Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.
Como profeta que pretendo ser um dia, Gostaria de restringir meu sustento aos brotos e às frutas, Que colho nos galhos altos, Longe do chão onde corro perigo para matar minha sede, Mas é nele onde encontro mais fartura, E até diversão, Onde meu quinto membro perde sua utilidade e minhas mãos ocupam-se mais que minhas pernas que me mantém de pé, Mas ainda não estou e nem estarei pronto para tão cedo afastar-me da carne crua que ganha mais sabor com as luzes estrondosas que fosforeiam os céus à noite e espalham na terra temor e devastação, E me dão uma ideia não só de como acendê-las nas horas de fome, Mas também de como aquecer meu corpo no frio e iluminar minha escuridão dentro dos paredões de rocha alcançados só por cipó, Onde minha fêmea se trancafia de sol a lua para cuidar de nossa cria e apreender só com a intuição tudo que ela deseja, E enquanto a grande bola de fogo está de pé e à mostra, Desço a céu aberto em busca de alimento, E com os riscos que assumo, Aprendo a calcular quanto preciso correr para não morrer, E nós que um dia pretendemos ser profetas, Começamos a nos entender melhor, Abandonamos nossos guinchos e chios e os substituímos por sons com significados para nosso atos, Nossos sentimentos, Nossos nomes, Nossos rudimentos, E tudo que nos cerca neste mundo, Até este instrumento de forma circular que inventamos para poupar nossos esforços e carregar o vaivém de nossa sobrevivência, Até que um dia que deixou para trás tempos longínquos, Aprimoramos sua complexão, Aumentamos seu tamanho e sua quantidade, E a apontamos para as mesmas estrelas que nos encantavam e nos intrigavam antes de nos tornarmos profetas, Mantemos nossos ouvidos voltados para elas, Esperando que elas desçam da abóbada celeste, Como descemos das árvores, Esperando que elas abandonem suas pulsações repetitivas e ritmadas, Como nós abandonamos nossos chilros e chios, Que elas nos falem com sons inteligíveis, Como nós profetas falamos uns com os outros numa quantidade de idiomas tão diversos quanto estas luminescências que salpicam o universo e que se demoram para chegar aos nossos olhos tanto quanto demoramos para realizar nossas profecias, Antes só podíamos vê-las, Agora podemos ouvi-las, Antes pensávamos que viemos das árvores, Agora sabemos que viemos das estrelas, No passado pensávamos que estávamos sós, E assim ainda pensamos no presente, Esperando encontrar novos profetas no futuro.
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