Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)
Sou, Antes de tudo, Uma Tudor,
Depois uma Grey, E uma protestante sempre, Daqui uns três anos, Quando eu tiver
uns 16 anos, Serei transformada no protótipo da heroína perseguida, O supremo
exemplo do peão no jogo político do xadrez, Um fenômeno intelectual, Uma mártir
inculpável, Frequentemente compadecida, Raramente criticada, Jamais censurada,
Mas quero lhes falar agora, Nos meus 13 anos de idade, Não meramente como uma
figura inocente e de dar dó, Pois anos mais tarde participei ativamente das
revoluções que levaram às reformas de meu país, Quero vos falar de dentro de
meus aposentos nos quais adentra um amigo da família e me pergunta porque estou
lendo o divino Fédon de Platão enquanto todos os demais estão nos bosques
caçando raposas, Oras, creio que os esportes que eles praticam não passam de uma
sombra do prazer que encontro em Platão, Ai, Meu bom amigo, Eles nunca sentiram
o significado do prazer, E meu amigo volta a me perguntar o que me levou a esse
verdadeiro conhecimento do prazer, Como ele seduziu uma menina de apenas 13
anos, Considerando-se que raríssimas mulheres e poucos homens conseguem chegar
até ele, Então resolvo lhe contar, Contar-lhe uma verdade que vai aturdi-lo, Um
dos maiores benefícios que Deus me deu foi enviar-me ao mundo através de pais
mordazes e cruéis, Mas com um tutor gentil, Então meu amigo, Quando estou diante
de mãe ou pai, Se falo ou se fico calada, Se sento ou fico de pé, Se como ou
bebo, Se estou alegre ou triste, Se costuro, Brinco, Danço ou se faço qualquer
outra coisa, Tenho que faze-lo na mesma medida, No mesmo peso, Na mesma
quantidade, Com a mesma perfeição de Deus ao criar este mundo, E mais ainda,
Muitas vezes sou tão bruscamente provocada, Tão cruelmente ameaçada, E às vezes
exposta com beliscões, Esfregões, Socos e outras agressões cujos nomes vou
omitir por honra a eles, E assim me sinto de tal forma agredida e insultada sem
limites que me vejo dentro de um inferno, Até que chega a hora de minhas aulas com meu tutor, Que me ensina com gentileza, Com prazer, Com tão sublime sedução
pela educação que nada mais tem sentido para mim enquanto estou aprendendo com
ele, E quando a aula termina, Eu choro, Porque o que tenho que fazer fora de
meus estudos torna-se um verdadeiro pesadelo para mim, Portanto este livro que
tenho em mãos é meu bálsamo, Minha única fonte de prazer, Um prazer que se
multiplica a cada dia, Transformando os demais prazeres da vida num verdadeiro
fardo para mim, Uma desmedida trivialidade, Então, Meu amigo, daqui a 3 anos e
meio, Aos 16 anos, Serei coroada rainha da Inglaterra, E reinarei por apenas 9
dias, Até que as intrigas entre famílias, A defesa da religião que mais apraz
Deus, Os interesses estrangeiros em meu país, Me destronarão e me levarão à
morte, Com a cumplicidade de meus pais que me venderam, Então serei devolvida a
Deus sem minha cabeça, Mas com minha consciência intacta, Oh meu amigo Platão,
Como seu divino Fédon falava tanta verdade, Pois certos sempre estiveram aqueles
que na Grécia antiga eram adeptos dos Mistérios, Porquanto muitos são os
carregadores de tirso, Mas poucos são os bacantes, E uma vez que você sempre
conheceu minha verdadeira identidade, Meu Deus, sabes que jamais desejei ser sua
eleita, E seja qual for a punição que você deseja me impor para que eu pague
pela minha insolente intelectualidade, Tire-me tudo e, Se possível, deixe-me
apenas com um livro, Não mais a Bíblia, Mas um livro de Platão, E se minha
petulância foi tão insultante a ponto de merecer o mesmo inferno que vivi na
terra, tire de mim a capacidade de pensar e refletir e transforme-me numa
raposa.