Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98
Encontraram água em Marte, Disse um homem ao outro, Apertando os lábios e erguendo as sobrancelhas, O outro apenas meneou a cabeça leve e afirmativamente, Os dois sentavam-se em bancos altos diante do balcão de um bar e, Para dar valor aos clichês de alambicados poetas de meia-tigela, Estavam num bar para afogar as mágoas, Consumindo etílicos e, Para manter-se fiel aos chavões, Consumindo sentimentos de culpa e diluindo pesos na consciência, Ambos estrangeiros, Como o personagem de Albert Camus, Um mais, O outro menos, Um pai de uma jovem viciada em drogas, O outro fabricante de metanfetamina, Compartindo suas desgraças, Mas não seus segredos, A distância física que os separava, Neste encontro casual, Era diminuta, A sincrônica mais significativa que pudessem imaginar, Um assunto para Carl Jung, Um remoía o que poderia ter feito para evitar a falência da filha por overdose, E quantas pessoas ele levaria, E não sabia, À morte, Por levar ao trabalho o parafuso em que entrou, Na mente do outro voavam pensamentos sobre a família que perdeu, E a peça teatral que escreveu no purgatório, O Traficante, A Prostituta E A Freira, Sobre um, Nada mais havia para dizer, Somente a ruína final que leva ao inferno, De livre vontade, Por falta de discernimento e, Para não perder de vista os provérbios reles, Por falta de esperança que morre por último, O outro limitou-se a aceitar a água de Marte como dissimulação por falta do que mais falar, E continuou dissimulando: Também encontraram um mar na Europa, uma lua de Júpiter, Um pensava que iria encontrar a filha no céu, O outro não tinha nada a perder na terra.