segunda-feira, 27 de maio de 2024

A VIDA COMO ELA PODE SER

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Há médicos e médicos, nos ensina nossa crestomatia de axiomas pseudofilosóficos. Se nossos chavões tivessem um tom melodioso, eu incluiria, neste improvável cancioneiro nacional de máximas e em homenagem ao Doutor Petrusa, um estribilho estrangeiro, destituído de estereotipagem, escrito por John Lennon sobre o Doutor Robert: well, well, well, you´re feeling fine, well, well, well, he will make you. Ele fazia tão bem aos moptops, os cabeludos de Liverpool, quanto estes fizeram à música no mundo. Que não se enganem os que não conheceram o Doutor Petrusa. Longe de ser um periodeuta grego, dispensando seus cuidados profissionais, ou perambulando high and low para ensinar sua arte, e tampouco um sugar plum fairy, como dizem os londrinos, o fornecedor oficial de drogas para os Beatles, segundo John. Comparo o Doutor Petrusa somente à eficiência do Doutor Robert no atendimento às necessidades químicas dos quatro gênios ingleses: day or night he'll be there anytime at all. É verdade, porém, que nos últimos 30 anos de seu exercício, o Doutor Petrusa começou a apresentar gradativos sintomas repentistas, nada preocupantes, e até cômicos, súbitas tiradas e mudanças de assunto, como o popular de pato para ganso, e inesperadas observações sobre sua vida particular e alheia, algo impossível nos seus áureos tempos. A propósito, e sem juízo de valor ou de realidade, foram estas três décadas atípicas que me levaram a reabrir seu consultório: se não pude traçar um perfil completo e fidedigno deste médico por excelência, e se me faltaram histórias sobre ele quando estava no auge de sua carreira, foi apenas porque ele sempre se manteve fiel ao seu juramento de Hipócrates e à ética que não permite que um profissional da medicina mantenha uma relação de amizade com seus pacientes – isso não o torna menos interessante, sem a máscara da profissão, mas, ao contrário, sempre distante dos holofotes, e agarrando-se à simplicidade de sua condição humana, ele, me desculpem o hiperbolismo, iluminou mais gente do que as luzes que ele apagou para dormir. Para ser justo com meu protesto de veneração e respeito ao Doutor Petrusa, filio-me à nossa fértil antologia de sofismas e corroboro com algumas delas. Para mim, ele era a conclusão de um silogismo hipotético, na verdadeira acepção do ofício que exerceu. De família em família, cuidou de bisavós e bisnetos, e um sem-número de pessoas que não passaram pela minha vida. Não me surpreende que entre seus clientes houvesse aqueles que o caluniavam, apregoando, a boca pequena, o maledicente comentário sobre a rapidez de suas consultas, de no máximo 5 minutos, insinuando que ele tinha pressa para enriquecer, atendendo o maior número possível de clientes por dia. Estes sicofantas nunca tiveram a capacidade de fazer uma avaliação comparativa entre o baixo preço que ele cobrava e seu objetivo e bem-sucedido diagnóstico de uma doença que, por mais que ela e o pessimismo psicossomático de sua vítima desejassem, não escapava à sua cura. Em desagravo, várias vezes testemunhei o Doutor Petrusa deixando o consultório e uma sala de espera lotada, sem dizer uma palavra sequer, para atender a um chamado de urgência. Prioridade total era dada àqueles que sofriam e não podiam esperar. Que esperassem os impacientes com hora marcada. Doutor Petrusa sempre voltava, e atendia até o último perseverante, mesmo que tivesse que voltar para casa à meia-noite. Ele era sisudo, não sorria, era avesso a prolixidades, mas isso não fazia dele uma pessoa desagradável e antipática. Muita gente confundia praticidade, responsabilidade e competência com falta de mimo. Para esse clínico geral, cirurgião, infectologista e, de lambujem, psiquiatra, a vida reservava um destino que Castro Alves escreveu em suas Poesias Escolhidas: Fatalidade atroz que a mente esmaga, extingue nesta hora o brigue imundo, o trilho que Colombo abriu na vaga, como um íris no pélago profundo. Um acidente torpe, uma escorregadela no ambiente de trabalho partiu-lhe a coluna. Aqui terminava uma vida como ela é, e começava outra como ela pode ser. O Doutor Petrusa saiu de um coma para um estado semiconsciente. Não conseguia fazer qualquer movimento, nem falar, nem ver. Mas que erro cometeu ele, parecendo ter ouvido aplausos da multidão, vozes de extrema-unção, de dois jovens que decidiram administrar-lhe um remédio injetável, que o tarimbado médico, que todos os medicamentos conhecia? Em que erro ele caiu para ter a vida abreviada, sem dor ou sofrimento? Nunca em toda a sua vida o Doutor Petrusa rezou tanto para o seu Deus católico. E um segundo milagre foi realizado. Uma terceira opinião sugeriu outro procedimento e foi acolhida. O primeiro milagre foi ter sobrevivido à queda, o segundo à eutanásia, e outros viriam. Cirurgias e mais cirurgias, medicamentos e mais medicamentos, tratamentos e mais tratamentos, puseram-no numa cadeira de rodas por dois anos, sem paraplegia. Naqueles dias, Deus parecia estar com mania de excepcionalidades que não se explicam pelas leis da natureza. Mais algumas primaveras, e o Doutor Petrusa já andava, com muita dificuldade, mas ereto, cabeça para o alto, olhar cheio, e uma espécie de sorriso inteligente e permanente – que cada um carregue sua cruz com classe, ele me diria tempos depois. Com os três filhos casados e encaminhados, a esposa e muitos livros por companhia, ele não passaria o resto de seus dias sentado num sofá. Voltaria a praticar o que mais amava, e isso exigiria muita força de vontade, pois ele gastou tudo o que tinha para se manter vivo neste mundo: se Deus ainda me quer por aqui é porque ainda não trabalhei o suficiente, ele me acrescentou. Alugou uma sala numa pequena clínica e um modesto apartamento a uma quadra dali. Passava as manhãs fazendo obrigatórios e eternos exercícios para coluna. No início da tarde, caminhava lenta e cuidadosamente até o consultório. Um cartaz na parede do lado direito de sua mesa dizia: Passarei por este caminho uma só vez; por isso, se existe qualquer bem ou qualquer gesto de bondade que eu possa fazer em benefício do ser humano, que eu faça já. Que eu não negligencie um segundo sequer, pois por este caminho jamais passarei novamente. Este médico, na mais perfeita e excelsa acepção desta palavra, uma raridade que disponibiliza seu telefone de casa para poder ser chamado a qualquer hora da madrugada e se arrastar até o consultório para atender uma urgência, é um homem que nada mais tem a perder, exceto seu amor ao trabalho, à sua profissão e aos seres humanos que precisam de cuidados médicos. E por continuar vivo quando já não deveria, pelo menos comigo - não sei quanto aos demais pacientes - seu atendimento sempre foi profissional, mas com uma inusitada informalidade e até um senso de humor involuntário e impensado. Foram muitas consultas desde sua nova vida após sua ressureição do coma até a última badalada de seu coração. Algumas das conversas paralelas  que tivemos nessas últimas consultas serão narradas como se todas elas tivessem transcorridas num único dia, numa única consulta. PARALELA é tudo aquilo que não diz respeito a um atendimento médico num consultório:

- Boa tarde, Oxman. Me desculpe a falta de educação. Eu não deveria estar fumando diante de um paciente. O problema é que não consigo largar esta porcaria.

- Eu consegui!

- Eu sei, você já me disse. Isso ajudou a reduzir seu estresse e vai prolongar sua vida mais um pouco.

- Ainda estou um pouco estressado.

-Como assim?

- Continuo no mesmo ritmo: levanto às seis, às sete já estou trabalhando na Avenida Paulista, às 18 vou para a faculdade de psicologia, chego em casa às 23 e, antes de dormir, ainda leio um pouco e preparo uma palestra para o Centro Espírita.

- Preparar palestras para quê?

- Tem gente que precisa ouvir certas coisas. Não posso guardar só para mim tudo o que aprendi. Como dizem os cristãos, estou dando de graça o que recebi de graça.

- Oxman, pare com isso e viva sua vida. O único cara que tentou fazer bem ao mundo de graça morreu pregado numa cruz!

- Esse cara não existiu. É um mito.

- Você não lê a Bíblia?

- Já li. É um livro de mitologia, fantasias para crianças, igual o Pato Donald, o Mickey, o Pateta....

- ...Está bem, Oxman. Eu sou católico e respeito sua opinião. Agora suba na balança.

- Com sapato?

- Não, tire o sapato. Ótimo, muito bem! 69 quilos. Emagreça só mais dois quilos. Quanto mais magro, melhor para sua saúde.

- Dr. Petrusa, por falar em saúde, sabe aquela vitamina Centrum que o senhor me receitou?

- Sim, sei, o que é que tem?

- Está quase no fim. Já tomei 147 cápsulas. faltam só 3 para terminar. Devo continuar tomando?

- Não, não precisa. Mas quando terminar, não jogue o frasco fora. Traga-o para mim.

- Pra quê?

- É bom para guardar isca de peixes.

- O senhor gosta de pescar?

- Sim, muito. Costumava pescar num sítio aqui perto. Você pesca?

- Não, mas brinco de pescar em alto mar quando procuro paz de espírito. 

- No mar eu não me atrevo. Sabe, um dia convidei minha mulher para ir pescar, mas ela não aceitou sair de São Paulo. De qualquer maneira, não seria possível viajar, minha filha do meio me pediu meu carro emprestado já faz um ano. Este não volta mais. Também, aquele marido  vagabundo que ela arranjou não serve para nada. Além disso, aquele carro vivia mais no mecânico do que na garagem do prédio. Um desses mecânicos me enrolou mais de um mês, então resolvi ir até a oficina dele. Ela ficava no fundo de um terreno baldio com portão de ferro. Quando ele me viu chegando, para me intimidar, ele soltou dois dobermanns bem bravos em minha direção. Assim que eles se aproximaram de mim, eu pus os dois para dormir. O sujeito, assustado, me devolveu o carro arrumado no dia seguinte sem cobrar.

- Onde o senhor aprendeu a hipnotizar?

 - Eu fiz psiquiatria duas vezes. 

- Duas? Por quê?

- Na primeira vez eu escrevi uma tese e a entreguei ao meu orientador. Passaram-se mais de 2 meses, ele sumiu com minha tese e ainda usou-a para publicar um livro de sua autoria. Assim é o mundo, meu caro Oxman. Tem muito canalha por aí que não vale o que come e nem o que evacua.

- Nossa, lamentável. E a segunda vez?

- Enquanto estive em cadeira de rodas, reli todos os livros de psiquiatria e tirei um novo diploma, para esquecer e enterrar o rancor que eu tinha daquele...não quero mais falar disso, já não tenho mais mágoa.

 - E por que o senhor não exerce a profissão de psiquiatra?

- Minha paixão é o centro cirúrgico. Adoro operar, nada me dá mais prazer do que consertar uma pessoa e salvar a vida de outra.  

- O senhor já anda normalmente, por que não volta a fazer cirurgia?

- Porque eu consigo ficar de pé, no máximo, duas horas. Se a cirurgia  passa deste tempo, eu não posso, simplesmente, pedir a outro médico que dê continuidade à operação. A responsabilidade é minha. Quem começa tem que terminar, entendeu? Uma cirurgia de duas horas pode ter complicações e passar de 3 horas.

- Há algum tipo de operação que pode melhorar sua coluna?

- Sim, aqui no Brasil há, mas é de altíssimo risco. As chances de sair vivo é de menos 10%. Nos EUA há uma cirurgia da coluna bem segura, mas custa mais de US$ 1 milhão. Eu já tive este dinheiro, agora só tenho o que ganho aqui no consultório. Por falar nisso, posso te fazer um pergunta?

- Claro!

- Você trabalha com comércio e marketing internacional, não?

- Sim!

- Sabe, já faz uns 5 anos que cobro 90 reais pela consulta. Você acha que se eu aumentar para 100 reais é um abuso?

- De forma nenhuma. 100 reais ainda é bem barato.

- Um momento...Luiza, avisa a todos que a partir de hoje a consulta passa a ser 100 reais. 

- Não se preocupe, Dr. Petrusa, ninguém vai reclamar.

- Espero que não. De qualquer maneira eu não cobro nada de muita gente que não tem dinheiro nem para comprar remédios, e eu dou a essa gente remédios de graça. São amostras grátis de vendedores que vêm aqui todos os dias. Eu só cobro de pessoas como você que eu sei que pode pagar.

- Entendo, Dr. Petrusa, não precisa se justificar. Eu entendo.

- Sabe, Oxman, certa vez, antes de eu quebrar minha coluna, dois colegas meus me convidaram para ser sócio deles na construção de um hospital no interior de São Paulo, mas minha esposa não quis sair da cidade. Hoje estes dois colegas estão milionários.

- O senhor ficou chateado com a decisão de sua esposa?

- Não, fiquei triste por ela ter ficado doente e ter morrido nos meus braços em casa. Hoje vivo sozinho.

- Lamento, Dr. Petrusa.

- Nada de lamúrias, Oxman, vamos carregar nossas cruzes com classe. Por falar nisso, agora lembrei-me. Uma noite destas, eu estava em casa relendo alguns livros de medicina e você não sabe o que aconteceu.

- O que foi?

- Só depois de velho, eu vi um espírito pela primeira vez na minha vida. Ele surgiu flutuando na minha frente e me perguntou o que eu estava lendo. Assim que eu expliquei ele me disse: 'A medicina de vocês está mais de 150 anos atrasada em relação à nossa' e sumiu de repente. Você que é espírita, como você explica isso?

- Eu não sou espírita, Dr. Petrusa. Sou ateu.

- Então que tipo de palestra você disse que ministra num Centro Espírita?

- Eu não falo sobre espiritismo. Só falo de gente como Pitágoras, Sócrates, Platão, Diógenes, Santo Antão, Joana D'Arc, Gandhi e outros,

- Mas Sócrates era espiritualista, não?

- Não, ele não era. Quem era espírita era Pitágoras. Ele dizia que ainda se lembrava de suas últimas 3 encarnações.

- Então o que você falava sobre ele?

- Eu só falava do que ele mais gostava: música. Ao contrário do que todos pensam, matemática não era o forte dele, era apenas um passatempo. Eu até acho que o famoso Teorema de Pitágoras nem foi inventado por ele.

- É mesmo? Eu não sabia disso. Olha só, antes que eu me esqueça, outro dia você me ligou pedindo para eu explicar a morte de seu pai. Embora ele tivesse câncer de cólon retal com metástase no pulmão, na verdade, ele morreu de intoxicação com aquela tinta que ele aspirou quando entrou no prédio dele recém pintado, teve uma dobra de intestino, precisou ser operado, pegou infecção hospitalar que se generalizou e entrou em estado de SARA, a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda cujo índice de óbito é de mais de 95%.

- Por que o senhor não cuidou dele quando ele foi hospitalizado.

- Porque um médico não pode cuidar de um amigo.

- Por que não?

- É como um advogado que não pode defender um parente. Você não conhece a lei e a ética?

- Ah, sim, agora entendo.

- Olha só, eu sei que você está indo embora e a gente nunca mais vai se ver, mas não se esqueça de mim. Você e seus dois irmãos são meus meninos.




ANYTHING YOU WANT



Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

A lifetime lived, A whole Sisyphus work started over, At full brilliance, All demigods' friends, All the united and translucent suns of pale gold, Which I am still allowed to see, Reviving, They are yours, All those colossal waters, Going down, Through twisted paths, From the top of rapids to infinity, Among so indecipherable sortileges, How eternal moment of venture, Adored be all of you, I return them to your eyes, All the moonlights running the hours over sighs, Sweet harp's preludes, Over your body's singleness, Lighter than a magnolia leaf, Fallen from the sky in the night dissolved in stars, June moon silvering the fields, Whiteness of light in the silent mornings, I return them to your memories, All the cold fear that flows in my veins, All my fire that burns feverishly and remains unseen, Everything that cools me down and drives me crazy, That lifts me up and knocks me down, They are all love I give to you, From the bottom of my heart.

TEM ALGUÉM NOS ESPERANDO NO AEROPORTO?

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



Depois da apresentação no Ed Sullivan e de um concerto em Washington, os Beatles rumaram para a Flórida. Carol Gallagher era uma aeromoça americana e ficou sabendo, no último instante, que os Beatles estariam no seu voo de duas horas de Nova Iorque para Miami. Ela já era fã de suas músicas pelo rádio e agora teria o privilégio de vê-los cara a cara e ainda servi-los. Carol levou semanas para refazer-se da emoção de tê-los conhecido justamente em sua primeira visita ao seu país em 1964. John, ao lado de sua esposa Cynthia, permaneceu quieto o tempo todo, sentado na última fileira. Os outros não paravam de distribuir autógrafos. Eles primavam pela alegria, simpatia e um senso de humor que Carol nunca vira antes. Eles davam a nítida impressão de que não estavam levando a sério esta ideia de conquistar o maior mercado de consumo do mundo. Na verdade, eles não levavam os Beatles a sério. Para eles, tudo não passava de uma grande aventura. Eles deviam estar pensando: Já que estão nos pagando, por que não aproveitar e divertir-se? Ringo era o mais hilário. Ele insistiu em colocar um colete salva-vidas antes de aterrissar e queria, a todo custo, ver da janela do avião algum tubarão no mar. Paul era a prova cabal de que os Beatles não esperavam tornar-se famosos nos EUA. Ele perguntou à Carol:Será que vai ter alguém nos esperando no aeroporto? Ao descer do avião, milhares de pessoas enlouquecidas os aguardavam do lado de fora. Elas, na maioria mulheres, pularam a grade e invadiram a pista. Os 4 membros dos Beatles foram logo colocados em limousines e partiram, seguidos a pé por uma multidão ensandecida. O público queria dar a eles as honras de heróis, como se fossem astronautas voltando da primeira viagem tripulada à Lua. Algumas das celebridades americanas, com uma pontinha de inveja, diziam que eles entregaram a América de bandeja para os Beatles. É verdade que eles não precisaram conquistar nada; o mundo todo prostrou-se aos seus pés como súditos reconhecendo a majestade de seus reis.