sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A LINGUAGEM DO CORPO NA SEXTA-FEIRA, 13



Texto de autoria de AustMathr com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Sexta, 13, é um dia azarento. Um dia para Satanás regozijar seus olhos anticristãos e infernizar a vida de incautos de pouca fé. Um dia para ele festejar a heresia. Dizem os sabe-tudo do vaticano que o coisa-ruim se vale do fato de Jesus ter sido traído por um amigo e preso numa sexta-feira, logo após ter celebrado sua última ceia com 13 pessoas à mesa, e ser levado à morte dois dias depois. Não sou supersticioso mas, por via das dúvidas, tomo minhas precauções. Minha sogra já apareceu um dia em casa, em plena sexta, 13, sem avisar. Amarro a cara assim que os primeiros raios de sol surgem no horizonte. Não se pode esbanjar bom humor cedo demais. Dá azar. E o tinhoso está atento. Felicidade se conquista dia após o dia. Só abro um largo sorriso depois do meio-dia. Toda manhã acordo espirrando. Não sei porquê. Mas numa sexta, 13, cuido para que minha esposa fique ao meu lado o dia inteiro, pedindo a deus para me abençoar a cada esternutação. É essa bênção que evita que o espírito escape do corpo a cada espirro. Depois do café da manhã costumo soluçar. Isso, dizem, também é um orixá querendo me fazer de cavalo. Para expulsar o sapucaio, prendo a respiração pelo nariz, tomo um copo de água, enquanto minha mulher me dá um baita susto por trás, estourando uma enorme bexiga junto aos meus ouvidos. De manhã demoro para pegar no breu. Fico meio sonolento até às nove, e bocejo muito. Minha esposa entende muito de obsessão. Ela me pede para tampar a boca com a mão ao boquejar, senão o pé de gancho me entra pela goela. Interessante é que quando bocejo, ela boceja também. Ela também reclama que eu me coço demais e que, num dia como uma sexta, 13, isso é um mau presságio. O mafarrico pode provocar um bate boca feio com alguém. Sigo seu conselho e aguento a comichão até o dia acabar com minha mulher em minha cama. Lá o batibarba fala a linguagem do corpo. Quando me preparo para começar a trabalhar, primeiro dou uma cusparada nas mãos e as esfrego, para me dar força extra contra o infortúnio. A saliva tem um poder de cura mágico. Por isso meus gatos e cachorros vivem se lambendo. Minha mulher não é muito diferente. Basta ela machucar um dedo e já o enfia na boca. Tenho também algumas crises de tosse. Para contê-la tenho uma simpatia. Pego um fio de cabelo e o coloco num sanduíche com manteiga. Ofereço-o a um de meus cachorros e lhe digo: Coma bem seu cão, Que você seja sadio e eu são. Às vezes tenho câimbra e dói muito. Numa perigosa sexta, 13, carrego alguns ossos de animais. Eles protegem. Se a câimbra vem e não passa, deito por alguns minutos com um par de sapatos em cima do estômago. Só assim a dor vai embora. A má sorte de uma sexta, 13, venha de onde vier, pode ser, até certo ponto, controlada. Para não deixar a sorte escapar, mantenho os dedos cruzados em tudo que faço, até para soltar um gás. Se o mau humor me protege contra o azar a manhã inteira, assobiar numa sexta, 13, é pedir para o azucrim te empossar. Gosto de assobiar, mas não numa sexta, 13. Minhas cãs estão aumentando aritmeticamente. Todos os dias arranco os fios brancos, um por um. Nuna sexta, 13, só dou uma guaribada neles com graxa de sapato. Dizem que na sexta, 13, quanto mais fios de cabelos brancos se tira, mais eles se multiplicam geometricamente. Todos os dias aparo as unhas dos pés e das mãos. Meu vizinho me disse que numa sexta, 13, é preciso enterrar ou queimar as unhas cortadas porque se o beiçudo as encontra numa sexta, 13, ele arrepia para valer. Minha dona me pede para simplificar. Deixe para cortar as unhas no sabado, 14. Neste último dia útil da semana, no sexto número primo do mês, o famoso olho gordo ganha peso considerável. O que faço para sair de seu foco é ficar na moita, passar desapercebido, não falar absolutamente nada a meu respeito, muito menos chamar a atenção para algo que tenho e outros não têm, uma linda mulher, por exemplo. Assim que os últimos raios de sol abrem a noite para as estrelas começa a alegria. É chegada a hora do amor. Aqui em casa se faz amor todos os dias, mas sexta é especial. Dia para beliscar um queijinho mais maneiro e bebericar um bom vinho chileno de, no máximo, 35 reais. Depois, cama! Dizem que o demônio é muito chegado numa sacanagem. Ele está convidado a vir ao meu quarto numa sexta, 13, lá pelas 22 horas. Ele terá que se conformar em assistir. Ele pode esgotar seu arsenal de mutretas que não conseguirá participar. No batente superior da porta de meu quarto penduro réstias de alho e ferraduras. Nas paredes há crucifixos. Sei que são fetiches que afugentam somente vampiros e que o diabo tira de letra. Mas acima de minha cabeceira há dois posters irresistíveis: Um mostra Judas de costas, enforcado, sangrando pelo ânus, depois de ter sido  estuprado pelo seu arrependimento. O outro mostra Jesus,  saindo andando de seu túmulo, e esperando-o do lado de fora Maria Madalena cheia de contentamento. E hoje é sexta,  13, mas também 26,  meu dia de sorte,  o dobro de 13.   Portanto, o diabo que se cuide.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

GENTE FELIZ

 

Texto de autoria de Austmathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.


Esta poesia parece ser um momento de descontração de Austmathr. No entanto, as ideias sempre metafóricas entrelaçadas nos versos são bem complexas. As duas frases finais 'Me faz sorrir aos amigos o encantamento de que estou possuído, Contaminado de gente feliz'  são uma ironia, uma vez que Austmathr não tem um único amigo e vive em completa solidão. Ele já se acostumou a ela. Como disse Carl Jung: 'A solidão é perigosa e viciante. Quando você se dá conta da paz que existe nela, não quer mais lidar com pessoas'. Para Austmathr, a verdadeira paz de espírito está no mar profundo para onde ele ainda deseja voltar antes de morrer. Austmathr homenageia a música americana com SHINY HAPPY PEOPLE da banda R.E.M, e também o que há de melhor na música brasileira com FESTA DO INTERIOR de ABEL SILVA e MORAES MOREIRA, na voz de GAL COSTA.
Gwendolyn Marie-Baxtor (vulga inglesa Luso Chinesa) 
4 de Outubro de 2023

O céu é um copo vazio de chuva, Sorvida pelo solo fértil como diamantes de primeira água, Suado de gotículas dos orvalhos da graça de Deus, Oferendas ao sol que limpa o tempo, Azula o firmamento de uma ponta do arco-íris  à outra, Salto de paraquedas, Ele não abre, Em queda livre, Sinto a liberdade do pássaro de espírito apátrida, Do eterno sonho que sonhava minha alma ansiosa e extasiada, Fazendo deste mergulho no vácuo o momento mais alegre, Que sempre me fora adiado, Qual vida passageira que vive só uma vida, Qual brancas nuvens baixas e transitórias, Tênues e imóveis, Matando-me como uma bola no peito aberto, Aos últimos raios filtrando-se entre as frouxas luzes do crepúsculo vespertino, Às estrelas que estão para nascer, A mais um belo dia que me conduz ao altar do mundo e me faz acreditar, Me faz sorrir aos amigos o encantamento de que estou possuído, Contaminado de gente feliz.


domingo, 1 de outubro de 2023

THE PASSANGER

 

 Texto de autoria de Austmathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DAS MÚSICAS DOS VÍDEOS POSTADOS NO FIM. Sem elas, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Eis aqui mais uma interessante e bela poesia de AustMathr. O tema é super manjado, como dizem os brasileiros: todos nós sabemos que só estamos fazendo um curta passagem por esta vida, sem sabermos o que ela significa e que importância há na brevidade de um simples piscar de olhos. Notem, no entanto, que o texto fala de pessoas estranhas: Quem pode ser uma pessoa que se confessa imprestável e irresponsável, que não precisa rezar, não precisa mais fazer experiências com a humanidade e que, mesmo sendo tão curta esta passagem, ainda enaltece uma mulher jovem e formosa e que deve ser adorada. Quem é este homem e quem é esta mulher? Em cada texto que escreve, AustMathr sempre escolhe uma ilustração que simboliza os olhos do texto.! No entanto, o que se vê nesta escultura é paradoxal: ao invés de estarmos descendo para baixo da terra que é o destino de todos nos, estamos brotando dela para a superfície! Alguém consegue explicar? AustMathr sempre homenageia a música britânica, a melhor do planeta, aqui com THE PASSAGEM de SIOUXSIE AND THE BANSHEES, e sempre que pode, ele homenageia também o que há de melhor na música brasileira, aqui com NUVEM PASSAGEIRA de HERMES AQUINO, cantada por ELLEN OLÉRIA.
Gwendolyn Marie-Baxtor (vulga Inglesa Luso Chinesa) 
1 de Outubro de 2023

Estou aqui por fração de tempo, De piscar de olhos de esplendor e um sem fim de tédio das lembranças, A totalidade de minha alma não se demorou na honestidade, Já fui fichado, Quase detido, Um pouco foragido, Um pouco escondido, Nos meus ancestrais, A eles rezando as ave-marias de mais de um terço, Sumindo devagar no crepúsculo, Surgindo em silêncio na boca da noite, Embora andando proscrito, Sou passageiro que correu as sete partidas, Oferecendo o que tinha a este ou aquele, Sempre na esperança de que algum dia me pusessem à testa de alguma responsabilidade, Enganando este ou aquele, Oferecendo o que não poderia, Sempre na ignorância de que em nenhum momento me pusessem diante de uma falsidade, Mas como um galheta, Um mísero desterrado, A morte me arrancará os ferros, Ela é sobre-humana, Dona da eternidade, Divindade das águas, E das terras, Indiferente à dor, Às alegrias, Aos desgostos, Imune às paixões, Surda aos gritos de desespero e solidão que saem do chão e chegam aos céus impassíveis, De azul enegrecido, Marfim ebanizado, Remontando minha pálida velhice aos primórdios sumerianos, Opondo-se ao meu desejo, De ser a criação, A destruição, De não mais precisar rezar, De não mais precisar aqui permanecer, Encerrar minhas experiências com a humanidade, Impor minha vontade, Saber o que o mundo não sabe, Ser a verdade revelada, O Salvador, O Omni Sciente, O Ubíquo, Porém, Na minha breve passagem pela vida, Você ainda é para mim mulher nova e formosa, Portanto adorada eterno seja.