terça-feira, 9 de julho de 2024

AQUA VELVA


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Escrito em Abril de 2013

O dirigente da escola é uma assombração que sempre aparece num dia de espanto, É uma toupeira mental, Beligerante com a cidadania, Capacho quadrado da ditadura, Carrasco pós era da ajoelhação no milho, Do burro no canto frontal da sala de costas para a classe, Dado a sentar a pua naqueles que se mostram contrários às suas regras, Incentivador dos professores a colocar rebeldes num corredor polonês, Pagar irreverências com um número excessivo de abdominais, Pagar faltas com um número excessivo de páginas com a mesma lição, Com o mesmo desenho, Com os mesmos números, Que torturam, Mas não ensinam, Castigos dos quais ninguém está livre, A não ser da perseguição aos comunistas porque somos jovens demais para fazer política, Mas a efervescência da juventude causa ciúmes e afronta moral, E se vê obrigada a estudar com calças bregas e largas e cabelo americano curto, E Pete diz que esta gente lhe faz sentir diminuído com sua simples presença, Lhe faz querer morrer antes de envelhecer, Esta gente me faz sentir jubilado, Mas tenho medo da morte e esnobo-a vaticinando que chegar aos 60 já está bom demais, E com as periquitas não é diferente dentro da instituição, Mas fora dela elas são minas de 16, Passando por 26, Forradas de meia de seda goela abaixo, Regurgitando baforadas de Holywoods, Ministers e Bagulhos, Soluços de Cuba Libre e Hi-Fi, Tentadores esconderijos de sexo, Lançadoras de perfumes para cheirar, De minissaias generosas, Acompanhando-nos nos jogos e nas baladas, Mas John e Paul ficam tristes porque a menina de preto gosta de outro, E eu, como Pete, Não me importo se a minha está dançando com meus amigos, Posso sair à  luz, Deixá-la com a turma, The kids are alright, São psicodélicos, E com ela está tudo tudo azul, Nos olhos, Nos cabelos, Nas roupas, Na Aqua Velva, Por isso espero que os deuses se esqueçam da minha insolência, Como se esqueceram da de Pete, Pois já cheguei aos 66, Continuo nos 60, E quero morrer só depois de mais envelhecer, Ainda quero perder o juízo nos ônibus das 19:15, E falar como Pete falava ainda antes dos 40, Ando, Não corro, Falo manso, Não saio atirando, Nem voando, Cambaleio, Mas não choro, Te cozinho, Mas não te abuso, Apenas te olho, Mas não te escancaro, Não te canso, Te trilho, Aperto o passo, Sinto dor, Me exercito, Sem pressa, Patético, Sem musculatura, Salto, Mas não danço, Baqueio, Mas me seguro, E no fim acabo te pegando, Mina, Porque minha geração ainda não acabou, Quem é dos 60 merece ir até os 69, Até de ponta cabeça, E, Quem sabe, Os super poderosos do Supremo continuem esculachando a constituição, se distraiam e me invertam para 96!




I´M GONNA GET YA ANYWAY!



THE HEADMASTER RITUAL by THE SMITHS
[Verse 1]
Belligerent ghouls
Run Manchester schools
Spineless swines
Cemented minds
Sir leads the troops
Jealous of youth
Same old suit since 1962
He does the military two-step
Down the nape of my neck
[Chorus 1]
I want to go home
I don't want to stay
Give up education
As a bad mistake
[Verse 2]
Mid-week on the playing fields
Sir thwacks you on the knees
Knees you in the groin
Elbow in the face
Bruises bigger than dinner plates
[Chorus 2]
I want to go home
I don't want to stay
[Verse 3]
Belligerent ghouls
Run Manchester schools
Spineless bastards all
Sir leads the troops
Jealous of youth
Same old jokes since 1902
He does the military two-step
Down the nape of my neck
[Chorus 3]
I want to go home
I don't want to stay
Give up life
As a bad mistake
[Verse 4]
Please excuse me from gym
I've got this terrible cold coming on
He grabs and devours
He kicks me in the showers
Kicks me in the showers
And he grabs and devours
[Chorus 2]
I want to go home
I don't want to stay

À ESPERA DE GODUFO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Matilda era impulsiva, volúvel e da cor amarela indomável que rechaça todo tipo de atenuação e transborda da tela onde o pintor tenta enclausurá-la com outras nuanças. Ia de um extremo a outro, de borboleteira a beatlemaniaca. Com a mesma inflexibilidade da cor da gema que substituiu os besouros bretões pelas borboletas tropicais, Matilda abandonou estas últimas bisonhamente emolduradas nas paredes de sua casa e passou a perseguir óvnis, estes objetos não identificados chamados discos voadores. A escolha dessa nova presa deveu muito ao livro de Eric Von Daniken, Eram Os Deuses Astronautas, que abriu novos horizontes perdidos para Matilda, e do segundo livro desse autor, As Provas De Daniken, para o primeiro sobre os misteriosos óvnis, A Verdade Sobre Os Discos Voadores, de Donald E. Keyhoe, foi um salto rápido e previsível no abismo. Em menos de dois anos, Matilda já era bem versada sobre o assunto e ainda teve um contato imediato do terceiro grau com o Dr. Allan Hynek, um astrônomo considerado a autoridade mais respeitada da época nos meios da mais nova pseudociência e que trabalhou quase duas décadas num projeto secreto da força aérea da terra dos libertos chamado livro azul que tinha por objetivo investigar se alguém ou alguma coisa estava invadindo o espaço aéreo americano. O encontro com o criador das primeiras categorizações ufológicas e que foi convidado por Steven Spielberg como consultor no seu filme ET, ocorreu em São Paulo, e no terceiro e último dia das palestras deste renomado ufólogo, Matilda conseguiu abordá-lo nos bastidores para lhe pedir um autógrafo e não perdeu a oportunidade para fazer a clássica pergunta de quem deseja acreditar em algo, mas que precisa de um ser superior para sancionar sua nova crença: Sim, eles existem, mas eu estaria mentindo se eu lhe dissesse de onde vêm, pois ninguém sabe nem mesmo o que eles são, respondeu o Dr. Hynek. A resposta não contribuiu muito para as expectativas messiânicas de Matilda, mas não impediu os seus esforços jesuíticos de catequização tal qual a primitiva igreja cristã que prometeu aos seus fiéis que a sua geração testemunharia o retorno de Jesus, mas como ele não apareceu, tratou de preparar suas comunidades para uma segunda vinda do cristo num tempo a perder de vista e a recomendar prudência e vigilância porque ninguém mais sabia o dia e a hora do temido dia da volta do filho do deus terráqueo. Ainda que esse deus assim como os alienígenas permanecessem em seus altivos pedestais e fora do alcance dos olhos de Matilda, esses óvnis pareciam estar dando sinais de aproximação a várias pessoas em todo o mundo e o que causava fascínio em Matilda era o fato de ainda não se saber, oficialmente, o que eles eram e isso a impelia a fazer prosélitos pelo simples prazer de impressionar as pessoas e não necessariamente para suprimir suas próprias incertezas mediante a propagação de suas ideias. Matilda sempre era movida por desafios e novidades e os óvnis eram um modismo que a fez se sentir tão próxima de deus como nunca estivera antes. Ela passou a nutrir sentimentos de grandiosidade, desejosa de ser uma pessoa diferenciada e privilegiada, detentora de uma revelação a ser dividida com poucos e pregava como um João Batista preparando o caminho dos seres cinzas e endireitando suas veredas para o encontro final. Para manter o astral elevado, Matilda vivia cantando a música Calling Occupants Of Interplanatery Craft, dos Carpenters, reconhecida pelos novos cultistas como o hino oficial do dia mundial do primeiro contato entre os símios do planeta terra que andam sobre duas patas e os ultra-emissários interplanetários. Mas Matilda não se contentava em confinar seu ímpeto precursor numa área tão distante e isolada como a ribeira do Jordão e ampliou suas audiências perigosa e pateticamente para todas as esferas sociais. No primeiro dia de seu novo emprego, ela ocupou os noventa minutos do horário do almoço fazendo uma síntese do fenômeno ufológico e deixou suas novas colegas indagando como ela teria conseguido passar no exame psicotécnico. No velório de sua avó ela conseguiu roubar a atenção de uma rodinha de contadores de piadas por quase duas horas. Com o passar dos anos e com os óvnis cada vez mais mostrando indícios de que eles não eram projeções das mentes humanas, mas, ao contrário, os humanos eram as projeções deles, o interesse de Matilda pelos extraterrestres passou para um segundo plano, diminui, esmaeceu, descorou aos poucos, assim como o amarelo que segue sua tendência natural ao claro e guarda uma afinidade intensa e física com o branco, como bem observou o artista e teórico abstrato Wassily Zandansky. A volatilidade de Matilda a levava a migrar para qualquer tom, sem baldeações e sem gradações, com a mesma disposição que ela tinha para sair de um estado de profunda melancolia para outro de puro êxtase. Sua inclinação à alvura, em particular, era ambivalente, como o positivo do retrato de sua alma, mas negativamente carregada de todas as misérias humanas resgatadas de volta a uma caixa de Pandora, e recomposta de todas as cores do espectro devolvidas à sua fonte original através do mesmo prisma que as separaram, transformando-o na cor que não representa apenas a ausência de cores ou a soma de todas elas, mas também uma contraposição ao nada que é gelado, escuro e assustadora e desproporcionalmente maior do que o insignificante todo para o homem, essas pedrinhas luminosas e solitárias que salpicam o breu sem-fim. Matilda se desviava para o branco não porque ela fosse pura, pois nem mesmo seus terapeutas tinham acesso ao seu lado sombrio, e nem porque fosse uma pacifista por convicção, mas por conveniência, pois sua apologia a não violência era apenas um simulacro para camuflar sua paura, daí o fato de sua face parecer estar invariavelmente pálida de sobressaltos. Ao sabor das monções e em atrito com infortúnios, Matilda empreendia odisseias como um Ulisses retirante, instigada a sair em busca de aventuras, como se o destino não permitisse que sua vida tivesse interstícios ou sofresse solução de continuidade, sempre lhe aflorando uma nova veneta logo que uma velha começasse a minguar. Por onde andava Matilda ainda carregava consigo seu acervo de relatos sobre visitantes de outros cantos do universo e quando a ocasião se oferecia, por estar na entressafra e por falta do que falar, ela entortava novos incautos com as mesmas histórias, agora não mais com o mesmo entusiasmo amarelo e contagiante, mas apenas com uma centelha esbranquiçada e nada interessante. Um desses novos imprudentes não se empolgou nem um pouco com suas fábulas, mas se apaixonou por ela e logo se tornou seu novo cristo, mais tarde apelidado por Matilda de Mensageiro da Enganação, um nome inspirado no título de um livro do ufólogo Jacques Vallee. Como acontece com todos os filhos do homem, Matilda passou por várias fases na vida, cada uma delas de duração variável e marcada por uma profusão de opiniões, interesses, vícios e credos que são despudoradamente jogados na privada de tempos em tempos deixando menos vergonha do que fedor. Mas Matilda sempre precisou de um eixo em torno do qual suas manias efêmeras e cíclicas pudessem orbitar elipticamente como um asteroide que não se importa quão longe ele possa às vezes estar de sua estrela mãe contanto que ela permaneça sempre lá, no mesmo lugar, sempre lançando luz sobre sua trajetória e mantendo sua cauda alinhadamente para trás tal qual seus cabelos acariciados pela brisa do mar. Este centro gravitacional era um ponto de referência, um alguém que estivesse à sua altura em termos relativos, e abaixo dela e de deus em termos absolutos. Um tipo de guru não charlatão que desse mais do que validez às suas opiniões e ainda se prostrasse aos seus pés como uma divindade submissa. Não um líder que escolhesse sua meta e a conduzisse até ela, non ducor, duco, ou um conselheiro que sugerisse mudanças nos seus planos, ou um guia ou um orientador que lhe mostrasse o caminho, mas apenas uma diva que tivesse pelo menos algo em comum com ela, que tivesse um conhecimento geral aparentemente parco e que a motivasse a superá-lo, deixando-a ser o centro de suas atenções, ouvindo-a, admirando-a e engrandecendo-a e, ainda que pudesse ser autônoma para arrebanhar seus próprios admiradores, deveria se resignar com o papel de figurante para que Matilda se sobressaísse como a atriz principal. Tal potestade podia ser filho de homem nascido de mulher, mas de natureza glamorosa, como a Miranda Priestly da moda cuja opinião é a única que importa, e deveria se apequenar sob a sombra de Matilda e ser pega para seu cristo particular, como o Personal Jesus do Depeche Mode. Matilda tinha ciúmes desmesurados dessas divindades e se melindrava a ponto de mandar tomar banho até mesmo seus familiares se estes lhe furtassem seu tempo com elas ou desviassem suas atenções para outras pessoas. Se suas deidades morressem, morreriam também todas suas motivações correspondentes ao período que atravessava e com elas Matilda podia se afogar como um salva-vidas despreparado que é levado para o fundo da água pelos braços fortes de um desesperado. Matilda tinha dificuldades crônicas para se livrar da dependência destas divindades, como um viciado inveterado que só consegue deixar as drogas com ajuda médica e ao custo de muito sofrimento. Só mesmo o tempo, o remédio que não faz mais efeito e a visão de uma nova imagem primitiva permitia que uma déia dessas fosse milagrosamente largada no esquecimento, num ostracismo involuntário. Na infância e na adolescência Matilda teve um cristo chamado Joe Citadino que nunca entendeu a indiferença e o desprezo de Matilda por conta do seu total desconhecimento das sequelas deixadas pelo abalo emocional e incurável que ela sofreu na juventude e que dividiu sua vida em duas: antes e depois do colapso. E assim como Estragon e Vladimir de Samuel Beckett esperaram pelo amigo Godot que não apareceu e concordaram em ir embora mas não esboçaram nenhum movimento, Matilda morreu sem ver seu disco voador e suas duas vidas nunca saíram do lugar.