segunda-feira, 30 de setembro de 2024

IN CAELUM FERO

 Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Quatro trêmulos de estridência abafada. Um tico de eco em cada. Menos susto que salva de armas. Homenagem. Pomposos e solenes metais retumbam com suas tessituras. Redobres de tímpanos e tambores asfixiam a saraiva aturdindo telhas de asbestos. Vozes cheias, femininas acriançadas, entoam:




Ma-we ka-ya-ma-na
Ma-we ka-ya-ma
Ma-we
Ka-ya-ma--ta-na
A-ma ka-ya-ma-na 
  A-ne-a 

O rei da cocada preta na barriga leva embora consigo a vida de nababo. Sem lei. Sem grei. São duas suas únicas súditas. Urubuas e carpideiras. Fazem as vezes de carregadoras de caixão e coveiras. As misseiras de sétimo dia, romeiras dos finados de Novembro. Nos gastos agora marcham. Nada resta. Nem para acender uma bituca de vela. Nem pálida oferenda de luz bruxuleante para o arqui-inimigo do Diabo. Este as tem de sobra. Rubro-negras. E as doa. Praza a ele que a morte não sequestre, ao seu zelo, seu acordo com o defunto. Cacifa-se à sucessão de Deus. Aposta tudo no guardamento da alma vendida. Satura a sentinela com muitas camirangas. Presentes que um potentado manda a outro. Mimos soberanos. A música escolhida pelo falecido ecoa nos ouvidos longínquos. Como numa concha acústica de teatro grego. Rimbomba. Angustia as duas mulheres. É calada. Dá lugar ao som do silêncio. Estanca todas os ruídos da natureza. Feito disco voador aterrissado. Na sua solidão que desconhecemos. Como nesta noite de inverno nortehemisferiano. Curta. Apressa o enterro. Por conta de cambaleantes sonolências e desavisadas ausências. Exceto por um intruso. O real que não é visto. Do tinhoso recebe uma olhadela de soslaio de indiferença. O metediço em vida não atinava para a falência múltipla de um falto de juízo. E em termo, respondendo a preces, nunca foi ouvido, Resta, Então, Às resignadas choramingas, Improvisar um dueto gregoriano de despedida, Que emociona até o coisa à toa, E em sinal de cínico respeito, Deita seus lábios sobre a testa do moribundo, E espalha pelo ambiente uma catinga de carniça podre, Enxofrada, Tal qual o fedor da decomposição de um corpo sob a terra, Um a menos que já nem fazia mais parte de qualquer estatística, Quantos cidadãos comuns do antigo império romano morreram sem nome? Todos! Quantos escravos da gloriosa Atenas fazem parte dos anais da história? Nenhum! Quantos servidores e usurpadores dos dias atuais continuarão a existir para a posteridade?

Um comentário:

  1. O seu escrito tem a profundidade e a dimensão dos oceanos. Causa em mim um misto de deslumbramento e dor

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