terça-feira, 28 de novembro de 2023

CILENE

Texto de autoria de AustMathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

HOMENAGEM DE AUSTMATHR VIKING DUBLINENSE À REGINA CÉLIA DE SANTIS FELTRAN (1944 - 2023)

Você tem três cidades para visitar, E três anos para se ausentar, Não para folgar por tabernas, Nem para existir por mil anos, Apenas para lembrar uma entre os rios de vidas eternas, E meditar um entre as florestas de arcanos, Você tem um par de sapatos a ser tirado, Um busto reclinado para a frente em sinal de respeito, Um silêncio absoluto a ser observado, Um par de palmas de mãos coladas junto ao peito, Livre eternamente da voz extrema de meus lábios insípidos, Feito desfiladeiro escavado, Que repetia por longos tempos e tamanhos indefinidos, Prolixidades que você ouvia com o coração solícito e em sigilo desassossegado, Leve consigo minha paráfrase de uma estrofe antiga, Minha última apoquentação para quem nunca tive como irmã e amiga,

No céu líquido das noites de verão, Levanto-me tarde na escuridão, Para ser a única estrela, A mais brilhante, Que sua grandeza espelha, Sonhando transformar uma pedra bruta num diamante, Insuspeito da imortalidade de seu Pai, Porém neste inverno diuturno que castiga, Rebaixo-me para você como o malvado cão que sou, O prodígio que todo mal atrai, Trazendo febre e suor para a sofrida humanidade que me adotou,

Você tem mais indignação do que pena, Não sabendo orar, Acendo-lhe um fogo de santelmo para você sentir-se uma helena, Dois pelos irmãos que você pensa que traí, Três pelos pais que você não sabe como perdi, Quatro pelos filhos que você pensa que nunca amei, E um último pela mulher que você não sabe porque deixei, Você tem sido guardiã de humanos e irracionais que engrandeces com aquarelas, E eu um mero protegido sempre vendo-me nas amarelas, Leve para o oriente para onde vais sua vigilância real, E te acompanhará o que é como Deus, Miguel angelical, Jamais irás embora solerte negaceando, Mas pé ante pé de algo maior, E eu seguirei acordando, De pé esquerdo de algo menor, Perdoa minhas zombarias, Perdoa meu desrespeito à sua crença nas três revelações de suas escrituras sagradas, Você é a primeira das três Marias, A primeira das três rainhas magas, Você é antiguerra, A mão do soldado do centro, Onde Deus impera, Onde não adentro.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A = 1 / 137,03599920611



Texto de autoria de Austmathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98 - Reeditado por Inglesa Luso-Chinesa em 10/12/2022

Estive na casa de minha mãe. Meu pai morreu há mais de 25 anos, mas ele está lá, vivendo normalmente. Estão lá também meus irmãos e minhas cunhadas. Há agitação no ambiente. Parece que estão tentando encontrar uma solução para um problema que aflige meu pai, uma grande perda financeira. Alguém sentencia: Vamos vender a casa do Alceu. Fico assustado, olho para meu pai e ele anui com a cabeça. Ele não sorri, como nunca sorriu nestes mais de  anos, mas sempre manteve o olhar sereno, a voz doce e pausada, mas agora está com cara de poucos amigos, nervoso. Dirijo-me a ele e pergunto: Isto não deveria ser resolvido com a colaboração de toda a família? Ele responde em tom ríspido: Você viu o que você fez com meu dinheiro? Ele nunca falou assim comigo. Solícito e sempre mantendo o respeito, pergunto: Então eu e minha família teremos que viver de aluguel? Ele é curto e grosso: Sim, vai! Vem-me, então, a triste lembrança da velha casa alugada onde morei durante mais de cinco anos. Antiga e mal cuidada, nos fundos, debaixo de outra também judiada, com poucas janelas, sem ventilação, sem brechas para o sol entrar. É triste pensar que terei que voltar para lá. Minha cunhada mais velha, de semblante odioso, faz questão de fundamentar a decisão de meu pai. Ela me leva ao longo corredor que liga a sala à cozinha. Nele há quatro cômodos, dois de cada lado. Num deles há uma espécie de solário, uma pequena área, sem teto e telhado, para deixar o sol iluminar o vitrô do banheiro do lado direito e o da cozinha do lado esquerdo. Ela abre a porta e me mostra uma grande pilha de notificações extrajudiciais, intimações e ações executivas que chegaram para mim. Fico mais assustado ainda. Voltamos para a sala e lá meu pai está ao telefone, já terminando uma conversa. A mesma cunhada completa: Já chegamos a um acordo com o corretor. A comissão é de 11%. Ele estima o valor da casa em 500 mil reais e já tem um cliente. Todos me encaram, dando a entender que devo voltar para casa para mostrá-la ao comprador. Volto rápido e espero na sala. Lá da cozinha minha esposa avisa que ouviu gente chegando. É o Ari, Alceu! Olho através da enorme parede de vidro e vejo dois homens de terno já dentro da área externa, passando por entre a vasta vegetação dos jardins. Um terceiro vem logo atrás, mas não vejo seu rosto. Não conheço estes homens. Um deles deve ser o corretor e o outro o comprador. Não conheço ninguém chamado Ari. Mas como minha esposa sabe o nome dele? Estranho é que eles caminham no mesmo nível da sala. Eu deveria vê-los de cima para baixo porque minha sala do nível superior fica um andar acima da entrada. Estranho também é que minha casa não tem jardins frondosos na frente, e nem mesmo uma enorme parede de vidro. A parede é de concreto e tem, de fato, uma grande porta de vidro que se abre para uma pequena sacada de onde se avista a exuberante mata de árvores altas do outro lado da rua. O que vejo é como se a mata tivesse cruzado a rua, entrado pelo portão e se instalado na forma de um majestoso jardim no espaço entre o portão principal e a cobertura da garagem. Neste momento já não estou mais preocupado com o fato de que minha casa será vendida. Estou em dúvida sobre por onde devo começar a mostrar a casa. Pelo térreo? Pelos fundos? Pelo andar superior? Na medida que os dois homens se aproximam da porta da sala vejo o rosto do terceiro que vinha atrás e me surpreendo com alegria, como a visão do impossível que maravilha um incréu. É o Peru, meu companheiro de ginásio dos anos 60 e que curtia rock comigo. Faz décadas que não o via. Tenho procurado por ele, mas ninguém que eu conheço e que o conheceu sabe de seu paradeiro. Ele entra e me cumprimenta com um sorriso, sem muito entusiasmo. Ele parece ser um dos corretores. Veste terno e gravata. O paletó é azul celeste, mas não extravagante. Com a mão direita ele segura uma pasta de cartolina, um folder, junto ao peito. Ele percorre a sala e se detém diante de um móvel que não tenho. Uma espécie de balcão de madeira envernizada e reluzente bem no meio da sala, no sentido horizontal. Sobre este balcão estão dispostos vários discos, CDs, capas dos antigos discos de vinil, estojos de papelão contendo coletâneas de música. Ele anda ao longo do balcão, com olhos percorrendo a exposição de música, passa por uma coletânea do Cocteau Twins e chamo sua atenção: Esta banda é muito boa, mas ele torce o nariz e prossegue. Para diante de um estojo de discos dos Rollings Stones, sua banda favorita, e exclama: Puxa, você tem esta coleção, e eu esclareço: É uma antologia de singles dos Stones. Tem mais novidades logo adiante. De repente, passa por mim uma mulher caminhando em direção à parede do lado direito da sala. Ela deve ser uma corretora que chegou atrasada. O que a atrai é outro balcão semelhante que nunca tive, próximo à parede, mas sobre este só há livros. Ela toma em suas mãos um livro deslumbrante, que cintila de tão novo. É grosso e deve ter umas mil páginas. Tem mais largura que altura. Sua capa dura plastificada é magnífica. Tem uma chamativa combinação de tons vinho, vermelho e roxo. No centro há a foto de uma mulher estrangeira trajando roupas de meados do século 19. Sua roupa é um pouco excêntrica para a época. Vestido trocado por uma calça comprida e larga, estreitada logo acima do tornozelo, parecendo um gênio de lâmpada. A corretora me pergunta: Esta não é aquela mulher que é médium? Respondo que sim e que o livro é muito bom. Minha consciência pesa por mentir. Não conheço este livro. Mais à frente ela pega outro bem vistoso, bem grosso também, com mais de mil páginas, mas não consigo identificar sua capa. Tenho cerca de dois mil livros em casa, mas não estes que exacerbam meu fascínio por eles, tanto quanto jamais ler um livro e preferir vê-lo ornamentar a estante, como objeto de decoração e veneração. Hoje eles me lembram um livro misterioso com o qual já me deparei duas vezes, em terras exóticas e estrangeiras. Numa delas cruzei uma praça da baixa idade media europeia, com casas de pedra de três andares nos quatro cantos, muita gente alegre e  extrovertida, e muitas cores enfeitando seus ares. Este livro enigmático não deve ter mais que 500 páginas. Sua capa dura é velha, não tem cor definida, nem título. Nas duas ocasiões que o tive nas mãos pude folheá-lo só por uns instantes e vislumbrar umas poucas páginas, tempo suficiente para ler respostas a perguntas que nunca imaginei que pudessem ser feitas. Ele parece ser o livro da vida, o livro do conhecimento absoluto, capaz de responder às nossas mais inquietantes e reiteradas questões: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? O telefone toca e peço licença à corretora para atende-lo. É minha mãe, desesperada, pedindo-me para que eu venha logo porque meu pai foi levado em estado grave a um hospital. Quando chego à sua casa vejo meu pai caído nos primeiros degraus que levam ao segundo andar, e que não existem porque a casa é térrea. Ouço seu lamento fúnebre, vejo seu desesperado olhar moribundo, antes sereno. Ele está passando mal porque soube que foi internado num hospital. Meu pai está em dois lugares ao mesmo tempo: agonizando em casa e numa UTI. Não posso levar minha mãe ao hospital porque ela precisa ficar em casa cuidando de meu pai. Logo que chego ao hospital sou informado que ele acabou de morrer. Não vejo o dia, nas minhas viagens do tempo, de cruzar, novamente, com aquele enigmático livro da vida para ver se encontro novas teorias, novas formas de medir a constante da estrutura fina do universo. Meu foco não é saber o que muda através do universo, mas o que muda ao longo do tempo. Há mais de 50 anos eu não sabia que esta constante serve para medir a inteligência. Eu não sabia que uma pessoa divertida como o Peru é, hoje, uma felizarda vítima de um certo grau patológico de idiotice e isso põe fim a uma ingênua idolatria da adolescência.  







domingo, 19 de novembro de 2023

INEXORABILIDADE




Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.

Eu já nasci assustado, recapitulando fragmentos de sonhos bizarros, com estigmas congênitos, sem a mínima noção de que um dia iria acabar dando errado. Não pretendia ser o que Deus não queria que eu não fosse, nem atinava para o que o simples fluir da vida escancara. E disse George que ela segue fluindo dentro de mim e sem mim. E disse Lilian que, ao passar por mim, ela fecundou-me com medo. Um elemento que quintessenciou meu espírito inseguro. Eu tenho medo da água agitada do mar, da terra alheia com frutos para roubar, do fogo da vela se apagar e do terror noturno que sufoca o ar. Por que abandonaram-me por um velório à noite e sem nenhuma luz para guiar-me na escuridão habitada por ventos uivantes? Num raro momento em que o temor descuidou-se de mim, eu ceifei a visão que não pertencia-me e carreguei uma culpa que só dissipou-se com outra. Por que no calor de uma festa de carnaval escolheram-me para ser assombrado com uma máscara tão horrenda? O salto que todos nós estamos condenados a dar da luz para o umbral, misteriosamente, levou embora de minhas lembranças uma parte de minha maternidade. Um enigmático portal entre este e o outro mundo levou-a daqui para sempre. Não espanta-me mais aquele prato de comida espatifado contra o chão da cozinha, mas intriga-me, ainda, aquele coelho branco enforcado na maçaneta da porta que frequentou minhas fantasias tantas vezes. Eu corro atrás da vida. Corro para salvar uma vida em minha vida. Mas é ela que leva-me e agarro-me ao primeiro tronco que flutua neste rio que eu sei que vai desembocar no mar. Saio pelos afluentes, dou cabeçadas nas suas margens e volto à correnteza mais forte sempre um pouco mais fraco. Olho-me no espelho e vejo a morte pela primeira vez. Ela é companheira do meu pavor e rouba-me tudo o que Deus desejava que eu fosse. O demônio oferece-me ajuda e os anjos que sempre pressenti observam à distância. Vou morrer sossegado, mergulhado na profusão de meus sonhos preciosos, mas com a marca do arrependimento, com a nítida impressão de que tudo o que fiz de errado não pode mais ser consertado. Pretendo ser tudo aquilo que satanás disse-me não ser proibido, dando mais atenção à imobilidade das trevas. E disse John que minha vida foi tudo aquilo que passou enquanto eu fazia planos para ela. E disse Lilian que, ao passar por ela, deixei de cultivar os campos. Um de Vênus e outro de Marte, sem deixar que florasse o que Deus plantou. Perdi o medo da natureza animada e inerte, dos homens a sete palmos e de dedos engatilhados, de morrer e de matar. Por que confundiram-me com uma convenção do cotidiano à revelia esperando que eu soubesse quais portas abrem-se para o equilíbrio dos normais? Na minha ingênua irresponsabilidade eu desperdicei todas as oportunidades que foram-me oferecidas e sobrecarreguei incautos com uma perda atrás da outra. Por que no embalo de minha ambição ofusquei a visão da simplicidade da vida com tantas máscaras perecíveis? Um tenebroso abismo separa-me das melhores lembranças abandonadas pela minha paternidade. Um inexorável ímpeto prende-me entre dois mundos. Mais vale para mim uma mentira deslavada que sai de minha boca desprevenida, mas não entendo porque esta vontade de viver perigosamente continua perseguindo-me por tanto tempo. A morte corre atrás de mim. Corre para arrebatar a última centelha de vida dentro de mim. É a morte que agora impulsiona-me e sou arrastado a cada lembrança de fracassos que frequentam meu sono nestas águas turbulentas que não sei onde vão dar. Afluem agonias para minha mente onírica, meu ser vígil sufoca-se com as sequelas de seus sofrimentos e sou empurrado cada vez mais para o fundo, cada vez mais distante da superfície. Olho através de meus olhos e vejo minha alma pela primeira vez. Ela ainda caminha ao lado do meu corpo, mas já desarmonizam-se os dois, contrariando os planos divinos. O demônio oferece-me um preço por ambos e os anjos acercam-se para fazerem seus lances.


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

SÓCRATES NA TERRA DO BEIJA-FLOR


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


O Brasil masculino estava de ressaca. Eu e uma menor parcela da população feminina também. A seleção brasileira, patrocinada pela marca Topper da São Paulo Alpargatas S/A, acabara de ser deportada da Espanha por Paolo Rossi, Il Bambino d'Oro. Tele Santana, sempre sorridente e solícito, mesmo diante de uma decepção que parecia ser de proporção mundial, circulava pelas dependências do departamento de exportação da empresa, com a aura e a triunfal guirlanda de idealizador do futebol-arte, e autografava todos os pedidos. Em 1982, nenhum brasileiro imaginaria, nem nos mais dantescos pesadelos, que o verdadeiro holocausto de nosso hegemônico esporte bretão viria 32 anos depois, em nossas plenas terras de palmeiras e floresta tropical, onde cantam uirapurus e sabiás. As águias alemãs que aqui gorjeariam, entoariam nossos cantos canarinhos, bem mais melodiosos do que as aves toscanas naquele fatídico dia no Sarriá. Foi a última vez que padeci com nosso esporte mais popular, e, na esteira de minha purgação, pus fim a um sofrimento que encontrou indescritível consolo com a quebra de um jejum de muitos e angustiantes meses de emprego: eu estava de volta ao trabalho, e este seria o meu derradeiro na condição de empregado de carteira assinada. Não me deram muito tempo para me familiarizar com os produtos que eu deveria exportar, o que estava em perfeita contradição com a sucessão de meses que levaram para me contratar, desde o dia que respondi a um anúncio no velho Estadão. Em pouco mais de quatro semanas, fui despachado para nossos vizinhos do norte da America do Sul, da América Central e do Caribe, onde visitei lugares que deram arriscados e deleitosos contornos à minha primeira viagem àquelas bandas: as perigosas Bogotá e Cidade do Panamá, a medonha Zona Livre de Cólon, a sossegada Isla Margarita da Venezuela, a cordial e simpaticíssima Santo Domingo da República Dominicana, as paradisíacas Aruba, Curaçao e Barbados e, finalmente, o interessante e inesquecível Porto de Espanha, capital de Trinidad e Tobago. Este país que tinha, na época, menos de 1 milhão de habitantes, foi uma colônia britânica até 1962, e o inglês crioulo lá falado era e é, até hoje, bastante desafiador, mesmo para um nativo da Inglaterra. O drama pode ser sentido só com este exemplo: crowd (cráud)que significa multidão, soa como crow (crou) corvo. O representante comercial da empresa, um indiano, teve a cortesia de enviar seu motorista particular para me apanhar no aeroporto, e me levar ao luxuoso hotel Hilton, de cinco estrelas, quatro a mais que o meu salário. Ao entrar para fazer o check-in, setor da recepção para registrar-se e receber a chave do quarto, segundo o Sr. Aurélio, deparei-me com um mundaréu de homens falando alto, com a boca e as mãos, como os italianos. Ao aproximar-me, me dei conta que eles algazarravam em português brasileiro! Reconheci alguns rostos e identifiquei-me ao mais próximo, Adilson Monteiro Alves, sociólogo e um dos fundadores da Democracia Corintiana. Ao saber que eu trabalhava para o patrocinador do clube, foi logo me apresentando ao presidente, Waldemar Pires, ao técnico, Mario Travaglini, e convidando-me a juntar-me à comitiva do time e assistir ao amistoso contra a seleção de Trinidad e Tobago no dia seguinte, uma sexta-feira, dia 3 de Setembro de 1982. Meu primeiro encontro com o agente de vendas, completamente esquecido pela Alpargatas, foi decepcionante para ele, porque esperava que eu trouxesse a linha de calçados. Porém, eu era encarregado de vender somente produtos do setor chamado Resto: colchas de chenile e encerados. Nervoso e de nariz empinado, ele designou seu assistente para me acompanhar nas visitas a clientes, e recusou meu convite para assistir ao jogo do Corinthians à noite. Mal sabia ele, e jamais explicaria Deus, que, em pouco tempo, atingiríamos a misteriosa receita de mais de meio milhão de dólares anuais só com as antigas colchas Madrigal, num mercado menor que o bairro de Santo Amaro em São Paulo. Voltei ao hotel antes do pôr do sol. O calor era escaldante, como no verão carioca. Tirei o terno e a gravata, isso mesmo, você entendeu direito, esta indumentária me era imposta pelos meus superiores até nos desertos do Oriente Médio onde estive muitas vezes. De chinelo, camiseta e bermuda, fui para a área de lazer. Lá toda a delegação do Corinthians se concentrava. A maioria dos jogadores se divertia na piscina. Casagrande, com apenas 19 anos, era o brincalhão da turma. Adorava empurrar os companheiros na água. Sócrates não se misturava. Ficava na companhia dos dirigentes e da comissão técnica. Tirei um cigarro do maço de Hollywood e acheguei-me dele, recostado numa espreguiçadeira, segurando um livro, provavelmente de filosofia sobre seu xará. Mal puxei conversa e ele me pediu um cancerígeno. Perguntei:Você voltou a fumar? – para se preparar para a copa do mundo na Espanha, Sócrates absteve-se do tabaco por seis meses. Constatei, então, uma de suas marcas registradas: sua fama de arrogante. E o que você tem a ver com isso? Entornei o caldo de nosso quase monólogo ao pedir a ele para me falar sobre aquela partida contra a Itália. Não quero falar mais sobre isso. Ele me pediu para acender o cigarro e continuou lendo. Mais tarde, naquela noite, eu teria um verdadeiro diálogo com ele, mais amistoso, digamos, mas, para ser sincero mesmo, em circunstância anômala, na qual se inseria mais um de seus logotipos fora da cancha. Chegara a hora de ir para o estádio. Todos foram para seus quartos e desceram de calça e blusão de moletom da Topper. Três micro-ônibus nos aguardavam na saída do hotel. Embarquei num deles. No trajeto até o campo, os jogadores que estavam comigo vociferaram, alucinadamente, contra  todos os transeuntes. Se todos eles fossem submetidos ao exame antidoping, seriam reprovados, e se naqueles tempos já vigorassem as atuais leis disciplinares impostas pelos mafiosos STJD, CONMEBOL, CONCACAF e FIFA, eles pegariam um gancho pesado. Não tive permissão para entrar no vestiário. A preleção do técnico aos jogadores era segredo democrático, mas pude adentrar o gramado com o time formado por Solito, Sócrates, Ataliba, Casagrande, Zenon, Biro Biro, Mauro, Daniel González, Alfinete, Paulinho e Wladimir, uma grande equipe que fez época no futebol. Quando eu me encaminhava para o banco de reservas, um homem, elegantemente vestido, veio ter comigo, falando um bom cockney do East End de Londres. Eu era o único que falava inglês, e fui, imediatamente, confundido com o chefe da delegação. O cavalheiro era o Presidente da Federação de Futebol de Trinidad e Tobago. Suas efusivas saudações e paparicos fizeram me sentir um cartola. Tal qual um político brasileiro em campanha à reeleição, ele me levou  para dar uma volta em torno do campo, construído em 1980, e fez questão de me explicar, em detalhes, outras melhorias que ainda planejava fazer: a ampliação  das arquibancadas, a troca do gramado e a construção de uma pista de atletismo. O Estádio Hasely Crawford era um pouco acanhado. Não me recordo do seu tamanho. Minha memória de 67 anos já não se refresca com tanta facilidade, e já manifesta lampejos de Alzheimer. Acredito que fosse muito parecido com o antigo Parque Antártica do Palmeiras, com capacidade para 27 mil pessoas. O presidente trinitino-tobaguiano massageou meu ego, ainda em busca de autoafirmação, ao me oferecer a tribuna de honra. Encabulada e educadamente recusei, explicando que, por ser o único a falar a língua da terra, precisava estar junto aos ‘meus’ comandados para eventuais traduções, especialmente junto ao trio de arbitragem e nas entrevistas para a imprensa local. Ele entendeu e até se desculpou. Sentei-me no banco ao lado do lateral Zé Maria, às vésperas de pendurar as chuteiras. O jogo foi apenas um treino para o Corinthians, que venceu por 8x2. O  futebol de Trinidad era embrionário, amador, e somente em 2006 conseguiria vaga para participar de sua primeira copa do mundo. Os dois gols do anfitrião foram  facilitados para retribuir a calorosa recepção que os corintianos receberam das autoridades e do público. Ataliba, recém-contratado junto ao Juventus da Rua Javari, foi cumprimentado por todos os jogadores ao fazer seu primeiro gol com o uniforme alvinegro depois de várias atuações sem sucesso. Nada como um saco de pancadas para se reabilitar. Além de dois gols e uma exibição a altura do craque que foi, com assistências inteligentes e liderança intelectual, Sócrates desfilou seu repertório de toques de calcanhar, sua marca registrada no adestramento da bola, uma marca visual da mesma maneira que as bandeirinhas se tornaram sinônimo da pintura de Volpi, como escreveu, inteligentemente, o talentoso Daniel Piza, por ocasião da morte do 'Doutor' em 2011. Havia apenas um repórter de campo brasileiro fazendo a cobertura do evento. Não me lembro se ele era da Gazeta Esportiva, do Diário da Noite ou da Revista Placar. Só sei que, a cada substituição, ele me chamava correndo junto ao mesário, para lhe explicar quem entrou no lugar de quem. Ao final da partida, o presidente da federação trinitina me abordou e me levou de volta ao hotel no seu carro. Sentado no banco de trás estava, nada mais nada menos que Juan Figger, uruguaio que se mudou para São Paulo em 1968, tornou-se rico e célebre por ser um dos maiores empresários de jogadores de futebol e promotores de jogos e torneios amistosos, e, segundo a imprensa, por praticar muitas atividades ilícitas: sonegação fiscal, evasão de divisas, falsificação de passaportes e influência na convocação de jogadores, por ele empresariados, para a seleção brasileira, com objetivo de valorizar o passe dos mesmos. Esse era o trabalho com o qual sonhei tanto: gerenciar esportistas, artistas e músicos. Em 1982, eu e um colega da Alpargatas planejamos um empreendimento que se tonaria uma realidade aqui somente nos anos 90: exportar jogadores brasileiros para a Europa e trazer bandas de rock britânico para apresentações no Brasil. Não executamos o plano, perdemos o momento, e outros ficaram com nossos sonhos. Juan, que organizou dois amistosos para o Corinthians em mares de céu azul caribenho, permaneceu calado o tempo todo. Já o presidente da federação, eufórico, delirava com ideias que ele queria deixar sob minha responsabilidade: um torneio em Trinidad, reunindo Santos, Corinthians, Palmeiras e Flamengo. De volta ao hotel, fui direto para o bar, sem nenhuma mágoa para afogar, simplesmente porque eu teria um fim de semana de folga e só voltaria a trabalhar na segunda-feira. Lá estava Sócrates, saboreando uísques, cervejas e outros baratos etílicos afins. Sentei-me ao seu lado e, desta vez, bebericamos juntos e jogamos muita conversa fora, literalmente, sobre todos os possíveis assuntos descartáveis, menos futebol. Sócrates estava, ainda, no primeiro de dez assaltos às malvadas, mas eu já estava meio grogue, tentando manter o equilíbrio, prestes a jogar a toalha. Os adversários do Corinthians tinham enorme dificuldade para acompanhar o Sócrates dentro das quatro linhas, mas era quase impossível acompanhá-lo na arte de ingerir as águas que os passarinhos não bebem. Fui salvo pelo gongo: foi anunciado o jantar que o hotel, ou a Federação Trinitina, ou não sei quem, ofereceu à delegação corintiana. Voltei ao meu apartamento, desabei na cama de sapato e tudo, e o quarto parecia enfeitiçado, girando como um carrossel. Contei poucos cavalinhos para ferrar no sono. Depois de um tempo imponderável, o telefone tocou. Passava da meia-noite. Quem era o filho da mãe que me ligou em plena madrugada de sábado, perguntaria o pai do bem sucedido corretor da bolsa de valores no filme O Lobo De Wall Street. Era tudo demais tudo de menos que outro representante comercial, outro indiano, da cidade de San Fernando. Nas poucas semanas que tive para me preparar para aquela longa viagem, ao triar as rumas de telexes sem respostas,  encontrei dois agentes interessados nos produtos da Alpargatas. Acabei ficando com o esnobe do Port Of Spain, mas, por precaução, avisei o sanfernandino que eu estaria em seu país. Mas por que ele me procurou a esta hora? O inoportuno soube, pela televisão, que o médico Sócrates estava em Trinidad, e queria conhecê-lo Rodopiando pelos corredores, consegui chegar ao bar. E lá estava Sócrates novamente, jantado, e agora acompanhado de vários camaradas. Tive que tomar algumas doses de uísque com o pródigo de Gandhi, que era médico também, e não veio falar sobre negócios. Apresentei-o ao Sócrates, larguei os dois no balcão do bar conversando, não sei em qual língua, provavelmente em libras. Trotando em zigue-zague, rumei em direção aos elevadores. Ao passar pelo saguão, fui interpelado pelo Daniel González, caindo pelas tabelas, tentando dar uma entrevista a um canal de TV local. A jovem e bonita jornalista pediu-me para ajudar na tradução. Cada pergunta dela era respondida com impropérios aqui intraduzíveis, como, por exemplo, este belo eufemismo: quero levá-la para meu quarto para fazer amor. Sempre polido, eu dizia à moça que o Daniel e todos os corintianos estavam adorando o país. Mais jogadores, completamente embriagados, juntaram-se àquela baixaria, que eu trasladava para uma solicitude. Para me desvencilhar deles, tive que enganá-los com uma falsa e súbita indisposição estomacal, embora meu vômito implorasse para abrir a porta. Escorando-me pelas paredes, consegui chegar ao meu apartamento. Com as mãos trêmulas, coloquei o aviso de não perturbe na maçaneta do lado de fora da porta, tirei o telefone do gancho, e desmaiei na cama. Meu inconsciente cancelou todos os sonhos programados para aquela noite. Acordei depois das 15 horas, com uma retumbante dor de cabeça e, rebuscando chavões, na consciência. Lentamente, comecei a recobrar os sentidos e a rememorar o que se passara nas últimas 24 horas. Lembrei-me que, enquanto estava sóbrio, Sócrates me disse que eles teriam que levantar às 6 da manhã no Sábado para pegar um voo para Curaçao, onde jogariam um amistoso  contra a seleção local no Domingo. Seleção de Curaçao? Impossível! O escrete desta ilha de encantos mil devia ser igual ao Íbis de Pernambuco, o pior time do mundo, que entrou para o Livro Guinness dos Recordes por ter conquistado a  façanha de três anos e onze meses sem comemorar uma única vitória. Mas, contra um time encharcado de engasga-gato, talvez os curaçaoanos conseguissem uma vitória. Quase! O jogo foi 0x0, e o Corinthians deve ter se arrastado numa lombeira tão confusa como o papiamento, língua oficial das antigas Antilhas Holandesas, mistura de holandês, alemão, inglês, espanhol e português. Se os corintianos não se refizeram da bebedeira com um trago de bebida que cura, significado da palavra Curaçao, então eles provaram da típica bebida Curaçau (com U mesmo), feita com cascas de laranjas da ilha e cachaça de cana de açúcar da melhor qualidade da região. Lembrei-me, também, de ter explicado ao Sócrates que Cristovão Colombo batizou o país de La Isla de La Trinidad, uma óbvia referência à Santíssima Trindade Cristã. Mas os ameríndios locais chamavam a ilha de Terra do  Beija Flor. Faz todo sentido. Afinal, dois humming birds adornam o brasão de armas de Trinidad. E Tobago, o que significa? Há tantas controvérsias sobre sua etimologia que prefiro não arriscar uma explicação. Melhor lembrar-me daqueles dias ouvindo a Enya cantar Caribbean Blue (Azul Caribenho): So the world goes round and round..., E o mundo gira e gira..., e eu completo: and so does my head, e assim também gira minha cabeça, while little colorful birds still hum in my mindenquanto passarinhos coloridos ainda zumbem em minha mente, saudosa do grande Sócrates brasileiro, que partiu cedo demais.





domingo, 12 de novembro de 2023

MÚSICA SELECIONADA POR INGLESA LUSO CHINESA - CAPERCAILLIE: SEICE RUAIRIDTH (RODDY'S DRUM) AUDIOSHIELD ELITE 10.00+10.00 - COM LETRA

 

Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann

Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann
Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann

Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann

Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann
Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann

Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Seice Ruairidh bheir i srann
Seice Ruairidh bheir i fuaim
Nuair a bhailear i gu teann

Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann
Nuair bhailear i bheir i fuaim aisd'
'S gluaisidh gach duine bhios ann
An fhuaim a bheir seice Ruairidh
Bheir i nuas an taigh mun ceann

M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich
M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich

Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn

M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich
M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich

Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn

M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich
M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich

Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn

M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich
M'eudail air do shùilean donna
Air do shùilean 's air do bhodhaig
M'eudail air do shùilean donna
'S air do bhodhaig bhòidhich

Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi dha-rìreadh
Pòsaidh mi an gille donn
Ma tha e 'g ràdh an fhìrinn

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

TUDO O QUE VOCÊ QUISER








Texto de autoria de Austmathr Viking Dublinense com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  


Toda uma vida vivida, Todo um trabalho de Sísifo redobrado, A pleno fulgor, Todos os amigos de semideuses, Todos os sois translúcidos e unidos, Ainda me dado a ver, Renascendo, São seus, Todas aquelas colossais águas, Descendo, Por sendas destorcidas, Do alto de cachoeiras para o infinito, Entre sortilégios tão indecifráveis, Quão eterno instante de ventura, Adorado seja, Devolvo ao seu olhar, Todos os luares correndo as horas sobre suspiros, Doces como prelúdios de harpa, Sobre a singeleza de seu corpo, Mais leve que uma folha de magnólia, Caído do céu na noite desfeita em estrelas, Lua de junho argêntea nos campos, Brancura de luz das manhãs silenciosas, Devolvo à sua lembrança, Todo frio susto que corre pelas minhas veias, Todo meu fogo que arde em febre sem se ver, Tudo que me acalma e me endoidece, Que me eleva e me abate, Te dou, Com o coração na mão.