Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
Mulher, Não posso aceitar a irrogação de pecha de
sandeiro, Sim, Concordo, Sandeiro é um neologismo pra lá de mixe, Pior que
sandejeiro, Mas não pense que vou baixar meu fogo, Quer você queira me ver como
um indivíduo de difícil convívio, Ou um gênio complicado, Um gênio tal qual luz
que de tão forte fascina e ofusca sua carência e sua dependência de minha
atenção, Conforme-se, Mulher, O mundo verga os joelhos, Ansioso, Suplica à terra
e ao céu, Para que tudo que é dito e escrito tenha pé e cabeça, Para que tudo
faça sentido, Mas eu cuido apenas dizer-lhe o amor que me tortura, O amor que a
exalta e a pede, A chama e a implora, Então, Minha querida, Deixa de ser o bom
senso que me puxa as orelhas, Que se irrita, Como se eu fosse um cheiro
amoniacal, Acre e forte, Dentro de suas narinas, Que estrago suas noites,
Enquanto você boceja sobre os poucos in-fólios que dou-me ao trabalho de te ler
para que percebas quantas lágrimas de tristeza estanco nos recônditos de minha
solidão, E ainda assim, Você quer me impor dois castigos, Ajoelhar no milho por
duas horas, Seu preferido, Dói no joelho, Mas cura a dor da alma, E revela minha
unicidade, Que você acha que não reconheço, E não valorizo, E de onde você tirou
a ideia que tento comprar a amizade de meus filhos com bens materiais? Nenhum de
meus sacrifícios conta? Ego autem in innocentia mea ingressus sum: redime me, et
miserere mei, Ah, Agora você me lembra que o que me disse no inicio de nossa
conversa foi sendeiro,
Sendeiro? Você quer dizer que sou um sujeito desprezível por meu servilismo?
Você não estaria referindo-se às dimensões extensas dos muitos universos para os
quais você não atina? Ah, Sim, Você atina para alguma coisa, Para sua nora
nissei que se preocupa com os japoneses que estão muito silenciosos, Comendo
pelas beiradas, E que nunca esquecerão o que os americanos fizeram com Hiroshima
e Nagasaki, Mas, Perdão, Sua nora ainda não percebeu que calados são os
chineses, Que nunca esquecerão o que os japoneses fizeram com eles na segunda
guerra mundial, Pode apostar em qualquer casa de Londres, Eles tomarão toda a
Ásia de roldão, E em um século mais, O resto do planeta, Alienação não lhe trará
alívio, E fora da caridade sempre há salvação, Mas você se vitima, Diz que abriu
mão do carro que tinha simplesmente porque dirigir é algo que não condiz com seu
modo de ser, E se desloca horas madrugada adentro só para falar comigo, Para me
dizer que deseja ser freira fora do convento, Para me dizer que se entristece
quando desce de um avião, Que quer viver no ar, Então vá voar nos barrancos das
nuvens e flori-los com requinte excessivo de um hábito preto sempre na moda,
Quem sabe você esquece que nossos corpos não são emprestados? Que nascemos e
morremos uma única vez? Mas você insiste em se lamentar, Deve
haver algo mais, Não podemos estar simplesmente largados aqui à nossa própria
sorte,
E o pior é que estamos, Não só neste universo, Porque eles são incontáveis, Os
teus só de dimensões paralelas que viajam na maionese, Os meus guiados pela
lógica, Pela razão, Desprovidos da mistificação do significado da vida, E então,
Agora vai me dizer qual é o segundo castigo? Eu
não gosto de água, Mas te levo de barco em alto mar, Invoco uns amiguinhos que
só eu conheço, Você se atira na água, Junto a eles, Tubarões, Nada até a praia
na companhia deles, Morrendo de medo, E quando você pisa em terra firme, Você
descobre quem realmente é, Duvido que algum dia saberei quem realmente sou, Mas
concordo com você: Deve haver algo mais, E não seremos nós que descobriremos, Um
dia seremos encontrados.