Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
Aqui não vim em busca de alguém para satisfazer prazeres mundanos, mas para realizar meu grande sonho e encontrei a besta bruta, rude, suja e insultante, que a ninguém ouve e respeita, pois tem a alma surda e prefere o barulho dos ratos ao silêncio dos gatos, compara as aspirações de mulheres nas artes dos homens ao andar desengonçado do cão sobre suas quatro patas defeituosas que mal dá para crer que ele consegue andar, mas esta besta foi uma oportunidade que Deus colocou em minha vida, enviando-me a um semideus a quem, nas palavras do grande e maldito filósofo, todos deveriam ouvir, todos que conseguem perceber que sem o alimento da alma a vida seria um grande engano, e, ainda que a besta zombe dos meus primeiros ensaios, rendo-me à sua indulgência e à sua súplica de perdão e sinto-me uma privilegiada por guiar seus braços sob a vibração no ar da respiração de Deus que fala à sua alma e a Ele o aproxima mais do que todos os outros homens que não escutam Sua voz, não leem Seus lábios, não dão à luz aos Seus filhos, não cantam Suas preces e jamais entenderão que o velho tolo e demente mudou Sua língua para sempre, concedendo-me a honra de secretariar seu entendimento com o todo poderoso como dois ursos e um pote de mel, rugindo e bramindo, com garras afiadas, atacando-se pelas costas de modo que ninguém nem se atreveria a chegar tão perto, tornando-os os dois únicos adeptos de uma religião solitária onde um vive em silêncio, não vivendo a verdade, enquanto o Outro infesta a cabeça do primeiro constantemente com sons que por ele precisam ser escritos para que ele continue vivendo, ainda castigado por ser-lhe negado o prazer de ouvir o que todos ouvem, o prazer de ouvir sua obra inspirada por um Deus inimigo e desamoroso, e agora que a tempestade da manhã veio para levá-lo, alegre, formosa centelha divina, filho do Elísio, ébrio de fogo, para dentro de Seu santuário celeste, sua magia volta a unir, o que o costume rigorosamente dividiu, irmana todos os homens e teu doce voo lança-me numa grande fuga, feia e bonita, desafiando a noção de beleza, visceral, partindo do estômago para se chegar a Deus porque é lá que ele mora, não na cabeça e nem mesmo na alma, e onde Ele mora é onde as pessoas sentem a intensidade revirando suas entranhas até o céu, tão forte que causa uma iluminação no cérebro, mas não me faz perder a minha cabeça em meio às nuvens, faz meus sapatos enlamearam-se de fezes, e assim vivencio a língua inventada pela besta para falar das experiências dos homens com Deus, e foi por isso que Ele enviou-me aqui, para escrever esta língua, ser o anjo de sua alma, para ouvir a voz que fala dentro de mim, para encontrar o silêncio dentro de mim mesma, para tirá-lo da solidão, da prisão, para despertar suas notas adormecidas, para viver pela natureza, para atravessar a ponte da libertação e do lado de lá encontrar o maior tesouro, o tesouro de ser sua Elise, sua jovem mulher perdida, de rejubilar-se com Deus por ter conquistado esta besta adorável, esta única alma amiga e autêntica em todo o mundo, que jamais falhará, jamais chorará sozinha, jamais fará da solidão apenas uma religião, mas inspiração para todas as gerações.
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