, Sem precisar arder, Sem precisar proteger, É assim o homem que uma mulher quer ter, É assim que o mundo quer nos ver a sós, Subindo até o último degrau até nos desequilibrarmos, Até escorregarmos, Até cairmos e nos despedaçarmos, Não me basta ser apenas um homem sobrevivente, Não me basta ser apenas um homem inteligente, Não me basta ser apenas um homem valente, Não me basta ser apenas um homem suficiente, É assim que quero minha mulher, É assim que quero que você me veja como uma miragem, Sou névoa de ansiedade para ver o dia raiar, Que cai da escuridão até a manhã orvalhar, Até o sol dissipar, É assim que você me quer, É assim que você quer registrar minha imagem, Na monocromia de seu olhar, E assim que você quer me amar, Não será suficiente para você não parar de fazer amor, Não será suficiente para você absorver todo meu calor, Não será suficiente para você me fartar com seu ardor, Não será suficiente para você fazer sexo com muita dor, É assim que você quer ser, É assim que você quer que eu te veja, Sou um cachorro vira lata longe de casa, E você nunca me verá voltar, Nunca me ouvirá ladrar, Nunca me verá mendigar, É assim que você quer me ter, É assim que uma mulher como você me almeja, Me jogo do alto de uma montanha sem ter asa, E você nunca me verá desmaiar, Nunca me verá acabar, Não será suficiente para mim pousar para o teu olhar, Não será suficiente para mim olhar para seu andar, Não será suficiente  para mim andar no seu caminhar, Não será suficiente para mim caminhar no seu lugar.



AMOR DOCE AMOR

Doce madrugada
Viajo cantando com as estrelas
Indo de encontro à minha amada
Levando rosas vermelhas
Doce alvorada
Recebe-me com céu ensolarado
Levando-me aos degraus da escada
Por onde descerá um anjo encantado
Doce meio-dia
Emociono-me com sorriso tão sincero
Enchendo meu coração de alegria
Dando-me mais meiguice que espero
Doce entardecer
Dirijo segurando a mão dela
Com um olhar lindo de morrer
Não sei qual feição é a mais bela
Doce noitada
Durmo com ela banhado pela lua
Com você já estou casada
E eternamente serei sua
Doce amanhecer
Acordo cantando com os passarinhos
Recostada no peito de meu benquerer
Extasiada de tantos carinhos
Doce dia
Em lua de mel com o amor de minha vida
Sempre sonhei que esse tempo chegaria
Para reconciliar minha alma sempre dividida
Doce tempo
Só agora Deus marcou nosso encontro
Sem jamais inquietar meu alento
Porque nascemos um para o outro
Doce amor
Louvado seja quem escolheu você para mim
A espera compensou e foi indolor
Agora estamos juntos até o fim




SÓ VOCÊ


Só você  foi capaz de me levar ao desespero para excomungar todo meu destempero, Cair de joelhos e me esfolar, Deixar o sangue para cada lágrima estancar, 

Agora faça de mim o que quiser, O que puder, Nem tudo o que eu desejar, Nem tudo o que você pode dar, 

Ontem fui o filho pródigo que saiu para esbanjar e voltou sem nada para ofertar, Desnudou-se e tremeu de frio, Rangeu todos os dentes para cada acesso febril, 

Outrora me mimaram e me melindraram,  Elevaram-me num pedestal para me endeusar, Deixaram o apogeu para cada prosélito aclamar,  

Agora tirem de mim o que quiserem, O que puderem, Quase nada do que sobrou, Quase nada do que sou, 

Hoje sou a ave queimada em ruínas sempre renascendo das próprias cinzas, Ainda de asas pesadas para poder voar, Escorrendo lágrimas para cada gota de sangue expurgar, 

Só você  foi capaz de não arredar o pé até renovar minha fé, Cair de joelhos para me fazer companhia, Compartilhar minha dor para desatar minha sangria, 


Agora deixe-me com o que mereço, Com o que careço, Com quase todo seu penhor, Com quase todo seu amor.  


CARTA DE AMOR

Sempre te amarei à feição do universo, Silente nas palavras e fulgurante no olhar, Inspiração para te escrever um verso, Incitação para te beijar, Sempre te amarei ao brilho de uma estrela, Com o calor intenso de uma gigante anil, Com o esplendor de uma supernova vermelha, Filetes luminescentes que escorrem de seu toque feminil, Sempre te amarei à luz do sol, Na toada de uma prece na meia-luz crepuscular, Na carícia da aurora ainda tenra sob o lençol, Na vontade de nunca mais te largar, Sempre te amarei à flor da terra, Iluminada pela lua que nos enamora, Acumpliciada com a paixão que nos encerra, Com um abraço que te aperta e um beijo que se demora.


SORTE 

Ô vida de uma figa, Será que preciso por um raminho de arruda por detrás da orelha? Para acabar com este fastio que me fatiga? Carregar esta mão fechada na minha pulseira? Ando cansado de derrotas, E agora estou prestes a perder algumas dessas pobres mulheres que se consideram felizes quando fracassados as levam às veredas das vergonhas, Preciso de um patuá para me ajudar a encontrar minha rota, Preciso encontrar meu trevo de quatro folhas, Ô vida dura, Será que preciso por um pé de coelho no meu chaveiro? Um espelho na porta junto com uma ferradura? Para um dia encontrar um amor verdadeiro, Ando cansado dos dias sem vencer, E agora estou prestes a perder algumas dessas noites em claro que se consideram felizes quando virtuais as levam às veredas das ilusões, Preciso da mão de Fátima para acreditar que alguém está a me escrever, Preciso bater na madeira para que ela mantenha as comunicações, Ô vida cheia de surpresa, Foi um elefante indiano que me permitiu ouvir sua voz? Foi um olho grego que me permitiu ter a certeza? De que ela me enviou seu retrato e disse que um dia quer me ver a sós?  Ando cheio de iniciativa, E agora estou prestes a ganhar alguns quilômetros dessas longas estradas que se consideram felizes quando apaixonados as levam às veredas das mudanças, Preciso de São Jorge para me ajudar a corresponder à sua expectativa, Preciso do Senhor do Bonfim para me ajudar a não perder as esperanças, Ô vida benfazeja, Foi o Senhor dos ventos que atendeu ao pedido de todo homem à procura da mulher ideal? Foi a joaninha que apareceu para a mulher que todo homem deseja? A mulher que traz consigo um olhar compenetrado sem igual, Ando cheio de sorte, E agora estou prestes a ganhar alguns beijos desses doces lábios que se consideram felizes quando o amor abre as portas que levam às veredas dos corações, Já não preciso fazer nenhuma promessa para amar esta mulher até a morte, Ô vida auspiciosa, acabastes com todas minhas lamentações.




PALINDROMIA E POLICROMIA



Hoje quero recordar de um único dia que nunca se perde no tempo, Lembrá-lo 13 anos depois, e ainda neste ano que termina com a dezena 13, pode dar um duplo azar se eu me mantiver apegado a crendices e ainda lembrar que foi numa sexta-feira, a menos que, neste momento de reflexão sobre minha presunção artística, sempre insegura com as seguidas recaídas de minha fé e sincretismos religiosos, eu me conserve um calculista, no sentido aritmético da palavra, e, parodiando o matemático Neil Sloane e inventando-lhe um gosto supersticioso, asseverar que os dois juntos, tal qual dois negativos somados, resultem em positivo.


Mas se eu fosse, de fato, afeito a estes agouros tirados de fatos puramente fortuitos e temesse que nossa diferença de 13 anos fosse mais um mal presságio, ainda assim eu procuraria racionalizar uma compensação na sua confissão de que sua idade era maior que o dobro desta diferença. E, abusando prazerosamente da redundância, na verdade, para mim já não fazia diferença se a diferença fosse de 13 ou 23. E para aumentar ainda mais o hiperbolismo, coincidentemente a soma dessas duas diferenças era sua verdadeira idade. Ao lembrar-me daquele dia, ainda conservo sua imagem monocrômica, mas agora quero acrescentar-lhe algumas cores e outras numerologias. Antes, porém, quero recordar a monocromia que lhe dediquei no ano 10 de nossa união:


É assim que quero que você me veja, Sou um pássaro que voa alto, E corta o solo numa rasante, Sem nunca precisar pousar, Sem nunca precisar plainar, E te busco em pleno ar, É assim que um homem como eu te almeja, Subo no pico de um penhasco e dou um salto, E você nunca me verá em queda livre vacilante, Nunca me verá com medo de me afogar, Não será suficiente para mim você me observar, Não será suficiente para mim você me enquadrar, Não será suficiente para mim você me fotografar, Não será suficiente para mim você me revelar, É assim que você quer que eu te veja, Você é um vento que sopra forte, Risca a noite com raios, Troveja e faz o céu estremecer, Ruge como uma tempestade de se enfurecer, E encontra no meu vazio o meu querer.


É assim a mulher que um homem deseja, Você salta do alto da vida para a morte, Nunca verei você fazer ensaios, Nunca verei você arrefecer, Não será suficiente para você um mundo sem mudança, Não será suficiente para você um mundo só de esperança, Não será suficiente para você um mundo que não avança, Não será suficiente para você um mundo sem andança, É assim que quero viver, É assim que eu quero que você viva por nós, Sou um sol que brilha para iluminar, Sem precisar arder, Sem precisar proteger, É assim o homem que uma mulher quer ter, É assim que o mundo quer nos ver a sós, Subindo até o último degrau até nos desequilibrarmos, Até escorregarmos, Até cairmos e nos despedaçarmos. 


Não me basta ser apenas um homem sobrevivente, Não me basta ser apenas um homem inteligente, Não me basta ser apenas um homem valente, Não me basta ser apenas um homem suficiente, É assim que quero minha mulher, É assim que quero que você me veja como uma miragem, Sou névoa de ansiedade para ver o dia raiar, Que cai da escuridão até a manhã orvalhar, Até o sol dissipar, É assim que você me quer, É assim que você quer registrar minha imagem, Na monocromia de seu olhar, E assim que você quer me amar, Não será suficiente para você não parar de fazer amor, Não será suficiente para você absorver todo meu calor, Não será suficiente para você me fartar com seu ardor, Não será suficiente para você fazer sexo com muita dor. 


É assim que você quer ser, É assim que você quer que eu te veja, Sou um cachorro vira lata longe de casa, E você nunca me verá voltar, Nunca me ouvirá ladrar, Nunca me verá mendigar, É assim que você quer me ter, É assim que uma mulher como você me almeja, Me jogo do alto de uma montanha sem ter asa, E você nunca me verá desmaiar, Nunca me verá acabar, Não será suficiente para mim pousar para o teu olhar, Não será suficiente para mim olhar para seu andar, Não será suficiente  para mim andar no seu caminhar, Não será suficiente para mim caminhar no seu lugar.


Nunca foi suficiente para você apenas me encontrar. Nunca foi suficiente para você saber que eu queria você para casar. Nunca foi fácil para você saber se estava apaixonada. Nunca foi fácil para você saber se nossas fantasias seriam materializadas. E você sempre teve razão ao dizer que eu era desde então até hoje mais maluco que você. Eu digo hoje para mim mesmo que este é um mundo muito doido para um sujeito tão anormal como eu à procura da mulher ideal. Este é o mundo dos que acreditam que 13 dá azar porque na última ceia de Jesus havia 13 pessoas e porque ele morreu numa sexta-feira. Eu compartilho minha maluquice com todos estes insanos, lembrando-lhes que Pilatos assumiu a procuradoria na Palestina no ano 26, dia de nosso aniversário, e foi exilado em Viena no ano 36, sua verdadeira idade quando te conheci. Os 10 anos que separaram sua idade verdadeira da irreal são os mesmos que separaram Valério e Marcelo da procuradoria de Pilatos.



Naquela sexta-feira 26 te recebi pela primeira vez com rosas vermelhas, a cor símbolo fundamental do principio da vida, com sua força, seu poder e seu brilho. Enquanto você as segurava, seus olhos castanhos as contemplavam com a profundeza de seu azul que nelas mergulhava sem encontrar qualquer obstáculo, perdendo-se até o infinito, como diante de uma perpétua fuga do imaterial. Enquanto você as admirava, palpitava dentro de mim impetuosidade, intensidade, paixão aguda até a estridência, a ardência do amarelo difícil de ser atenuado e que extravasa sempre dos limites em que o artista tenta encerrá-lo. E entre a sua espiritualidade azul e minha impulsividade amarela, reina hoje o verde das interferências cromáticas. As rosas vermelhas que lhe dei desabrocharam entre minhas folhas verdes.


No final das contas, somos malucos fora da curva porque nosso número 26 é mágico. É o número positivo que neutraliza dois números treze negativos. É o único número inteiro maior que um número elevado ao quadrado (5= 25) e, ao mesmo tempo, menor que um elevado ao cubo (33 = 27). O Rhombicuboctaedron inventado por Leonardo da Vinci tem 26 lados. Quando um cubo de 3x3x3 é montado a partir de vinte e sete unidades de cubos, 26 deles são partes visíveis das camadas exteriores dos cubos. Na base 10 de nossa matemática e da diferença de suas duas idades, o 26 é o menor número que representa a raiz quadrada de um palíndromo. A raiz quadrada do palíndromo 676 é 26.




TUDO O QUE VOCÊ QUISER
Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche) 

Toda uma vida vivida, Todo um trabalho de Sísifo redobrado, A pleno fulgor, Todos os amigos de semideuses, Todos os sois translúcidos e unidos, Ainda me dado a ver, Renascendo, São seus, Todas aquelas colossais águas, Descendo, Por sendas destorcidas, Do alto de cachoeiras para o infinito, Entre sortilégios tão indecifráveis, Quão eterno instante de ventura, Adorado seja, Devolvo ao seu olhar, Todos os luares correndo as horas sobre suspiros, Doces como prelúdios de harpa, Sobre a singeleza de seu corpo, Mais leve que uma folha de magnólia, Caído do céu na noite desfeita em estrelas, Lua de junho argêntea nos campos, Brancura de luz das manhãs silenciosas, Devolvo à sua lembrança, Todo frio susto que corre pelas minhas veias, Todo meu fogo que arde em febre sem se ver, Tudo que me acalma e me endoidece, Que me eleva e me abate, Te dou, Com o coração na mão.



OUT OF THE BLUE
 
Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Não sei de onde brotam tantas ideias, Inéditas, Súbitas e intrometidas, Só podem ser do conhecimento absoluto, De entrada franca, Com programação imprevisível, Ouse o terapeuta subtrair uma gota de seu conteúdo a algum sonho seu recorrente e perturbador, E ele inunda o minúsculo espaço deixado vazio com um mar que transborda seu inconsciente, Atreva-se a enxota-lo, E ele te emoldura num carrossel, Vem e Vai, E quando passa pelos seus olhos, É Sempre nada de nada do que faz sentido, E, às vezes, Com palavras simples assim vindas de uma mulher: Oh meu amor, Sou sua fada, Vindo do nadaCom todo fervor, Meu deus da sincronicidade, Que prepara misteriosos elementos psicóides na natureza para unir as partes estranhas umas às outras para me impressionar com coincidências, Por acaso você já me deu alguma ideia que não tenha sido por acaso? Porventura é você que faz um disco voador surgir e desaparecer do nada? Como se ele tivesse se perdido e entrou pela porta errada? E as ilusões? É você também quem as engendra? Como o espírito daquele homem  pelado que apareceu no banheiro de meu quarto? Será que ele apenas se esqueceu por uns instantes que está morto e resolveu tomar um bom banho de ducha que só se encontra num hotel cinco vezes estrelado? Ou tem ele consciência que faz parte do nada e, de vez em quando, passeia pelo mundo? Bem sei que o louco não sabe que é louco porque nunca conheceu a sanidade, E que o morto não sabe que está morto porque não sabe o que era antes de existir, Fico pensando nos sonhos que me levam a lugares onde nunca estive e para os quais nunca atinei, E depois eles coincidem com a realidade e me deixam, Quando nada, Atônito com as verdades que eles me revelam, Do presente, Do passado, E do futuro não tenho como provar, Para não faltar à verdade, A bordo de uma de suas casualidades, Um navio graneleiro chamado internet, Veio esta linda mulher que se senta ao meu lado, Como um mimo que um potentado manda a outro, E ela, parafraseando Graciliano Ramos e Lígia Fagundes Teles, Acende a fogueira, Mesmo cercada de ar forte demais, Meu fogo atiça, Me acolhe como uma brasa ardendo na infelicidade e na preguiça, Resolve meus problemas existenciais, e emenda:
Oh meu amor, Homem com alma de mulher, Grande intelectual filosofando sobre a existência, Quão difícil é acompanhá-lo em reflexões tão profundas, Encontrou ocasião para trocarmos impressões sobre a oportunidade da vida e sobre o potencial do espírito na transcendência possível a cada patamar evolutivo, E de minha parte, Você já sabe, Eu era uma rocha ressurgindo à flor das águas, E com gestos simples e admiráveis, Você apanhou-me como uma mosca fulgurante, Curioso de me examinar e de me amar, Sem nunca me perguntar quantos homens descarregaram suas frustrações entre minhas pernas, Entrou para minha vida factícia de 26 anos, Com todo seu ardor, Abandonando seu pequeno mundo preso a encruzilhadas, Sem medo de ter medo, Com a certeza de recomeçar onde tudo lhe era pouco conhecido, Oh meu amor, Não chame isto de sorte de bilhete de loteria, Nem de geomancia, É nada dos nadas para sua valentia, Você é meu contato imediato do terceiro grau, A minha vez na vida e outra na morte, Meu sonho revelador, Meu encosto redentor, Come my love, With your desire, Out of the blue, And into the fire.