domingo, 24 de dezembro de 2023

ESTADOS DE NECESSIDADE


Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Magnífico texto metafórico de AustMathr, explorando os diferentes estados de necessidade previstos na jurisprudência. 
Gwendolyn Marie-Baxtor (vulga inglesa luso chinesa)
Londres, 24 de Dezembro de 2023

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As cordas se soltam, As bordas se desgarram, O vento sibilante atravessa frestas, Por entre ramas de mastros e velas, As águas salgadas são temperadas com soçobras e carnes cálidas, Um destroço flutua sob um corpo extenuado até a alma, Um desesperado manda-o para as profundas do inferno e retira-o do mundo, Deus tem braços longos o bastante para cingir permutas.


O aeroporto ficou para trás, O hotel está logo ali, O tráfego permanece preguiçosamente estático como a vegetação arbustiva do semiárido, mas barulhento como cancões do asfalto, Inúteis, Como as palavras que o padre escreve para um sermão que ninguém vai ouvir, Celerados cinzentos chegam à cabeça com seus cinzeis pela janela aberta, Brancuras de luz da manhã prateiam espíritos calmos, Põem medo e tiram o que se repõe, Repõem o terror e sobrepõem coisa a coisa, Deus permite que a morte se aproxime e parta em paz.


O canto dos pássaros alegrava a tarde, O que fez estridor tem gosto de cloro na boca, A muralha eletrificada é ultrapassada pelos limites das conveniências e das lamentações, Ainda se dialoga com o mundo, Uma obstinação impulsora ornamenta o salto para a vida, O pequeno corpo descansa nos braços do invasor, O grande vocifera um agressor, Deus é o divisor, Da terra drenada e da água espraiada.  


Cinzeis de rudes escultores sobem e descem, às cabeças, Às ocultas, Imprimem fisionomias  indignas de animais, As cordas se amarram, As bordas se apertam, A cama tem o macio grosso de veludos, Que nenhum lobo mate nela uma ovelha sequer, Que só leve tudo que não são suas crias, Deus poderia não estar aqui hoje, Mas havia alguém de plantão, E não viu necessidade, Apenas algo bem menor que fatalidade.  


Coração bate, Onde há silêncio e nenhuma gravidade, Consciência sonha, Sonhos dela e dele, Sonhos de dois mundos, Olhos fechados se abrem, Onde  a visão é turva e de curto alcance, Mente pensa, Pensamentos dela e dele, De duas inteligências, Ouvidos ouvem, Onde há ressonância e nenhuma agitação, Corpo sente, Sentimentos dela e dele, De dois estímulos, Lágrimas escorrerem, Onde há água e nenhum temor, Alma intui, Intuições dela e dele, De duas empatias, Espaço se expande, Onde há fardo e insegurança, Coração ama, Amor dela e dele, De duas criaturas, Uma corre risco de morte, E o homem decide por Deus. 



Meu mar, Hoje não pude te abraçar, As ilhas que tem fecham, Mesmo felizes como eu estava, Não furtaram às vistas suas preocupações, Em que mundo, Em qu'encosta tu t'escondes, Em quais águas tu t'embuças? O sol estava a pino, O céu puríssimo, E eles, Também, Mesmo plácidos como sua margem sem ondas, Inquietavam-se como duas crianças que correm e se cansam, Em Qu'espaço, Em qu'estrela tu t'esquentas, Em Qual firmamento tu t'enfias? De súbito, Me vi mergulhado nas trevas, Como sôfrega raiz, A procurar ali uma boa seiva, Onde o som do silêncio, É como sua profundeza, O ventre de sua mãe, Onde a luz da escuridão, É como nosso universo antes de nascer, Depois de morrer, Debrucei-me sobre este abismo do inexplicável, Demorei-me a divagar sem rumo, Perdido neste umbral intrincado, Como pude me transgredir? Mas como ainda existe gente boa nesta terra, Acordei, Como o homem desperta a cada alvorada e sai, Para o acaso da providência, Meu mar, Uma vez já te disse que jamais contaminei suas suaves ondulações salinas que me dão paz interior e que nunca sairão do lugar, E quero sempre para ti voltar, Antes da noite cair, Depois que mais cinzeis descorados batam às duas janelas, Depois que Deus me atravesse o perigo vermelho até o próximo sinal amarelo de alerta, Sobrevida e providência, Humana, Angelical, Divina, Ou como quer que a necessidade a chame.


Seu silêncio tem me torturado, Guarde um lugar para mim ao seu lado, Dá-me metade de seu sofrimento, Para preencher parte de meu coração que ficou vazia, Ajuda-me a estar preparado para o dia que eu precisar chorar por outro tanto quanto chorei por você, E Deus sabe que choramos por vocês como choramos por nós. Teu carrasco, acolhido como você foi, alegou estado territorial onde só pode haver um alfa. Não careceu despachá-lo para Deus. Só o devolvi para seu estado de necessidade.  


Ainda não doí em mim, Ainda não sei quão profundo um projetil pode viajar, Se pudesse faria um trato com Deus, E trocaria de lugar com ele, Desceria a ladeira correndo, Correndo as mãos de fogo, E Deus alçaria voo ao céu, Faria um loop, E cairia na terra como pombo volteador, Às vezes, O arqui-inimigo do altíssimo permite que a morte se aproxime ousada e parta assustada, com o risco de morte que assumiu.




REALEZA

Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)


Enquanto ruge a ambição, Acima dela paira, O afiado gume de uma espada, Segura por um fio tênue, Pronto para se romper, E por fim a uma vida humana real, Onde cabem outras cem mil vidas, Cada uma delas com cem mil corações, E cada um deles com cem mil pecados, Prestígios cujas origens nunca são pedidas, Que ao simples toque de um dedo, Nadam em águas folheadas a ouro, E enquanto a terra treme, Porque o céu revolta-se contra tamanhos vícios, Comem solto, E depois enfiam o dedo na garganta, Para vomitarem toda água que encharca o estômago, E voltam a fartaram-se de raros petiscos, Vinhos inéditos, E esquisitas gulodices, Como reis esquecidos na sodomia, Vestidos de roxo e vermelho, Dormindo encostados ao pé das embaúbas, E enquanto vossos sonos são profundos, Outros lançam seus melhores pares contra suas melhores consortes, Mas como Deus dispõe o que o homem põe, Sábios lhe é enviado mais de uma vez, Mas são rejeitados, E vendidos como escravos, E uma vez libertados, Voltam de onde vieram para lançarem em terras férteis, Imaculadas sementes, De Igualdade, Liberdade, Fraternidade, E das ciências da alma humana.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

SONETO DA MULHER SEM CARNAVAL

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

De Nefertite a Cleópatra percorro todo o Nilo
Sem limites para te encontrar
Como Adelita seguida por terra e por mar
Fui de Helena de Troia à Vênus de Milo

Como implacável conquistador romano
Sinto-me desafiado por Zenóbia de Palmira
E pela celta Boudica que apaga minha pira
Sou instigado por deus marte ariano

Resvalo na moça de brinco perolado
E na Senhora Lisa de Leonardo italiano
E as deixo no passado a ser lembrado

Uma tela com lótus de época atenua minha ânsia
Eis a mulher que não se desnuda para o mediano
Fantasiada de beleza e elegância

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

SEASON´S GREETINGS - BOAS FESTAS

 Texto de autoria de AustMathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)


Onde você vai passar o natal? Nas montanhas? Nas minhas saudades tamanhas? Esta distância de não se falar com os olhos, Não vai nos impedir de trocar presentes de mentira, Como gostaria que Jesus tivesse nascido neste dia da ressurreição de um deus babilônico, Não pude crescer como ele, E por muito mais tempo que sua breve infância, Meus anos desperdiçados se perdem no tempo que ele não teve, E como ele, Minha vida não consegue sair da caverna mitológica, Disso você sabe mais que um pouco, Em quantos dos meus sonhos você já esteve? Em quantos dos meus pensamentos e em quantas de minhas promessas? Só Deus sabe que esta pode ser a última vez que pretendo me enganar, Só Ele decide quando termina minha sorte, Como Ele faz com a morte, Só eu mesmo posso decidir quando devo me reinventar, Antes dela chegar, Onde você vai passar o ano novo? Nas planícies oceânicas? Nas minhas expectativas messiânicas? Vou fazer votos de mudança, Vou pagar o novo e o velho, Desmontar minha árvore no dia seis, Dos reis que perderam a primazia no Concílio de Niceia, Gostaria de ter nascido no seu lugar, E você não existiria para se decepcionar.



quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

QUESTÃO DE DINÂMICA

Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.

O alemão Wilhelm Von Scholz (1874-1969) foi um famoso poeta, dramaturgo, autor, ator, editor, narrador, tradutor e contador de histórias. Ele disse que uma mulher tirou uma foto de sua filha de quatro anos na Floresta Negra (Alemanha). Ela mandou revelar o filme na cidade de Estrasburgo. Como a guerra mundial havia eclodido (1914), ela não pôde mais reaver o filme, e o considerou perdido. Dois anos mais tarde ela comprou um filme em Frankfurt para tirar uma foto de sua filha que nascera nesse meio tempo. Quando o filme foi revelado, verificou-se que ele havia sido usado duas vezes: a segunda imagem era a fotografia do filho, que ela tirara dois anos atrás! O antigo filme não fora revelado, e não se sabe como fora posto de novo à venda entre filmes novos. É muito estranha a maneira como um objeto perdido como este filme voltou ao seu dono. Esta história é verdadeira, mas o mesmo não se pode dizer da história da Dra. Erin Bruner. No filme, O Exorcismo de Emily Rose, baseado num fato real, ela é advogada de defesa do Padre Richard Moore, acusado de ter levado à morte Emily Rose, que sofria de surtos de esquizofrenia, psicose e epilepsia. O Padre Moore alegou que o caso dela era de possessão demoníaca, pediu-lhe para abandonar todos os medicamentos e passou a trata-la com exorcismo. O caso era muito difícil para a Dra. Erin, que o considerava praticamente perdido. A Dra. Erin andava irrequieta, noites sem dormir direito. Padre Moore disse-lhe que ela também estava sendo atacada por forças satânicas durante o julgamento. Numa tarde anterior à próxima audiência, a Dra. Erin saiu debaixo de um frio intenso para espairecer e refletir. Caminhando sobre grossa camada de neve, ela encontrou um medalhão que tinha as três letras iniciais do nome de seu dono. As iniciais eram as mesmas do nome da Dra. Erin. De tanta gente que passou por lá, tinha que ser ela, a Dra. Erin, quem deveria encontrar o medalhão, e de tantas combinações possíveis de três letras, a inscrição no medalhão tinha que ser igual às iniciais do nome da Dra. Erin. Na vida real, a história não se passou nos EUA, mas na Alemanha, e o nome da moça que morreu era Anneliese Michel. O réu não foi apenas um padre, mas dois padres, Arnold Renz e Ernst Alt, e os próprios pais de Anneliese, Anna e Josef Michel. Os quatros foram considerados culpados. A defesa judicial não foi feita por uma advogada, mas por advogados contratados pela Igreja. Nunca se ouviu falar desta historia do medalhão e as três letras, mas uma verdadeira sequencia de três números cruzou o caminho do famoso psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung. Certo dia, ao sair do metrô, ele comprou uma entrada para uma peça teatral e notou que o número da entrada era idêntico ao numero do bilhete do metrô. Naquela noite, já em casa, recebeu um telefonema e a pessoa que ligou para ele pediu-lhe para anotar o número de seu telefone que era idêntico ao numero do bilhete do metrô e da entrada para o teatro. Outra sequencia de três, não de números, mas de palavras, parece ter sido forçada no episódio da morte do inglês Edmund Berry Godfrey em 1678, fato mencionado no excelente filme de ficção chamado Magnólia. Godfrey foi um juiz de paz assassinado em circunstâncias misteriosas. Foi encontrado morto numa vala em Primrose Hill, Londres, supostamente estrangulado antes de ser empalado em sua própria espada. Houve muitas acusações entre católicos e não-católicos sobre os autores do crime até que, finalmente, culparam três pessoas comuns de terem cometido latrocínio: Robert Green, Henry Berry e Lawrence Hill. Os três foram enforcados no mesmo lugar onde Edmund foi encontrado, em Primrose Hill. Mais tarde ficou provado que os três eram inocentes e os verdadeiros assassinos nunca foram encontrados. Falou-se até mesmo que Godfrey teria cometido suicídio. O curioso, no entanto, é que o bairro de Primrose Hill passou a ser chamado por algum tempo de Greenberry Hill, para lembrar os sobrenomes dos três inocentes condenados à morte. Outros, porém, alegam que, coincidentemente, o bairro já tinha o nome de Greenberry Hill por ocasião da injusta prisão e execução daqueles três homens. Não vejo aqui nada parecido com paramnésia, uma perturbação da memória dos que foram testemunhas desses fatos. Uma verdadeira paramnésia foi vivida por Carl Jung em 1918, quando ele se ocupava do estudo do Orfismo, e em particular com o fragmento Órfico de Malalas, no qual a luz primordial é designada trinitariamente como Metis, Phanes e Ericepaeus. Jung lia sempre HERICAPAIOS ao invés do correto HERIQUEPAIOS, como está no texto. Este lapso de leitura fixou-se em Jung como paramnésia, e mais tarde ele só se lembrava deste nome como HERICAPAIOS. Trinta anos depois, Jung descobriu que o texto de Malalas traz HERIQUEPAIOS. Justamente por esta época, uma de suas pacientes, que ele não via havia quatro semanas, e que não sabia de seus estudos, teve um sonho no qual um desconhecido entregou-lhe um folha de papel no qual estava escrito um hino latino dirigido a um deus chamado ERICIPAEUS. A sonhadora foi capaz de reproduzir este hino por escrito logo que despertou. A linguagem era uma estranha mistura de latim, francês e italiano. A senhora em questão tinha conhecimentos elementares de latim, conhecia um pouco mais o italiano e falava fluentemente o francês. Ela desconhecia por completo o nome ERICIPAEUS, o que não surpreendia Jung, uma vez que ela não tinha nenhum conhecimento dos clássicos. As residências de Jung e da sonhadora distavam cerca de 90 quilômetros uma da outra, e não havia comunicação entre eles havia um mês. Estranho é que a variação do nome, isto é, o lapso de leitura, se dera justamente na vogal que Jung lera também errado, trocando o A pelo E. A única diferença é que seu inconsciente errou em outra direção, lendo I em lugar de E. É, portanto, de se supor que ela leu inconscientemente, não o erro de Jung, mas o texto no qual ocorre a transliteração latina ERICEPAEUS, e parece que só foi perturbado pelo erro de leitura de Jung. Eu costumo cometer lapsos de leitura em sonhos, não por meio de transliteração de palavras, mas por acréscimos de sílabas nas mesmas, mudando-lhes o significado original. Já sonhei com uma cidade verdadeira, cujo nome tem duas sílabas, mas no sonho eu a pronunciava com três sílabas, alterando seu sentido. Já sonhei com uma mulher cuja profissão tem um nome de duas sílabas, mas no sonho eu a chamei, por engano, por um nome de quatro sílabas, mudando a profissão da mulher. Neste caso, minha paramnésia ocorreu, simultaneamente, em duas línguas, português e inglês. Certa vez, fui alvo destes acontecimentos marcados por uma sequencia de três e, ao mesmo tempo, por paramnésia de outra pessoa. Era uma sexta-feira e eu ia para o trabalho de metrô, lendo o livro SINCRONICIDADE de Carl Jung, que eu terminei na hora do almoço. Na volta do trabalho eu estava na estação da Sé na hora do rush, esperando por um trem menos apinhado. De um deles saltaram três jovens muito bonitos, uma moça branca e dois rapazes negros. Eles se beijaram e tomaram rumos diferentes. Entrei num vagão lotado e viajei de pé. Bem na minha frente havia um lindo casal de jovens, uma moça branca e um rapaz negro. Quatro estações depois, o casal levantou-se e saiu. Eu não sentei, e dei lugar a outras pessoas que embarcaram. No mesmo banco à minha frente sentou-se outro casal de jovens bem bonitos, outra moça branca e outro rapaz negro. Cheguei em casa depois das 18 horas. Tinha que ir a uma festa naquela noite. Minha esposa disse-me que sua irmã queria falar comigo. Liguei para ela e ela contou-me que a mãe de uma amiga sua chamada Neusa lhe pedira um favor. A Neusa estava sofrendo, porque logo na meia idade seu marido resolveu troca-la por uma mulher 25 anos mais jovem, uma mulher que era amiga de sua filha e frequentava sua casa. Neusa disse que na noite de quinta para aquela sexta-feira, ela sonhou que se encontrou com Chico Xavier e perguntou a ele porque seu marido havia feito aquilo com ela. No sonho, Chico respondeu: Não há de ser nada, não, seu marido está com a espada de Dêmocles sobre sua cabeça. Ela não entendeu a mensagem e achou que eu poderia explica-la. Eu conhecia um pouco de mitologia grega e me lembrava desta frase só de nome. Não me lembrava da história e precisava pesquisar. Quando voltei da festa, levei para cama um almanaque da cultura grega, do tipo QUEM É QUEM NA GRÉCIA ANTIGA, em ordem alfabética. Fui à letra D e não encontrei DÊMOCLES. Repassei todos os nomes com a letra D e continuei não encontrando DÊMOCLES. Achei que uma delas, a Neusa ou minha cunhada, havia me passado o nome errado. Deixei para ligar no sábado para conferir o nome grego. No dia seguinte, logo cedo, tomei o café da manhã e, como de costume, abri o jornal no caderno de economia, e lá estava estampada na página principal a manchete em letras garrafais: MINISTRO DIZ QUE A ECONOMIA BRASILEIRA ESTÁ SOB A ESPADA DE DÂMOCLES. Pronto! Como não pensei nisso antes! É DÂMOCLES e não DÊMOCLES! Por que não procurei direito no livro? Conferi com a Neusa e ela realmente havia cometido um lapso de entendimento da palavra proferida no sonho, e eu fui perturbado pela sua paramnésia. Especulei: será que o sonho da Neusa ocorreu quando o jornal já estava impresso? Será que ocorreu antes ou depois do jornalista ter escrito a matéria no caderno de economia? Será que fenômenos como esses repousam na simultaneidade de dois estados psíquicos diferentes, um normal e o outro não derivado causalmente do primeiro? Será que estas sequencias acidentais de dois ou mais fatos têm uma tendência a formar grupos aperiódicos, o que, segundo Jung, sucede necessariamente porque, de outro modo, só haveria uma ordenação periódica e regular de acontecimentos que, por definição, exclui a causalidade? Será que tudo é uma mera questão de dinâmica no tempo e espaço? Uma dinâmica que liga tempo e espaço por um elemento psicóide da natureza? Talvez a dinâmica não seja o que se move através do espaço, mas o que muda ao longo do tempo. Talvez o tempo seja a única medida.


NATASHA



Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98



TEXTO ESCRITO HÁ 3 ANOS



Maio de 1981. Estou em Bucareste, capital da Romênia, terra do Conde Drácula que, segundo histórias deformadas pela imaginação popular, empalava mais gente do que a santa inquisição, mais ainda do que Cercei e Daenerys juntas foram capazes de assassinar na idade média fictícia do filme Games Of Thrones (GOT). Naquele tempo eu já não usava nem relógio e nem cueca, mas levei um crucifixo, just in case, you know. Não fui à antiga Dácia, uma província do império romano, a passeio. Parafraseando Fagner, passeio é para quem tem casa na praia e joga prata no ar. Fui enviado para as bandas da Transilvânia para camelar por uma empresa brasileira que nada produzia, exatamente como nosso atual governo. Os Camelots Du Roi só compravam  negócios de terceiros já fechados, mormente para ter acesso a empréstimos federais a juros subsidiados - um eufemismo de falcatruados. O NeedWant, nome dado a um prostíbulo no seriado Defiance, devia ter uns 200 proxenetas, algumas cafetinas, e minguados aspirantes à integridade profissional. Foi o maior cabide de empregos onde já trabalhei com carteira assinada - já foi tarde, carteirinha de trabalho. O NeedWant tinha rebentos de nepotismo e paternalismo de todo tipo: burocratas aposentados do alto escalão do Banco do Brasil, filhos de políticos - eufemismo de corruptos -, playboys, comediantes, tele operadores de piadas, pseudo economistas, frequentadores do Jockey Clube, de Rinhas de Galo e da Bolsa de Valores, aprendizes de puxa sacos, mágicos que faziam dinheiro sumir na sua frente, médiuns que encorporavam espíritos desempregados e muares semelhantes à nova sub-espécie que surgiu na última eleição presidencial. Meu QI era um bocadinho acima da média, mas não do tipo Quem Indique que pagava os mais altos salários e dispensava curriculum para admissão. Respondi a um anúncio no Estadão e só consegui o emprego depois de uma rígida peneira e várias e angustiantes entrevistas semelhantes aos diários e torturantes interrogatórios dos juízes do carrasco do Vaticano aos quais Joana D'Arc foi submetida. Eu era - pero no mucho hoy en día - um idealista imbecil - hoje sou mais tenebroso e pé de gancho do que o Rei da Noite do GOT - com uns longes de iniciativas vacilantes. Apesar das severas restrições impostas às minhas ousadias, tidas como desavisadas, consegui bons negócios com empresas japonesas - e isso iria me render dividendos 6 anos mais tarde - e com muitos países do bloco comunista. Eis aqui uma ironia do regime militar no Brasil varonil. Eles tomaram o poder através de um golpe de estado sob o pretexto de que João Goulart queria implantar o comunismo na pátria amada. E como sabemos, eles assassinaram muitos estudantes que se manifestavam abertamente contra a opressão tirânica e abjeta dos milicos - o gorila dos tempos atuais diz que a ditadura não matou tanta gente assim e que desaparecidos não podem ser contabilizados. E o paladino do nazismo coloca o coronel e torturador Ustra no pedestal do brilhantismo repressivo e criminoso. Enquanto os jovens lutavam e morriam contra o autoritarismo, os brutamontes faziam acordos comerciais com todos os camaradas do leste Europeu, onde o direito de ir e vir do cidadão era quase uma utopia, precisamente como as fake news dos bozominions sabotam a liberdade de expressão da nossa agonizante democracia. As transações eram bilaterais, feitas separadamente com cada país marxista, e conduzidas na base de troca, chamada de Barter Business no jargão do comércio internacional, sem envolvimento de nenhum tipo de moeda. Funcionava assim: eu compro um quilo de você e você compra um quilo de mim e nossos governos se incumbem de fazer os acertos financeiros. Meu cândido hegelianismo atrevia-se e propôs uma viagem aos países da cortina de ferro, com objetivos bem definidos: romper o monopólio de uma concorrente brasileira que mantinha conchavos com o governo da Alemanha Oriental, levar à Romênia, com quem iniciara bons contatos à distância, as mesmas propostas de negócios bem-sucedidos que já mantinha com a Polônia, país que estava na minha agenda de visitas e, finalmente, abrir o mercado da União Soviética com os mesmos trocas-trocas. Minha proposição foi unanimemente aprovada por razões óbvias. Plebeus fora do panelão como eu só tinham autorização para visitar países do terceiro mundo, enquanto os nobres do trono de ferro só iam a países do primeiro mundo. E os do segundo mundo? Ninguém se habilitava a conhece-los porque neles não era possível gozar das mordomias e regalias encontradas somente na Europa ocidental e nos EUA. Então, vamos deixar este day dream believer se ferrar naqueles cárceres socialistas. Comecei pela Alemanha Oriental e não fui bem-sucedido, mas também não considerei-me derrotado. Ocorre que a Ministra da Economia daquela clausura, com quem me encontrei, estava recebendo em dia suas propinas depositadas em sua conta na Suíça e sendo muito bem comida pelo seu amante brasileiro. Minha malfadada experiência na Alemanha Oriental mereceu um texto poético, voltado para o lado humanista e cultural, já postado no meu blogue com o título LIBERDADE SILENCIOSA. Passei uma semana em Leipzig, sul da Alemanha Oriental, e num sábado à tarde deveria pegar um voo para Berlim Oriental, do lado comunista, e de lá voar para Bucareste no domingo de tarde. Durante minha estadia em Leipzig, conheci um brasileiro na feira internacional de primavera. Ele também iria partir no mesmo sábado à tarde, mas para Berlim Ocidental, do lado capitalista, onde ele alugou um carro. Ele me convidou para irmos juntos de carro para Berlim. Topei. Cancelei meu voo e rodamos cerca de duas horas e meia. Ao longo do caminho pudemos ver tropas russas fazendo exercícios de rotina com soldados alemães como parte do chamado Pacto de Varsóvia, uma resposta dos soviéticos à OTAN dos Americanos. Ao anoitecer chegamos ao muro da vergonha que separava as duas Alemanhas, fortemente vigiado e controlado pelos exércitos russo e alemão, empunhando metralhadoras. Atravessar a muralha e passar para o lado capitalista foi um thriller, uma experiência cinematográfica e emocionante, como cruzar o território dos walking deads do GOT. Cada carro passava por três vistorias em três tipos de pedágios, bem fortificados e distantes 50 metros um do outro. No primeiro, um soldado alemão de alta patente, supunha, falando um bom inglês, nos pediu os passaportes, examinou-os e nos perguntou o que estávamos fazendo na sua Germânia. Falamos a verdade. Ele nos perguntou o que tínhamos no porta-malas do carro. Mais uma vez, falamos a verdade. E nos bolsos? Meu companheiro disse ter apenas documentos. O soldado abaixou a cabeça, esticou o pescoço e olhou para mim, E você? Eu tinha 29 anos, menos ousado do que ingênuo. Achando que fosse fazer um agrado ao capitão, tirei do bolso 150 marcos alemães orientais e disse-lhe, todo sorridente, que estava levando o dinheiro como souvenir. Imediatamente o meganha sentenciou em tom agressivo: Os dois para fora do carro. Meu colega perguntou o que houve e o mata-cachorro respondeu: Vocês não sabem que é proibido sair de nosso  país com nosso dinheiro? Eu retruquei: Não sabíamos disso. Ninguém nos disse nada. Como te falei, pretendia levar este dinheiro para meu país como uma lembrança do seu porque não sei se um dia voltarei aqui. O maenga nos olhou feio: Vocês vieram aqui violar nossas leis? Opa, eu disse, claro que não. O soldado chamou outros guardas e mandou eles fazerem um pente fino no carro. Nós dois fomos levados a uma cela, sem grades, mas era um aposento para meliantes porque estávamos trancados num pequeno espaço sem janelas. Numa das paredes havia uma portinhola com um balcão, um guichê semelhante a bilheteria de cinema. A cada 5 minutos surgia uma jovem de cara fechada, vociferando um alemão que pouco entendíamos. Meu repetitivo das weiß ich nicht já não se sustentava. Cacete, Alceu, você apronta cada uma, impacientou-se meu colega. Espera aí, eu não sabia disso e não venha me dizer que você sabia. A lavagem cerebral que fizeram nestes comunas é tão alienante que eles chegam a pensar que o dinheiro deles vale ouro. E lá em Leipzig a pensão onde fiquei não aceitou pagamento com marco alemão oriental que para eles não vale nada. Só aceitaram marco alemão ocidental e dólar que valem muito mais e só com estas moedas eles podem pagar as mercadorias contrabandeadas do ocidente. Lá vinha a alemã colérica de novo. Ela me mostrou uma nota de marco alemão oriental e um pequeno papel, um tipo de recibo. Agora entendia. Ela queria que eu apresentasse o comprovante de troca dos dólares. Mas eu não tinha  porque troquei o dinheiro no câmbio negro. No mundo comunista tudo funcionava somente por baixo do pano. Falando um péssimo alemão, pedi a ela para trazer alguém que entendesse inglês. Ela saiu e voltou com o meganha que nos deteve. Expliquei a ele que troquei os dólares num banco e que joguei o comprovante fora porque meu país não exigia a apresentação de qualquer tipo de prova cambial - isso não era verdade. Tomamos um chá de cadeira de mais de duas horas até que o english speaking eastern german guy reapareceu e fez algo inacreditável. Me entregou 150 marcos alemães ocidentais e nos disse que estávamos livres e poderíamos ir embora. Ele trocou os marcos na base de 1 por 1, sendo que o ocidental valia dez vezes mais, aliás, o oriental não valia absolutamente nada e só servia para o povão sofrido da Alemanha soviética, socialista de araque. Lá fora o carro estava quase depenado. Tudo no chão, malas abertas, roupas, amostras de produtos. Dos males o menor. Arremessamos tudo dentro do porta-malas. Vamos cair fora desta porra, depois arrumamos tudo no hotel. Passamos pelo segundo pedágio. As mesmas perguntas e as mesmas respostas. Vem o último pedágio e, finalmente, encontramos  um alemão comunista com senso de humor. Ele olha nossos passaportes, sorri e emenda: Oh, Brasil, Pelé, café! E eu, sempre impulsivo, ainda mais tão aliviado, tive a cara de pau de dizer que o Pelé era meu parente. O alemão vibrou, saiu da cabine e pediu para meu companheiro tirar uma foto com o primo do Edson Arantes. Agora estávamos livres de fato. Um pouco mais à frente surgiu uma enorme placa. Você está entrando em área sob controle dos EUA, França e Inglaterra. Meu camarada bradou de alegria. Estamos livres, Alceu, e  você, seu filho da mãe, quase nos ferrou de novo. Nem mulato você é para ser parente do Pelé. Caramba, você apronta cada uma! E esse camarada aqui compartilhou: Então, meu amigo, vamos comemorar nossa fuga de Alcatraz esta noite em Berlim. Vamos torrar estes 150 marcos num bom restaurante. Sair de Berlim oriental e passar para o lado ocidental era o mesmo que migrar do inferno ao paraíso. A diferença entre as duas metades era gritante. No domingo de manhã meu companheiro precisava ir ao aeroporto para devolver o carro alugado e viajar para a Itália. Eu ainda precisava atravessar o muro outra vez, para o lado comunista, de onde sairia meu voo para Bucareste. No hotel perguntei como fazia para atravessar o muro. A recepcionista me disse que no centro da cidade saía um ônibus a cada meia hora e que tinha um passe especial para atravessar para o outro lado. Perguntei se existia outra maneira. Ela respondeu que havia motoristas de táxi que também tinham este passe. Pedi a ela para me chamar um. Ele me levou ao ponto de travessia mais famoso, chamado Check Point Charlie, mas quando lá chegamos ele empacou como esqueleto de burro, saiu do carro, desceu minhas duas malas e me pediu o dinheiro. O danado não tinha passe coisa nenhuma. Fui até o primeiro guarda americano e ele me deu a mesma sugestão da recepcionista. Volte ao centro da cidade e pegue um ônibus que tem passe para atravessar o muro. Voltar ao centro? Não! E se eu quiser atravessar para o outro lado a pé, posso? Pode sim, mas eu não faria isso. Pois eu vou fazer. Carregando duas malas pesadas, uma de roupas e outra de material de trabalho, comecei a caminhar por um estreito corredor ao lado da pista para veículos. Depois de uns 50 metros surgiu outra enorme placa: Atenção, você está deixando a área sob controle dos EUA, França e Inglaterra. Que se dane, vim aqui para fazer negócios com os comunistas. Mais 50 metros adiante, abriu-se como uma clareira na mata um espantoso posto de dois andares, protegido por cercas elétricas, arame farpado e concertinas, e com vários soldados com metralhadoras na parte superior. Na parte inferior um sentinela saiu de uma cabine e passou a me olhar à distância. Acho que ele devia estar pensando 'Quem é este espião disfarçado de turista idiota vindo para cá a pé e com duas malas?' Aproximei-me dele. Ele perguntou, em inglês, o que eu viera fazer ali. Expliquei. Ele me pediu o passaporte e a passagem para Bucareste. Entrou na cabine, fechou a porta, começou a falar demoradamente ao telefone, sempre olhando para meus documentos. Estou ferrado, pensei. Depois de uns 10 minutos ele saiu, me devolveu  tudo e me disse que em 5 minutos um carro viria me buscar e me levar para o aeroporto. E não deu outra. Chegou uma van. O motorista desceu, guardou minhas malas no porta-malas, gentilmente me abriu a porta do passageiro e lá fomos nós. No aeroporto, ele me ajudou a descer as malas. Dei-lhe uma gorjeta em marcos alemães ocidentais e ele me agradeceu muito. Pois é, nem sempre as diferentes ideologias, radicais e liberais, se opõem  ao bom senso e  à cortesia. Definitivamente, eu tinha cara de idiota, do tipo agente 86. Depois desse agradável sufoco, e enquanto esperava a chamada para embarcar, sentei num bar, tomei dois copos cheios de vodca russa, boa pra caramba, a melhor do mundo. Lá vou eu, decolando num Tupolev russo, robusto e estável. Só há romenos a bordo e a língua deles me é bem familiar. É meio latina. Consigo entender um pouco. Avião para eles é avion. Eles falam o tempo todo e bem alto, como eu, paulistano italiano. O piloto colocou som ambiente, só música dos Beatles! Pois é, o fab four é realmente universal. Antes de sair do Brasil, tinha dúvidas sobre como começar meus contatos na Romênia. Em todos os países comunistas todas as empresas eram estatais. Recomendaram-me pedir ajuda à Embaixada brasileira em Bucareste. E eles foram extremamente prestimosos. Se encarregaram de fazer reservas em hotel e disseram que iriam enviar uma carro para me apanhar no aeroporto. Quando cheguei, levei um susto, havia 5 pessoas com a placa ALCEU NATALI. O próprio embaixador, dois assessores brasileiros, o motorista e uma linda jovem romena, chamada Natasha, de olhos verde ágata, cintilando ao lusco-fusco. Fiquei preocupado. Como eu era - e ainda sou - um zé ninguém, nada importante, a presença desse pessoal no aeroporto devia ser para me avisar que algo ruim aconteceu. Talvez uma morte na minha família. Mas que nada! Eles me receberam com festa e gozações. Entramos num carro enorme. E no caminho para o hotel outro sobressalto. O motorista romeno falava português: Seja bem vindo ao nosso pais, Alceu. Um assessor brasileiro explicou: Todos os romenos que trabalham na embaixada são obrigados a falar português. Somente nós, brasilenses, conseguimos essa proeza. E era verdade! A Natasha também falava um pouco de português, mas ela era muito séria e economizava nas palavras. Chegamos ao luxuoso Hotel Intercontinental de Bucareste. Ainda bem que quem vai pagar a conta é o dono do NeedWant. Ao fazer o check in perguntei ao embaixador qual iria ser a programação do dia seguinte, uma segunda-feira. Espere um pouco, vamos te acompanhar até o quarto. E eles vieram mesmo, os cinco. O motorista romeno falou em bom português: Mas este quarto é para um sultão e seu harém. Nunca vi tanto luxo. Um dos assessores se jogou na cama. Ela é bem macia. Eu estava muito cansado. Queria tomar um banho e dormir, mas não sabia como dispensá-los educadamente. Não foi preciso dizer nada. O embaixador antecipou-se: Alceu, fique à vontade, se quiser tome um banho primeiro e troque de roupa. Fizemos uma reserva para um jantar no restaurante deste hotel que é ótimo. É incrível! No restaurante é servido de tudo, do bom e do melhor, uma fartura de comes e bebes, inclusive a predileta carne de porco dos romenos. O motorista exclamou: Meu Deus há quanto tempo não como essa delícia! Perguntei-lhe por quê. Alceu, você não conhece a Romênia. Este país era livre e todos criavam porcos em casa. Daí vieram estes comunistas e tomaram tudo da população. Hoje, se alguém  quiser comer carne de porco tem que pagar uma fortuna! Ao final do jantar, o Embaixador me passou a programação: Amanhã cedo a Natasha vem te apanhar aqui no hotel e levá-lo à embaixada. Na parte da manhã meus assessores comerciais lhe darão uma explicação completa sobre como se faz negócios aqui na Romênia. Na parte da tarde você terá um encontro com a Ministra da Economia e com ela você poderá discutir todos os tipos de transações de Barter Business que nosso governo mantém com este país. A Natasha vai te acompanhar o tempo todo. Tinha uma pergunta para o Embaixador: Vou ficar aqui dois dias, depois embarco para Varsóvia e de lá vou para outra cidade que é um polo industrial polonês. Minha preocupação são estas agitações trabalhistas que levaram à formação do sindicato Solidariedade que agora é uma força política sob o comando deste Lech Walesa e que acabou se elegendo presidente no ano passado. Ele é anticomunista, quer converter a Polônia ao capitalismo. Dizem que os soviéticos estão se preparando para invadir a Polônia. O embaixador, tranquilo, respondeu: Alceu, isto não vai acontecer, a OTAN não vai permitir e, se você tiver algum problema, acho que não vai ter nenhum, em último caso basta você se refugiar numa embaixada brasileira. Bem, se em último caso eu teria que sair correndo para me abrigar num reduto brasileiro, então, em primeiro caso, cancelei esta viagem à Varsóvia e deixei a Polônia para outra vez, e daqui de Bucareste vou embarcar direto para Moscou. Lá estarei protegido because nobody has the guts to invade the USSR. Tinha outra pergunta ao Embaixador: Preciso trocar dólares. O hotel faz isso? Não faz. Não, Alceu, a Natasha fará isso para você. O câmbio negro paga muito mais. Ela te levará o dinheiro amanhã. Diga a ela quanto você precisa trocar. Na segunda-feira, Natasha, de olhar menos sóbrio que a roupa que vestia, chegou cedo ao hotel. Convidei-a para tomar café. Ela aceitou. Natasha era alta, muito bonita, mas não sorria. Era solícita, mas sempre circunspecta. Acreditava que ela recebeu instruções de seu patrão para dar o melhor atendimento possível a um visitante brasileiro. Ela tinha uma postura austera. Com ela não tinha conversa mole. Dava conselhos sobre como se comportar e falar com as pessoas na Romênia. Ela se vestia bem, mas o estilo de sua roupa não combinava com sua jovialidade, talvez porque quisesse manter-se na formalidade e no profissionalismo que seu trabalho exigia. Ela tirou um pacote da bolsa e me entregou. Era o dinheiro romeno. Em seguida tirei de minha maleta um pacote de dólares e ela se apavorou. Por favor, esconda isso rapidamente. Se alguém me vê com dólares posso ser presa. Você me dá os dólares no carro. Pedi desculpas e ela disse que desculpas não eram necessárias, porque eu não conhecia as regras do país. E por falar em regras, perguntei a ela sobre a noite passada, sobre toda aquela recepção no aeroporto, o jantar super pomposo para seis pessoas e pago pela embaixada. Seria o que eu estava pensando? Sim, Alceu, ela respondeu, sempre falando em inglês comigo, a Embaixada tem em seu orçamento uma quota para gastos com visitantes e, como isso  não é muito frequente, quando acontece, como no caso de sua visita, eles aproveitam para gastar tudo que está acumulado. Louvada seja essa extravagância com recursos dos cofres públicos, fartados com o dinheiro do contribuinte. Na embaixada tudo transcorreu bem. Saí de lá bem escolado sobre a Romênia. Natasha me disse que antes de nosso encontro com a Ministra da Economia, marcado para às 14:00, ela deveria me levar para almoçar, por conta da Embaixada. Alceu, você tem alguma preferência? Natasha, o que você escolher está bom para mim. Então vou te levar a um restaurante que acho que você vai gostar. O restaurante tinha mais de 5 estrelas, exclusivo para uma minoria abastarda no topo do poder. Durante o almoço Natasha aproveitou para repassar várias instruções sobre o encontro com a Ministra. Eu lhe agradeci e acrescentei: Natasha, você é muito prestativa. Tudo que você me explica é muito útil e me facilita as coisas. Você é uma ótima profissional. Exerce sua função com seriedade e prazer ao mesmo tempo. Te agradeço muito por isso. Alceu, não estou acostumada a elogios deste tipo. Só estou cumprindo meu dever. Você é assim com todo mundo? E por que não deveria ser? Opa! Me desculpe. Fiz uma pergunta inconveniente. Desculpas não são necessárias. Você não conhece a Romênia. Mas agora estou conhecendo. Graças a você. E estou também conhecendo a Natasha. O que você está querendo me dizer? Sabe de uma coisa, Natasha, até agora você não me fez nenhuma pergunta pessoal. E deveria? Por quê? Não te perguntei qual é sua preferência? Natasha estava visivelmente encabulada, sem saber onde pousar o olhar. Agora era eu quem precisava facilitar as coisas para ela. Então vamos lá, Natasha. Já que você nada me pergunta eu respondo como se você tivesse me indagado. Tenho 29 anos. Sei que mulher não gosta de falar a idade que tem, mas arrisco dizer que você tem menos que 25 anos. Ela continuou inibida. Demorou para responder, e finalmente confirmou. Você está certo. Agora é sua vez. Minha vez? Sim, sua vez de me fazer uma pergunta ou me falar qualquer outra coisa sobre você mesma. Definidamente,  ela não estava à vontade. Pensou e, enfim, decidiu me fazer uma pergunta bem rebuscada. Está bem. Você é casado? Sim. E você? Ainda não. Ainda não encontrou seu príncipe encantado? Alceu, você costuma fazer este tipo de pergunta a todas as mulheres solteiras? Não! Faço este tipo de pergunta somente a mulheres bonitas, chamadas Natasha, que nunca sorriem, mas que escondem esplendor por trás desses olhares enigmáticos. Natasha sentiu-se perdida. Olhou para os lados, para cima, me periferiou - eta neologismo vagabundo - e looked away. E então, Natasha? O que você está esperando? Perdeu a esperança? Alceu, viver só de esperanças é o mesmo que esperar pela eternidade. Olha só! Além de bonita e simpática, a Natasha é filosofa! Ela pareceu não ter gostado desta observação. Talvez tivesse soado um pouco sarcástica, mas ela manteve a classe e me avisou que estava na hora de irmos. No Ministério da Economia  sentamos numa grande sala. Eu e Natasha de um lado da enorme mesa. A Ministra e seu assessor do outro. Depois das apresentações de praxe, a Ministra perguntou: Então, Sr. Natali, o que o senhor tem a nos oferecer? Sra. Ministra, eu trouxe o melhor fio de algodão para sua indústria têxtil. Ele é fabricado por uma multinacional japonesa no Brasil. O senhor trouxe amostras?Claro! Aqui estão 10 cones de 1 quilo cada. Acho que são suficientes para fazer testes. Se precisar de mais, despacho mais cones do Brasil bem rápido. Por ora esta quantidade basta. Se precisarmos de mais avisaremos através da Embaixada Brasileira. Por falar em área têxtil, tenho algo a lhe propor, mas antes preciso saber qual é sua contrapartida. Estamos muito interessados em ureia. Ótimo, nossa ureia é uma das melhores do mundo. Suponho que você queira amostras. Sim, preciso levar comigo. Vou providenciá-las amanhã cedo. Quer que eu envie para o hotel onde você esta hospedado? Natasha interveio: Sra. Ministra, não é preciso, eu mesma virei aqui apanhá-las. Está bem então. Sr. Natali, me dê licença por alguns minutos. Vou fazer um rápido despacho e já volto. A Ministra saiu com seu assessor e eu disse à Natasha: Você viu? Ela sorriu o tempo todo! Ela sorriu para você porque ela está apenas sendo diplomática. É um sorriso meio forçado. Você acha que me sai bem? Sim, acho que a ministra até gostou de você. E a Natasha, também gostou? Ela ficou mais séria do que normalmente era. Nada respondeu. A ministra voltou e foi direto ao assunto: Sr. Natali, temos uma indústria têxtil em franco desenvolvimento. Produzimos ótimas roupas femininas e gostaria que o senhor considerasse a possibilidade de importar nossas  roupas. Posso, sim. Então, te proponho uma visita à nossa melhor fábrica de moda feminina. Pode ser amanhã cedo, por volta das 10:00 horas. Está bom para o senhor? Está combinado! Meu assessor pode ir buscá-lo no hotel. Natasha: Não é necessário, Sra. Ministra. Basta a senhora me fornecer o endereço e levarei o Sr. Natali à fábrica com o carro da Embaixada. O dia foi produtivo. As perspectivas eram boas, mas importar roupas da Romênia iria ser difícil. Natasha me levou de volta ao hotel e me disse que estava incumbida de me levar para jantar. Natasha, hoje eu quero que você escolha um restaurante de sua preferência, ou melhor, um restaurante chique da cidade onde você nunca esteve. Está bem, Alceu, obrigada. Só que desta vez é por minha conta. Não, Alceu, não posso aceitar isso. Tenho que prestar contas à Embaixada. Deixe a Embaixada comigo. Brasileiros com brasileiros se entendem. Está bem, Alceu, como você quiser. Chegamos ao restaurante. Muito pomposo. Natasha, é este mesmo que você queria? Sim, ouço sempre falar deste restaurante, mas nunca estive aqui. Espero que você goste. Quem tem que gostar é você. O que você vai beber? Alceu, é você quem escolhe! Você esqueceu que hoje você é minha convidada? Pela primeira vez, Natasha me fez uma pergunta espontânea, sem que eu a forçasse. Qual é sua bebida favorita? Bem, depende. No meu país gosto muito de uma bebida tipicamente brasileira, chamada caipirinha, uma mistura de um tipo de aguardente, açúcar e limão. Mas, via de regra, costumo beber Whisky escocês. Mas aqui no leste europeu aprendi a gostar de vodca. A russa é demais. E qual é sua preferência? Eu bebo muito pouco. Às vezes tomo vinho. Então vamos pedir vinho! Não, Alceu, aceite o que te peço, por favor. Você gosta de vodca e aqui temos a melhor vodca russa. Pode pedir e eu te acompanho. Sério? Sim, sério. Sério sem um sorriso Natasha chegou a esboçá-lo, mas se conteve. Seu olhar penetrante dizia muito mais coisas que se podia imaginar. Vamos fazer um brinde à Natasha! E ao Alceu também! À Natasha, mulher linda, inteligente, prestativa, amiga, e o que mais? Dona de um olhar de raro fascínio, e eu tenho o privilégio de estar bem diante dele. Alceu, é muita gentileza sua. Não sou tudo isso que você diz. Além disso, como já te disse, não estou acostumada a receber elogios. Os homens deste país parecem que não enxergam muito bem - observação muito arriscada. Ela não era casada mas podia e deveria ter um namorado. Natasha quase sorriu, mas seu belo olhar frio ainda dominava seu semblante. No dia seguinte, fomos à fábrica. Entramos no show room e o que vi era desalentador. A moda romena era muito brega, super antiquada. Por educação e em nome de um boa relação comercial, pedi à Natasha para me ajudar a escolher algumas amostras. Você tem alguma preferência? A ideia é levar a moda romena ao Brasil. Então, escolha as melhores roupas romenas que você vestiria. Qualquer tamanho? Do seu tamanho! No carro de volta ao hotel, fiz uma confissão: Natasha, a moda brasileira é muito diferente da romena. Dificilmente esta roupa vai emplacar no Brasil. Não é uma questão de qualidade, mas de estilo. Vamos nos concentrar na ureia. Lamento, Alceu. Fiz você perder o seu tempo. Não, não foi tempo perdido. Pedi para você escolher as roupas porque elas são para você. Não, Alceu, não posso aceitar isso, de jeito nenhum! Pode sim, e você me deve uma coisa. Eu te devo? O quê? Ontem à noite você me pediu para aceitar a vodca e eu aceitei, agora peço que você aceite estas roupas. É muita gentileza sua, Alceu. Que bom que a Natasha aceitou. Agora só falta ela sorrir. Ela desconversou e emendou: Eu vou te levar ao aeroporto no final do dia. Temos a tarde livre. Posso te levar para conhecer alguns lugares históricos ou para você fazer compras se quiser. Tenho uma ideia. Você conhece alguma loja de luxo, de moda feminina, mesmo que seja clandestina, que vende roupas ocidentais, roupas francesas e contrabandeadas? Ouço falar de uma bem famosa, frequentada somente pelas madames ricas, esposas de nossos mandatários, mas dizem que os preços lá são exorbitantes. Você me leva lá? Está bem, vou conseguir o endereço com uma amiga. Descanse um pouco. Volto na hora que você fizer o check out. Está bem? Ok, você é quem manda, Natasha do sorriso guardado a sete chaves. Chegamos à loja e não queriam nos deixar entrar. Só conseguimos quando disse que estava lá à pedido do Embaixador brasileiro e a Natasha mostrou documentos oficiais. A loja era pura ostentação, extravagante, com roupas da alta moda francesa. Natasha, me ajude a escolher. Qual  destes vestidos você usaria? Eu? Todos! Escolha o melhor, o que você mais gostou. Você está pensando em levar um presente para sua esposa? Sim. Qual é o tamanho dela? O seu! Ela tem sua altura. Prove-o. Se você gostar eu vou levá-lo. Natasha escolheu um vestido preto, estiloso, a cor que combina com tudo e está sempre na moda, e que realçava ainda mais seus lindos olhos verdes claros e cintilantes. Ela se olhou no espelho e deixou a timidez de lado. Nossa, Alceu, é lindo demais. Sua esposa vai adorar. Comprei o vestido, mandei embrulhar para presente e, de fato, o preço era bem salgado. Saímos da loja. Ainda tínhamos tempo para gastar antes de ir ao aeroporto. Fiz uma proposta. Vamos parar num bar por aí e beber mais uma vodca? Uma despedida! Está bem. Vou fazer mais um brinde à Natasha. Mais um!, Alceu, você não precisa me fazer mais elogios. Você tem sido muito gentil comigo. Entreguei o vestido à Natasha. O que é isso, Alceu? O vestido é seu! Nem pensar! Não posso aceitar. Pode sim. Não, Alceu, eu não poderei usar este vestido tão sofisticado. Todos vão notar. As pessoas irão desconfiar de mim. Elas sabem que só uma pessoa rica usaria um vestido elegante e caro como este. Eu  acredito no que você diz. Mas tenho outra proposta: você me devolve o vestido mas, em troca, me abre um  largo sorriso, está bem? Ela emudeceu. Não conseguia falar e nem olhar para mim. De repente, ela me veio com esta: Alceu, antes de te levar ao aeroporto preciso ir em casa resolver um pequeno problema que esqueci, mas é bem rápido. Me espere aqui mesmo. Não vou demorar mais do que meia hora. Está bem? Ok, Natasha, te espero bebendo esta vodca que é demais. Natasha saiu com o vestido embrulhado debaixo do braço. Pensei comigo, o que ela pretende fazer? vai esconder o vestido em casa, ou vendê-lo? Eta pensamento grosseiro e deselegante que foi detonado com  uma incrível surpresa. Natasha aparece trajando o vestido francês, e uma blusa rustica por cima, para esconder um pouco da sofisticação do público. Seus cabelos volumosos, sempre presos, desfraldaram-se, deixando à mostra suas lindas melenas encaracoladas. Ela está radiante, é um fetiche de mulher. Sem demonstrar a menor preocupação de ser por mim notada, ainda sem sorrir  e  sempre carregando suas pastas de trabalho, ela apenas diz:  Vamos para o aeroporto? Ok, vamos. À propósito, o vestido fica muito mais belo em você, mas ainda perde para seu olhar. No trajeto até o aeroporto, ela manteve-se calada. Um pouco inquieta. Tentei puxar conversa, mas ela se limitava a dizer sim e não para tudo. Ao chegar fiz logo check in e despachei a bagagem. Faltava menos de meia hora para o embarque. Fomos para a área de imigração onde nos despediríamos. Eu estava pronto para dizer um simples adeus e lhe agradecer por tudo quando Natasha me surpreendeu com perguntas: Alceu, você tem planos de voltar à Romênia? Depende, Natasha. As perspectivas de negócios aqui são promissoras. Se elas prosperarem certamente terei que voltar aqui. E então, para meu assombro, Natasha me fez uma pergunta desconcertante: Alceu, este seria o único motivo que o traria de volta à Romênia? Foi minha vez de calar. O que mais me levaria de volta àquele país senão o trabalho? Ela me pegou desprevenido e eu não sabia, sinceramente, o que responder. Hesitei e ela percebeu. Então, como se soubesse que eu nunca mais voltaria à Romênia, ela me fez outra pergunta ainda mais desnorteante, mas não tão difícil de ser respondida: Você vai me escrever? Neste momento me fiz de desentendido e saí com uma resposta bem estúpida: Te escrever? Como? Nem tenho seu endereço! Tem, sim! É óbvio que tenho. É o endereço da Embaixada. Eu estava pronto para lhe dizer que iria lhe enviar uma carta na embaixada quando, finalmente, ela abriu um sorriso de felicidade, exteriorizando uma gama numerosa de sentimentos. Quer saber de uma coisa, pensei comigo, e lhe disse: Oras, um sorriso tão lindo assim merece um abraço! Abracei-a e ela também me abraçou bem forte. Lentamente afastei-me um pouco, e beijei-lhe a testa e, o inimaginável aconteceu: ela beijou-me nos lábios. Perdi completamente o rebolado. Não sabia o que falar. Apenas disse adeus, e ela nada respondeu. Encaminhei-me para o corredor que leva ao setor de imigração. Parei, olhei para trás, e lá estava ela, sem sorrir, e com o mesmo olhar deslumbrante. Virei as costas e fui embora. Aquele sorriso, aquele abraço, aquele beijo, aquele olhar me acompanharam o tempo todo, até na hora de apertar o cinto para decolar no mesmo Tupolev russo que agora me levaria à capital do império soviético. Seguindo uma velha mania, revistei todos os meus bolsos novamente para ter a certeza que estava tudo no lugar, que nada faltava, mas no bolso lateral do paletó do lado esquerdo toquei num objeto estranho. Um papel dobrado em quatro, do tamanho de uma caixa de fósforo. Abri-o e perdi o fôlego. Era um bilhete da Natasha. Quando foi que ela colocou este bilhete no meu bolso? Na hora em que nos abraçamos? Comecei a ler e fiquei emocionado. O bilhete dizia: O endereço da Natasha é...Certamente era o endereço de sua casa, mas o mais comovente estava logo abaixo. Ela escreveu as seguintes palavras em três idiomas, romeno, inglês e até português:

Alceu, 
Esperar é difícil, mas suportável, Desde que a esperança não ganhe ares de eternidade. Insuportável mesmo é não ter, Todos os dias, Alguém para quem se possa sorrir e dar amor. 
Sua filósofa, Natasha


Já se passaram quase quatro décadas e muita coisa mudou no mundo. Estive muitas vezes na Europa ocidental e oriental, antes e depois do fim do comunismo, mas nunca mais voltei à Romênia. Os negócios com aquele país não deram certo. Não tenho dúvidas que a Natasha ficou muito indignada por eu jamais ter, pelo menos, enviado uma carta a ela. Não o fiz pelos mesmos motivos que me convenceram a não voltar à Romênia a trabalho, mesmo estando na Europa e bem perto dela. Eu só tinha 29 anos e ainda não estava maduro e preparado o suficiente para tomar decisões levado pela paixão. Tinha certeza absoluta que se eu resolvesse voltar à Romênia só para revê-la não me limitaria a lhe fazer apenas uma visita de cortesia. Eu a tiraria de Bucareste e a levaria embora comigo. Mas optei por ter aquela jovem mulher somente no meu coração e no meu pensamento. Escolhi uma música que me faz lembrar de tudo o que senti junto a ela por apenas dois dias e, desde então, separado por 40 anos. Muita coisa mudou no mundo, mas há certas coisas na vida das pessoas que nunca mudam. Então, o que foram aquele vestido francês e aquele beijo nos lábios? Um presente de agradecimento ou de afeto? Mas e aquela pergunta sobre o que mais me traria de volta à Romênia? O seu amor?





PRÓXIMO DA EXPERIÊNCIA DE QUASE MORTE

Texto de autoria de AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)


EQM, abreviação de EXPERIÊNCIA DE QUASE MORTE, é um fenômeno cientificamente comprovado. Ocorre, no entanto que muita gente, especialmente os espiritualistas, afirma, sem nenhuma evidência, que a EQM é uma prova de que existe vida após a morte. Isto é uma ilusão. Desde os anos 80 eu acompanho o trabalho de excelentes psiquiatras americanos que se atém, única e exclusivamente, à ciência, sem misticismos, dogmas e fé cega. Eu vou postar muitos textos sobre este tema, mas hoje vou apenas fazer uma introdução.

 

A EQM ocorre quando uma pessoa desmaia, perde a consciência, entra em coma e, às vezes, chega a ser declarada clinicamente morta, em decorrência de vários tipos de acidentes, como um infarto, um traumatismo craniano numa queda ou num acidente de carro. Enquanto médicos e enfermeiras se empenham, arduamente, para salvar a vida do paciente, a pessoa correndo risco de morte sente que está fora do corpo, geralmente flutuando rente ao teto de uma UTI, vê a si mesma deitada na cama, entubada e rodeada de médicos e enfermeiras tentando ressuscitá-la. Ela está calma e não sente medo. Tenta falar com todos os presentes na UTI, mas ninguém a ouve. Ela acha estranho e, às vezes, até se diverte com tanta preocupação com ela, uma vez que ela tem uma sensação de bem estar indescritível, e esta é a principal característica da EQM. A partir deste ponto, a experiência toma vários rumos e em geral, eles podem ser resumidos, mas não limitados, a dois tipos mais recorrentes. Num a pessoa mergulha numa escuridão total, entra numa espécie de túnel e o percorre lenta ou velozmente até vislumbrar uma forte luz branca e nela mergulha, se encontra e conversa com várias pessoas, gente estranha, mas também amigos e familiares que já faleceram. No outro tipo, enquanto flutua junto ao teto da UTI, a pessoa sente que atrás dela há uma paisagem magnífica, semelhante a um parque ou jardim, brilhando com as cores mais vivas, com um prado de verde esmeralda, cercado por grades e com um enorme portão de ferro através do qual se pode entrar no parque. A região cintila sob a luz forte do sol e todas as cores têm um esplendor extraordinário. As encostas do parque são flanqueadas por árvores verde-escuras. A pessoa tem a impressão que o parque é semelhante a uma floresta onde pé humano jamais pisou. A pessoa sabe que está diante da entrada para outro mundo e sabe que se ela olhar diretamente para este cenário espetacular será tentada a atravessar o portão e deixar a vida.

 

Os dois rumos aqui descritos em linhas gerais têm 3 aspectos em comum: a suprema sensação de bem estar, a irresistível tentação de não mais voltar e, paradoxalmente, a necessidade de voltar porque sente ou alguém lhe diz que não chegou sua hora de morrer.

 

Os médicos e as enfermeiras pulam de alegria quando a pessoa sai do coma e volta à vida, mas ficam incrédulos quando a pessoa descreve nos mínimos detalhes todos acontecimentos dentro da UTI exatamente da maneira como se passaram na realidade. Com tudo que aprendi com os estudos de psiquiatras americanos, percebi que o que a pessoa descreve sobre sua EQM varia de acordo com diferentes fatores: suas crenças religiosas, o ambiente social no qual foi criada e se encontra, seu grau de escolaridade, seu nível cultural, sua saúde física e mental antes da EQM e outros.

 

Eu conheço duas pessoas honestíssimas que tiveram uma EQM, e de cujas sinceridades e veracidades não tenho nenhum motivo sequer para duvidar. Uma tem um nível cultural elevadíssimo, escreveu livros, tem doutorado e sempre foi chamada pelas melhores universidades do país para ser juíza de bancada em defesas de tese. Ela é cristã, espírita kardecista ferrenha e acredita piamente na vida após a morte; Ela me disse que durante uma cirurgia com anestesia geral, ela saiu do corpo e encontrou-se com um espírito superior que lhe deu preciosos ensinamentos durante sua EQM. Portanto, ela foi muito além de um encontro com familiares e amigos que já faleceram.

 

A outra é muito culta e inteligente, e ocupou cargos públicos de alta hierarquia. Ela não é espírita, mas respeita a espiritualidade. Ela me disse que durante um procedimento cirúrgico, após tomar anestesia local, ela tevê uma espécie de choque anafilático, desmaiou e teve uma EQM. O que ela viu foi aquele monumental parque parecendo uma floresta não habitada e que lhe provocava uma tentadora vontade de abrir o portão e entrar.

 

Agora farei um breve retrospecto das pesquisas sobre EQM. Na década de setenta do século passado, a psiquiatra americana, Elizabeth Kluber Ross popularizou o fenômeno da EQM, através de palestras, entrevistas e seminários. Trabalhando com pacientes terminais, ela alegou ter conversado com mais de mil pessoas e, com base nos depoimentos de todas essas pessoas, homens, mulheres e crianças, ela afirmou, categoricamente, que existe vida após a morte, mas sem nenhum embasamento científico. Elizabeth nunca publicou um livro sobre suas pesquisas. Mesmo assim, ela foi considerada pioneira no assunto e a mais renomada – e polêmica – tanatogista dos EUA. Sem quase nenhuma ajuda e contando apenas com seu árduo trabalho, sua eminência e seu carisma, Elizabeth despertou o interesse público e de profissionais na EQM.

 

Um destes profissionais, o médico americano Dr. Raymond A. Moody  seguindo os passos de Elizabeth, publicou um livro relatando seus onze anos de pesquisa da EQM. Seu livro Vida Após A Vida tornou-se um Best-Seller mundial, traduzido em 24 idiomas, inclusive no Brasil. No embalo de seu sucesso, Raymond publicou seu segundo livro, Reflexões Sobre Vida Após a Vida e anunciou, oficialmente, que realmente existe vida após a morte. Assim como a disseminação pública dos resultados das investigações de Elizabeth  os livros de Raymond não apresentaram quaisquer fundamentos científicos incontestáveis para sustentar suas afirmações. A popularidade destes dois notáveis profissionais da medicina acabaram por ofuscar o fato de que eles não foram pioneiros nos estudos da EQM.

 

Quase meio século antes deles, outros eminentes pesquisadores ocuparam-se deste assunto. Nos anos trinta, Edmund Gurney, F.W.H Meyers e Sir William Barret estudaram a EQM sob o título Pesquisa Psíquica. Mais recentemente, Karlis Osis e Erlendur Haraldsson, chamados de parapsicólogos, abordaram as características fenomenológicas e as mudanças de humor associadas com a EQM, revelando uma notável semelhança interna com os relatos de Elizabeth e Raymond 

 

O geologista suíço, Professor Albert Heim, sofreu um acidente nas montanhas que quase o levou à morte. Por isso, ele passou 25 anos entrevistando pessoas que tiverem experiência de quase morte e publicou um obra sobre o assunto que caiu no esquecimento. No início dos anos 70, O psiquiatra Russel Noyes Jr, e seu colega, Ray Kletti, recuperam o trabalho de Albert e o traduziram para o inglês. Russel e Ray deram continuidade às pesquisas de Albert e chegaram a uma conclusão contrária às de Elizabeth e Raymond. Eles propuseram o termo despersonalização como uma defesa do ego para se proteger contra uma insuportável perspectiva de morte iminente. As pesquisas de Albert, seguidas por Russel e Ray, inspiraram outros profissionais interessados na EQM. O psicoanalista checo, Stanislav Grof, tornou-se uma das maiores autoridades nos efeitos do LSD na consciência humana, e a antropologista americana, Joan Halifax, uma estudiosa das experiências visionárias, foi coautora do livro O Encontro Humano Com A Morte, que compara a prototípica EQM com a experiência induzida por drogas psicodélicas, causadoras de psicoses, mormente o LSD. Sobre as experiências com drogas alucinógenas, é de grande importância a contribuição do americano, Doutor. Ronald K. Siegel, cujas pesquisas foram publicadas, em 1992, no bom livro Cérebro Em Chamas. Ronald convidava voluntários a virem ao seu laboratório para experimentos. As cobaias deitavam em colchões e tomavam LSD, enquanto Ronald anotava todas as alucinações descritas pelas cobaias. Ele mesmo, o Ronald, tomou LSD para constatar os relatos de seus convidados.

 

Concluímos, portanto, que a EQM ocorre não somente por acidentes com perda de consciência, mas ela pode ser induzida por drogas com alteração no estado consciencial. Músicos famosos, usuários de drogas, já confessaram em público que compuseram muitas músicas inspirados pelos efeitos de alucinógenos.. Os Beatles foram os mais criativos com estas experimentações. John Lennon e George Harisson eram os mais viciados em LSD. Eles diziam que empreediam uma viagem ao mundo da fantasia, com todos os 5 sentidos super aguçados, viam coisas que nunca tinham visto e tinham aquela perfeita e amplamente conhecida sensação de bem estar.. 

 

No entanto, não é qualquer droga que proporciona efeitos agradáveis. Pete Townshend, e mentor do The Who, a lendária banda de rock britânica, teve um experiência horrível com drogas. Ele diz que costumava tomar LSD, uma droga que produz um tranco, um mal estar durante meia hora, mas depois a mente começa a planar e entra numa viagem agradável. Em 1967, quando a banda voltava do Festival de Monterey, nos Estados Unidos, lhe deram uma droga mais potente: a STP, manipulada pelo químico americano conhecido apenas como Owsley..Pete tomou essa droga no avião retornando para a Inglaterra. O efeito foi horrível. O tal do tranco durou umas 4 horas. O mal estar era pior que tortura medieval. Pete passou tão mal que acabou saindo do corpo, e se viu flutuando junto ao teto do avião durante uma hora e meia, vendo a si mesmo no assento. Durante esses 90 minutos ele entrava e saia do corpo. E cada vez que ele voltava ao corpo sentia o mesmo mal estar. Enquanto estava fora do corpo, ele se sentia vivo, mas inconsciente do mundo ao redor. Quando o tranco, finalmente, parou, ao invés de planar numa viagem maravilhosa e ver imagens e cores vivas e exuberantes, ele passou uma semana inteira tentando se lembrar quem ele era e o que fazia na vida. Isso nos mostra que certas drogas não proporcionam aquela sensação de bem estar indescritível da EQM.

 

Os espiritualistas pensam que numa EQM o que se separa do corpo é o espírito da pessoa e que ela visita outras dimensões espirituais e conversa com espíritos de pessoas que já morreram, e como já disse anteriormente, isso é uma ilusão. Os espiritualistas não sabem explicar porque é tão comum e recorrente com várias pessoas em todo o mundo a EQM seguida daquela visão de um enorme parque, ou jardim, ou floresta, completamente desabitado. Embora haja variantes na EQM, as predominantes são aquelas duas que já expliquei: a pessoa que mergulha numa escuridão, percorre um longo caminho, até se encontrar e conversar com amigos e familiares que já faleceram; e aquela em que a pessoa sente que atrás dela há uma paisagem magnífica, semelhante a um parque, jardim ou floresta desabrida, com uma esplendorosa vegetação de outro mundo. A primeira variante á fácil de explicar: o paciente da EQM manifesta seu inconsciente individual que contém todas suas crenças, religiosidade e influências de terceiros, por isso ele logo pensa em vida após a morte. A segunda é bem mais complexa, porque o paciente entre em contato com o inconsciente coletivo e por isso jamais volta falando em vida após a morte. Esta segunda, o jardim ou parque ou floresta completamente desabitado, é um arquétipo sobre o qual vou falar nos próximos vídeos.

 

Por ignorarem a ciência, os espiritualistas e místicos não sabem que durante uma síncope ou estado de coma, o sistema simpático do cérebro não está paralisado e é considerado como um portador de funções psíquicas o que prova a existência de pensamentos e percepções transcerebrais. O mesmo pode se dizer do estado normal de inconsciência durante o sono que contém sonhos potencialmente conscientes e que os sonhos são produzidos, não tanto pela atividade do córtex cerebral adormecido, quanto pelo sistema simpático do cérebro não afetado pelo sono e, por isso, os sonhos são, também, de natureza transcerebral como a EQM. Pouca gente sabe que o ser humano é capaz de projetar a consciência para fora do cérebro em qualquer estado: vigil, onírico e numa EQM. Pouca gente sabe que a paranormalidade, chamada pela ciência de percepção extrassensorial é semelhante ao Q.I. Uns tem menos, outros tem mais. Uns direcionam sua inteligência para uma determinada área, outros para outra área completamente diferente. Pouca gente sabe que a CIA dos EUA e KGB da Ex União Soviética, usavam, na guerra fria, e continuam usando até hoje, paranormais com o dom da visão remota, a capacidade de projetar a consciência para fora do cérebro a milhares de quilômetros de distância para fins de espionagem. Pouca gente sabe que a polícia civil americana usa paranormais com visão remota para localizar pessoas desaparecidas e o índice de acerto é de 100%; A minha percepção extrassensorial está nos sonhos que já levaram minha consciência para o passado e o futuro, para lugares onde nunca estive e que, muitos anos depois, constatei que existem, e para lugares com pessoas em situações litigiosas ou polêmicas que eu desconhecia completamente e que constatei serem verdadeiras ao conversar com as pessoas envolvidas em tais situações. Eu tive uma EQM, mas de menos de 1 minuto, por isso digo que estive próximo dela. Não vou aqui descrever minha experiência na sua totalidade. Vou apenas destacar 4 detalhes: 1) Mergulhei em completa escuridão, por isso não posso fazer nenhuma análise do campo visual de minha EQM; 2) Eu estava confortavelmente deitado e sentindo aquele tão propalado bem estar indescritível; 3) Duas mulheres, invisíveis na escuridão, conversavam sem parar. Uma do meu lado direito e outra do meu lado esquerdo. A do lado direito é a que mais falava sobre um assunto que nada tinha a ver comigo. Eu não as via, mas as vozes delas eram bem mais nítidas do que as vozes de pessoas que ouvimos em sonhos 4) Quando recobrei a consciência, eu estava um pouco decepcionado e o primeiro pensamento que me veio à mente foi: Por que me tiraram daquele lugar tão bom?