Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)
Eu chamo este texto do Alceu de uma iguaria literária que nada tem a ver com comida. É para mim um tipo de especiaria que não existe em nossa culinária e que condimenta as palavras e o curso das ideias com um sabor sui generis, num contexto real e surreal que raríssimas pessoas conseguem descrever, muito menos imaginar. A primeira metade relata ações reais, mas para protagonizá-las, o Alceu preferiu criar uma personagem fictícia. Uma mulher que percorre todo o caminho que Alceu fazia, once in a blue moon, de sua casa até a modesta vereda que ousa e precisa disponibilizar quase tudo que normalmente encontramos num shopping center da high society. É muito elegante e gracioso como são expressos os vários lugares onde o Alceu costumava fazer ponto na alameda lá em baixo e que sua mulher, Cecilia, acha muito feia. Tudo muda do lado do avesso quando a mulher volta para casa. Ao adentrá-la, ela dá de frente com a segunda parte de um sonho que o Alceu teve, pra lá de bizarro, sem pé nem cabeça, como costumamos dizer. Mais uma vez, o inconsciente coletivo presenteou o Alceu com 4 belíssimas músicas que não existem em nosso mundo. Assim é e sempre será o inconsciente coletivo, misterioso e maravalilhoso. E o Alceu é um privilegiado. Esta não foi a primeira vez que o Alceu ouviu lindas músicas que não foram compostas por nenhum ser humano. O Alceu encerra com uma purgação que nada tem a ver com remissão de culpas e pecados. Trata-se apenas da aceitação e a superação da dor e tristeza imensa que lhe causaram certos acontecimento que ele viu in loco, em fotos e num sonho. A ilustração que o Alceu escolheu para este curto texto é divina. Deixo para vocês explicarem o que ela significa. Antecipo que a mulher ao piano não é um fantasma. Se algum de vocês já sonhou com o inconsciente coletivo, passará noites, dias, meses e anos para entender. A música tirada do filme Anjos e Demônios com Tom Hanks é bem adequada.
Inglesa Luso-Chinesa
Ela não se vestia como rainha,
Como outras tantas mulheres, Desenfiou-se da camisa de dormir, Trouxe sobre si qualquer
roupa parca, Calçou sandálias de pescador, Descuidou-se de toucar os cabelos
anelados, E ganhou as ruas, Removeu-se de cima para baixo, Desceu a ladeira como
montanhas, E desembocou na avenida como um rio no mar, Um mar de vidas,
Balangandãs, Utensílios, E gentes afins, O mesmo percorrido pelo Ulisses de
James Joyce, Vai e vem, Fazendo todas as paradas quites da obrigação, O farmacêutico
tem o remédio de sua dependência química, O Empório ainda não baixou o preço
do açaí que tanto lhe apetece, A carne de seus cachorros amigos está garantida
pelo açougueiro por 5 reais o quilo, Sua cabeleireira está de portas fechadas, Mas o mercadinho
está aberto ao açúcar cristal que ela precisa levar para o bebedouro de seus beija-flores
e chupinzinhos, O menino mecânico ainda não ligou para a testemunha que ela
precisa ter presente no julgamento de seu estado de necessidade, Hora de galgar
a subida íngreme, Ela corre como uma maratonista em ótima forma, Surpreende-se,
Hoje não há falta de ar, Chega inteira e sobrando ao topo, E sua casa, Logo
ali, A espera de volta, Portão adentro, É cercada por um bando de jornalistas
querendo saber de seu novo namorado, Ele mora noutro bairro, E a música de seus
sonhos, Por que você a lançou num antigo compacto duplo? É uma quadrofenia?
Esquizofrenia quádrupla? Por que estas outras três são tão diferentes? Uma
parecendo ópera! São parte de seu scoop? Toque uma delas para nós, Ela recebe
um estranho piano, Com dois curtos teclados na vertical, Entre eles nenhum
fole, Ela não sabe tocar, Com as duas mãos martela a madeira revestida de
feltro e brande o quintal, Empolga-se com a harmonia, Um interlúdio? Não! Um
estanco, Para dar lugar a um celestial e emocionante vocalise, Cantate Domino
Canticum Novum! Purgadas são todas as tristes lembranças consteladas na
consciência, O cãozinho pacífico que teve o pulmão perfurado por outro, O cão
desesperado tentando fugir da bacia com água fervente onde o chinês quer
cozinhá-lo vivo, O filhote de macaco de olhar surpreso e assustado sendo carregado
pelo ombro pelos dentes afiados de um cão selvagem, O pai que quer que ela
fique de quatro para penetrar-lhe o ânus.
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