sábado, 31 de agosto de 2024

WE LOVE YOU



Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.

Não importa o quanto você é americano, Não importa o quanto você é judeu, Não importa o quanto você é desumano, Não importa o quanto Hiroshima ardeu, Nós te amamos, 

Não faz mal se você acredita em deus, Não faz mal se você foi queimado vivo numa fogueira, Não faz mal se nossos filhos não são iguais aos seus, Não faz mal se você morreu a vida inteira, Nós te amamos, 

Não tem problema se você já foi japonês, Não tem problema se você é neonazista, Não tem problema se sob seus pés jaz um chinês, Não tem problema se você é neofascista, Nós te amamos, 

Não se envergonhe de ser brasileiro, Não se envergonhe de ser um político, Não se envergonhe de não ter dinheiro, Não se envergonhe de ser jogado num pinico, Nós te amamos, 

Não importa se você lutou nas cruzadas, Não importa se você matou muitos muçulmanos, Não importa se você mantém suas armas engatilhadas, O que importa é que nós nos importamos, Nós te amamos, 

Não faz mal se você é do bem ou do mal, Não faz mal se você tem simpatia pelo demônio, Não faz mal se você apagou a única luz do umbral, Não faz mal se você transformou o mundo num pandemônio, Nós te amamos, 

Não se aflija por ter sido vítima do agente laranja, Não se aflija por ter sido um vietnamita, Não se aflija como sua filha se arranja, Não se aflija com o que seu inimigo acredita, Nós te amamos, 

Não se preocupe com vida após a morte, Não se preocupe se há vida em outros planetas, Não se preocupe se teu espírito não é forte, Não se preocupe com anjos do apocalipse soando suas trombetas, Nós te amamos, 

Não importa se você for abduzido, Não importa se você for clonado, Não importa se você nunca for devolvido, Não importa se você nunca for achado, Nós te amamos, 

Não faz mal se você nos odeia, Não faz mal se você nos trata com descaso, Não faz mal se nossa aparência seja tão feia, Não estamos aqui por acaso, Nós te amamos, 

Não tem problema se você não acredita em disco voador, Não tem problema se o ladrão não quer que você o veja, Não tem problema se você ainda não conheceu o amor, Não tem problema se teu padre só lhe diz que assim seja, Nós te amamos, Muito além de sua incerteza.


domingo, 25 de agosto de 2024

EPÍSTOLA ÀS LÉSBIAS E AOS MILÉSIOS

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98


Ela é feia e de baixa estatura como ele, e quando feios e baixos se multiplicam tornam-se depravados e turbulentos, e quando nos vemos frente a frente com depravados e turbulentos chamejamos avisos rubros, porque eles vestem roupa cargo sem nada rubro por baixo e poderiam ser Safo ou ninguém, Alceu como eu, porque sem máscaras poucos conseguem ser alguém. E elas socializam com os maridos como se quisessem provar que não se separarão, e eles são gárgulas encharcados de vodka e cerveja, levando a vida conjugal em banho-maria, fazendo amor em salmoura, e ninguém sabe se eles têm sido mais falsos fora do vidro de condimento do que dentro, e poderiam ser Zen ou ninguém, Maria como judia, porque sem máscaras eles não conseguem ser alguém. E ela é beata tanto quanto ele delira, e quando beatos e delirantes se juntam tornam-se requisitados e endeusados, e quando contrariamos os desígnios dos requisitados e endeusados eles correm de burro quando foge, porque vestimos camiseta gola de padre com colete ultrajante por cima e poderíamos ser Mara ou outrem, Alfredo como remedo, porque sem bengalas não chegamos até ninguém. E ela é famosa e homem como ele, e quando famosos e másculos se exilam tornam-se suicidas e combatentes, e quando estamos frente a frente com suicidas e combatentes chamejamos avisos amarelos, porque eles se travestem de fervor sem continência dourada por dentro e poderiam ser lírico ou ninguém, político como poético, porque amor e liberdade não têm porém. E elas dão ouvidos aos estranhos como se quisessem provar que eles não falharão, e eles são milongueiros soterrados em promessas e mentiras, levando uma vida em banho-joão, fazendo amor em conserva, e só Deus sabe o que eles verdadeiramente são entre quatro paredes e além delas, e poderiam ser Armando ou ninguém, Armando como ando, porque quem não usa máscaras não se detém.

sábado, 24 de agosto de 2024

ESPERANÇA

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa, com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Você é diferente de tudo, Em meio à flora e à fauna universal, Em meio à supremacia da verde vegetação da terra, Ainda assim você é cor única num prisma alienigena, Absorve e reflete todas as nuanças, Tanto faz se você é uma alfanumérica como 2MASSJ0523-1403 ou um nome como VY Canis Majoris, Uma lesma ou um falcão peregrino, Abraçada a mim ou passeando pela galáxia z8_GND_5296, Sempre bonita aos meus olhos, Feia aos de quem não vê, Na estaca zero ou no Pi da contagem progressiva da alma, Só comigo ou multibilionésima acompanhada, Em Moçambique ou nos EUA, Viajando pelas estrelas ou apenas contando-as nos olhos da noite, Nas retinas tão fatigadas de Carlos Drummond de Andrade ou no limite do amanhã, Morrendo feliz na estrada sem destino ou perdendo-se assustada numa odisseia pelo espaço, Com um instante de decisão e sem um voltar atrás, Porquanto a mesma água que você tocou no rio você não tocará nunca mais, As pegadas que você deixou na areia da praia desapareceram com o vaivém das marés, Tudo e todos são iguais a você quanto muito na forma, Mas não na essência, Você é um presente caído do céu, Com embrulho tão semelhante a tantos outros, Mas jamais em conteúdo, E este que recebi de você, Vou abrir já para ver se dentro dele há 
um caminho que leve à felicidade, Pois ela não nos procura, Nem nos escolhe, Só se disponibiliza, Vou abrir agora mesmo, Pois posso estar à sua entrada sem perceber, Este pode ser nosso melhor tempo, Nosso melhor momento, E ninguém poderá ser e fazer em nosso lugar, Porque ninguém é Houdini, Mas realista esperançoso como Ariano Suassuna, Ninguém é santo milagreiro, Mas voluntarioso como o Conde de Monte Cristo, Ninguém é predestinado, Mas determinado como Gandhi, E muita gente por aí está escolhendo este dia para fazer um novo fim, Diferente do meu, Diferente do seu, Quem sabe muito parecido com aquilo que você chama de Deus!


If I ONLY COULD

 Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

I spent all night long tossing, Turning and questioning, Racking my brains and my nonconformity, Searching for and anew, But nothing can be done about it, If I only could speak with God, I would make a deal with him, Lest your ruddy countenance turns into pale, Lest your look creeps out, So that you do not need to run, To stumble and fall, This feeling is pain that drives one insane but it does not hurt in me, Because I do not know how deep a bullet lies, This lament is a feeling that rationalizes with no reason, Because I know how impromptu fate surprises, I can spend the rest of my life, Racking my memories, But not knowing how to avoid my longing that I should long for before, I have tried to speak with God, To make a deal with him, But he would not listen to my begging, And his divinity was profane instead, And without any agreement, He left, And rose to the sky, This moment is late pain that only now suffers in me, Because I do not know what from the past is left in your heart, This torment is death that frightens but it does not die in me, Because I know how suddenly this ephemeral life is passed by and away.



ESTE VÍDEO FOI COLORIDO À MÃO POR 2.130 CRIANÇAS

MEIO AMOR

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



Se você tivesse esperado um pouco 
O tempo nem ficaria sabendo
O presente não teria passado
O amanhã estaria pelo meio

À primeira vista é o que se planta
O que cresce é magia
O que amadurece é paixão
O que se colhe e alimenta é amor

A palavra não dita machuca
A mal explicada destrói
O perguntar-se não morre
O imaginar-se enlouquece

O que sobra do alimento do pássaro
Cai no solo e brota de novo
Recicla a flora para a fauna
Traz de volta o mesmo fruto

Se você soubesse quanto amor há para se dar
Se você soubesse quanto o tempo sabe esperar
O passado ainda estaria presente
O amanhã estaria por inteiro



sexta-feira, 23 de agosto de 2024

EX UMBRIS AD LUCEM

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Aurora da humanidade, Céu chamuscado de rosa migra para o azul, Destino incerto, Mas inadiável, Seus caminhos desconhecidos e amedrontados, Porém a serem trilhados, Sem poderem ser detidos, E sob o peso de um cobalto assustado e anuviado, Transtornado num brasido coberto de cinzas, A voz humanada soa pela primeira vez, Entoando cânticos clementes, Esperançosos e lastimosos, Uma núncia do porvir, Cercada de sinistras retumbâncias de contratempo, Despertando todos arcanjos, Preparando-se para um inevitável embate entre o bem e o mal, O mal como a ausência do bem, O bem como filho do mal, E este se faz acompanhar pelas trevas, Estas em maior número que a luz, E sempre serão, Arrastando tudo que brilha para o abismo do infinito incógnito, E a luz atraída para longe de sua fonte primordial, Brilha solitária entre lusco e fusco e você caminhará pela escuridão, Acompanhada de invisíveis anjos combalidos em batalha, Sem medo porque ela te conduzirá à luz perpétua. 

Te decet hymnus Deus, in terra, et tibi reddetur votum in paradisum. Exaudi orationem meam, ad te omnis caro veniet. Requiem æternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiem æternam dona eis, Domine et lux perpetua luceat eis. In memoria æterna erit iustus, ab auditione mala non timebi, Absolve, Domine, animas omnium fidelium defunctorum ab omni vinculo delictorum et gratia tua illis succurente mereantur evadere iudicium ultionis, et lucis æternae beatitudine perfrui. Lux aeterna luceat eis, Domine. Cum Sanctis tuis in aeternum: quia pius es. Requiem æternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Libera me, Domine, de morte æterna, in die illa tremenda: Quando cœli movendi sunt et terra. Dum veneris iudicare sæculum per ignem. Tremens factus sum ego, et timeo, dum discussio venerit, atque ventura ira. Quando cœli movendi sunt et terra. Dies illa, dies iræ, calamitatis et miseriæ, dies magna et amara valde. Dum veneris iudicare sæculum per ignem. Requiem æternam dona eis, Domine: et lux perpetua luceat eis. Ex umbris ad lucem.

APENAS LIXO


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98Se desejar, clique no link abaixo e leia o texto ao som de uma música apropriada para o mesmo
Deve ser porque escrevi um livro premiado, Porque tenho uma coluna num jornal de alta circulação, E porque tenho um blogue numa editora, Reservo-me a imbecilidade de me antipatizar com os textos dos outros sem nunca tê-los lido, Como se minha ridícula presunção jamais tenha sido tomada a contento, Tal como água benta, Não tem aí um sino que toque somente à minha alma? Um almocreve que possa chicotear minha bestialidade e apressar meu trote? Alguém que possa beijar as costas de minhas mãos? Alguém que possa engolir comigo o ranho que escorre de meu nariz e a pseudo intelectualidade que vaza de meu ânus? 

Talvez sejam as roupas extravagantes que você não usa, As cores do arco-íris que não enfeitam seus cabelos, As drogas inócuas que lhe causam efeito nocebo.
Deve ser porque sou menina nascida em berço esplêndido, E porque ganhei um emprego público de alta remuneração, E porque com dinheiro fácil enriqueci e montei meu próprio negócio, Reservo-me a fria indiferença de não lhe fazer uma única pergunta e nunca olhar em seus olhos quando você conversa comigo, Como se minha falsa amizade não lhe tocasse a alma, Tal como seu sarcasmo fere a minha, Você não trabalha desde a aurora até a primeira hora de um novo dia? Não esconde sua história e seu mundo numa estrela disfarçada nos céus? Não tem aversão à ilegalidade e a ela inteira se embuça em seus andrajos? Não arranca os dentes de seu filho com um soco quando ele lhe levanta a voz? 

Talvez sejam as músicas que você não ouve, Os filmes aos quais você não assiste, E os livros que você não lê.
Deve ser minha grande lista de desafetos, Meu desprezo por todos os meus contemporâneos, Minha desobrigação de expressar minha opinião sobre as unanimidades, Como se alguém se importasse com o que falo, Como se eu soubesse escrever tão bem como eles, Como se eles soubessem que eu existo, Não tem aí uma sirene que alardeia minha entoação espiritual, Meu etéreo valor? Não tem aí um suinocultor que me passe de porca a porqueira? Alguém que possa lamber as solas de meus pés? Alguém que possa curtir comigo a catinga que exala do meu sovaco e o auto endeusamento vomitado de minha boca? 

Deve ser porque as fábricas pararam de produzir desconfiômetros, As farmácias pararam de vender semancóis, As drogas nocivas que lhe causam efeito paulo coelho.
Mas quem você pensa que sou? Do tipo que se casa apenas por interesse? Que cobra dízimos de gratidão pelos amigos que te dou? Que exibe ao mundo todo a celebridade que me tornei? Reservo-me o sorriso artificial ao seu chato senso de humor e de nunca admitir em você qualquer valor cultural que sobrepuje minha riqueza material, Como se minha forçada hospitalidade não ferisse seu orgulho, Tal como sua autenticidade fere o meu, Você não gosta de aparecer com seu ridículo e pretenso conhecimento sobre tudo que se passa no mundo? Não se rebaixa uma única vez para que os outros se sobressaiam? Não enaltece meus predicados e nunca me liga para saber como estou? Não se toca com meu menosprezo à sua pobre existência? 

Deve ser os adornos de mau gosto que você não usa, Os dias preguiçosos nas loucuras e manias que você não viveu, As oportunidades que você nunca desperdiçou.
Deve ser porque não pertenço à turma que pré aprova minhas opiniões, Porque não me esforço para gostar de alguém só por amizade ou interesse, Porque não leio um livro só porque não gostei da cor de sua capa, Como se um mundaréu de gente inteligente espera ávida pela minha próxima resenha, Como se não me pergunto se alguém está lendo o que escrevo, Como se eu fosse um gênio com sua característica excentricidade, Não tem aí mais espaço para minha grandeza excessiva? Não tem aí uma terra fofa para eu miná-la como uma toupeira? Alguém que possa beijar o chão que piso? Alguém que possa coçar comigo a caspa que abunda meus cabelos e a comiserada arrogância enroscada em meus pentelhos? 
Deve ser porque somos todos carentes, Todos dependentes, Lixos levados pelos ventos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

IDEIA


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98


Desfilam num repertório de noções as favoritas e as marginalizadas, E com estas últimas se dá, Inevitavelmente, De encontro na obcecada busca por imitações fraternas das mais preferidas, Muitas continuam negligenciadas, Algumas deslembradas surpreendem com seus préstimos para belas poesias, Outras com suas proficuidades para prólogos e epílogos de bons contos, No coração de apenas uma reina uma singular mistura de abrupto estanque da existência e os lamentos de costume, Sinistramente engrossados, Funesto ode que sem sentença desperta a imagística, Suscita uma elaboração intelctual tendente ao concreto, Carente do abstrato para ganhar vida, Clamante do degustar da alma de tudo que precede aquele momento mágico da concepção, As sensações emanadas do espírito que a mente interpreta, Descreve e enquadra num proscênio, Cercadas de luzes surrealistas, A inteligência que retorque a alma numa linguagem que traz o passado ao presente e incita-a a expurgar o que de resto sucede a mescla na sede dos sentimentos, E ambas embrenham-se além da linha do horizonte, Entram em alto mar e se veem cercadas de água por todos os lados, Onde se navega com mais cautela do que na boa e rápida partida, Onde se baila, Se oscila e se equilibra, Com réplicas e tréplicas, Sem estribilhos e bordões, Com enésimas contra tréplicas e revelações, Com o tempo viajando bem mais lento, Sem perder a objetividade estática do valor relativo das asseverações, Da centralização das opiniões, O embate das argumentações, A fragilidade da condição humana, Sem perder a subjetividade dinâmica das iniciativas, Das esquivas, Das manobras, Dos vacilos, Das investidas e recuos, Da individuação, Da intuição que já não atina para terra firme, Porque a magia leva o futuro de volta ao passado e eterniza o jogo de palavras e ideias que aguça a imaginação.


UM MÁGICO TOQUE FEMININO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Alienado e mortificado, Com este marasmo, De agravar meu tédio, A atiçar-me pecados mortais, De gula, Preguiça e lascívia, Assalta-me o fastio desta vida, Seguida por invisíveis passos de despotismo, Invisibilidade embutida em habilidade, Que toma tudo que vê e não vejo, Como quem toma armas em defesa de sua soberania, Seu toque é oculto, Usa do maior recurso do poder, Diante de um único homem, A dependência, E sua criadora imaginação, Mas não tem coração de ver-me tão só, Sei seu nome, Mas não sei quem é, O espaço aqui é quase infinito, Mas sua sombra sempre justapõe-se à minha, Qual de nós dois aqui é o mais fingido? Você com sua inacessível divindade? Ou eu com minha carência de um toque humano? Vamos deixar nossos propósitos escapulirem? Quisera ver outros rostos estranhos mesmo sem bondade, Quisera ver milagres de cera, de ouro e de prata, Velas e painéis votivos, Trazidos por outras gentes como eu, Faltos nessas redondezas, Dispenso suas bênçãos tomadas a cachorro, Sua piedade de execrados como Judas, Seu insincero louvor que exclui a crítica, Ninguém come do pão de seus paraísos celestiais, Ninguém bebe do sangue que jorra de seu único filho, Isso mesmo, Vingue-se de minha insolência, Colocando ao meu lado outra de minha espécie, Que não te obedece, Que subverte seus planos, Provoca sua ira animal que sempre escondeu, E nos expulsa para um mundo mundano, Que sempre vislumbrei através do passado recente, Não querendo ver minha existência tão desperdiçada, Sempre procurando por uma pista, De como chegar a você, Mulher, Rogue a mim a mesma praga que você rogou a ele, Jogue em mim mais de uma vez este seu feitiço, Jogue em mim este toque mágico e feminino de fêmea, Sal da terra que este deus não consegue saborear, Luz deste mundo que o todo-poderoso não consegue apagar, Mágico toque feminino tirado de minha costela, Mulher embutida no homem, Sem o qual o homem e sua humanidade seriam insípidos, E deus um frustrado homossexual masculino.

MISS LIAR, SITTING PRETTY, LITTLE LIES IN A ROW

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Todo mundo emprenha pelos ouvidos, Mas eu queria você longe dos meus, O que saem de seus pequenos e grandes lábios?, Farfalhices e bazófias, Os incautos que caem em suas unhas postas fora, Antes do cruz-credo, Quia absurdum, Adoecem de saber você doente, Viram defuntos matados, Tua ideia de mentira, Representa a mola das mortes, As mães, Filhas e maridas que você sepulta, Sem mostra especial de sua frieza, Razão pela qual a esquizofrênica pseudo-intelectualidade, Congênita à falsa mulher e inseparável dela, Não pode deixar estancar o corolário de imoralidades nestes tempos que sublevaram todos seus antigos valores e temores, Dia desses você mandou assassinar seu ignoto empregado em viagem a trabalho no exterior, Pediu à sua advogada para lhe ensinar a trasladar restos mortais sem corpo de prova, E ao seu marido, Primeiro que a ninguém, Você atira a bala que quebra ossos e atravessa pernas, E a ti mesma, Última que a todos, Disparas o projétil que se aloja no ombro e urge uma prótese, Olhe, Pois, Que tuas rezas são hipocrisias das desavergonhadas que não podem, Eternamente, Levar à paciência de Jó os seus incógnitos irmãos da terra e de longínquas galáxias, Ora, Como tudo cansa, Suas grandes petas acabam por exaurir-me também, Seu vício artístico de reduzir, Pela sobrevivência, Todos os otários e cornos bravos a uma única estirpe, Torna seu mundo uma monotonia abominável, Quantos espíritos alemães de nome Fritz você já invocou? Quantas vezes mais você matará a si mesma, E enterrar seu pai, Seus filhos e seu próprio marido? 

'Oras, Meu bem, basta-me saber que sou muito triste com minhas mentiras, E já serei, Na verdade, Muito menos'.

TONS


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Na Drupa 1996 em Dusseldorf, Comprei uma paleta com todos os tons das cores infinitas do universo, Todas decompostas pelo seu olhar, Na sua cabeça, Trançada em bandós de grossas madeixas, Espalhando-se pelo céu noturno até o brilharem de estrelas gloriosas, Quando você se vestia de azul, Parecia Rígel em Órion, Quando deitava-se ao meu lado de branco, Seu corpo era um estro poético, Acalentando-me como Vega em Lira, Já fui teu Sol, Amigo de teus heróis, Aquele que te seguia sob um calor de cinco mil graus, O auriga de seus cachos enredados, Não sou mais o guardião de suas noites, O mata-borrão do batom vermelho de seus lábios carnudos, Escrevi mais de cem canções para você quando era jovem, Nenhuma à altura de Schubert, Que compôs cerca de 800, Das quais uma centena maravilhosas, Somente comparáveis a Mozart, E tive que esperar muito tempo até os Beatles chegarem para superá-los, Passo o tempo esperando pela chuva, Como nos seus dias ingleses, De mãos dadas na aurora das ruas de Viena, Para ver suas cores nascendo por toda parte quando a luz vai despertando, Quando as nuvens derramadeiras dão lugar às noctilucentes, E um arco-íris vem te procurar. 


terça-feira, 20 de agosto de 2024

NÉVOAS PÚRPURAS

Texto de autoria de AustMather Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Sou calistênico, E você minha Lucy in the Sky with Diamonds, Minha heroína, Soltaram minhas rédeas curtas, Acabaram com minha fobia social e meu acanhamento, Agora trago sua névoa púrpura, Misturo-a à minha que rechaça todo tipo de atenuação e transborda da tela onde você, Pintora, Tenta enclausurá-la com outras nuanças, E te transformo numa fera indomável, Faço você viajar, Atravessar a turba que a rodeia, Orlada de leandros floridos, Garbosa nas asas de vário caleidoscópio, Com meu amarelo coruscante, Que violenta tuas corolas brancas, Intensifica tuas carmíneas, Agudece teus vermelho-escuros tendentes ao violeta, Cega como um fluxo de metal em fusão, Teus heliotrópios de sois esvanecentes, E você vira minha doente, Para você meu nariz se alonga, Minha corcova protubera, Minha barriga cresce, Minhas roupas multicolorem, Minha fala treme e esganiça, Para você sou falso herói e fanfarrão, Tolo, Astuto e sinuoso, Sem dignidade, Teu palhaço no meio de qualquer multidão, De qualquer solidão.

VOCÊ É LINDA DEMAIS


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Minha vida é nova e ordinária. Meu coração é robusto e impuro desde a primeira comunhão. Meu destino é incerto e meu anjo da guarda anda inseguro com minha volubilidade. Ele evita palavras contundentes como rebeldia. Meu tempo estende-se por décadas. O de meu avô terminou, mas este velório parece infindável. Estive junto ao caixão, varei a noite improvisada em beira de cama e espalhado pelo chão. Levantei mal dormido e aquebrantado, desesperado por não ver nenhum sinal desse funeral chegar ao fim. Ruminei palavras vergonhosas e deixei escapá-las algumas vezes aos ouvidos de outros temperamentos jovens. Não ouvi admoestação, nem ecos de minha maldade. Há gente demais dentro da casa e fora dela. É difícil conter os bocejos e a irritação. O sol que se aproxima do meio-dia oferece-se para aliviar a monotonia das longas horas à meia-luz das velas, mas exaspera o desconforto com a delonga do ritual. Mas, afinal, que horas será este bendito enterro! Não paro de esfregar os olhos sonolentos. Vejo aumentar o número de pessoas do lado de fora, encaminhando-se para os seus carros. Finalmente, fecharam o esquife de meu avô. Meu pai está no comando de tudo, como sempre. Sem ele não há enterro nem morte. Que desgosto ele teria se pudesse ler meus pensamentos! Não tem olhos marejados, nem peito apertado, porque sua vida é dura, mas linda. Sofreu calado nas mãos de meu avô desde os doze anos, subindo e descendo escadas de altos prédios em construção, carregando pesadas latas d’água e de cimento sobre os ombros que renderam-lhe um reumatismo de seis meses de cama com apenas vinte e um anos. Sem ajuda de ninguém, sem os estudos que lhe foram negados, ele conquistou sua independência financeira cedo e muitos precisaram dele. Mais do que todos, meu avô, que depois da meia-idade, depois de ter perdido tudo que ganhou com amantes e jogatinas, caiu derrotado e enfermo e foi abandonado por todos. Menos pelo meu pai que o acolheu e passou a cuidar dele como um filho incapacitado. Sobre meu avô ouvia-se apenas uma frase de meu pai: ‘Devo minha  profissão a ele’. A existência difícil que teve foi celebrada com generosidade. No cemitério todos querem estar junto à cova. Ninguém arreda o pé até o sepulto ser completamente cimentado. Meu tio desgarra-se da aglomeração e caminha solitário e lentamente pelas ruas delgadas, mãos cruzadas para trás, perscrutando os dois lados, sem ignorar nenhum bem-amado. Eu o sigo à distância até chegar à próxima quadra e ali me detenho. Lá está ela, cândida adolescente a caminho da puberdade, imersa, de corpo e alma, nos cuidados do túmulo. Nada desvia sua atenção. Nenhuma palavra vozeirada nas proximidades, nenhum vulto na sua visão periférica abstraída, nenhum transeunte caminhando a passos apressados e pesados pela sua alameda estreita, nenhum pássaro curioso pousado sobre a cruz sinalizando o mirante da sepultura. Gestos delicados deitam, gentilmente, flores na cobertura e aos pés da tumba. Ela agacha-se e levanta-se e cada movimento seu dita o ritmo de paz e quietude que flui no cemitério. Se há fantasmas em volta, hoje eles estão espantados. Uma última vistoria em torno da campa alinha seu rosto com o meu por fração de segundos. Cabelos negros, lisos e armados, realçam a alvura da face de feições harmônicas, que começa com uma testa graciosamente convexa, chega às sobrancelhas volumosas e bem aparadas, encimando olhos verdes, esmeraldas que reluzem solitárias no meio de um amontoado acinzentado. Abaixo deles, o pequeno nariz arrebitado, rodeado por maçãs levemente protuberantes que se curvam até o queixo esculpido à mão. Acima dele os lábios, moderadamente carnudos, estão fechados, sugerindo respeito, mas descontraídos, por trás dos quais parece haver a ligeira contração dos músculos faciais de Monalisa, como se houvesse um anjo com um sorriso sobreposto sobre seu semblante sem torná-lo facilmente perceptível. Ela prepara-se para partir. Meu tio passa por mim e alerta-me que todos estão indo embora. No carro a caminho de casa, a moça continua na minha retina. Não espero vê-la novamente e nem desejo. Ainda não consegui ir além da admiração e da paixão platônica. Mas quero preservar aquele precioso fragmento de segundo para sempre. Resolvi que ela dará origem ao meu décimo álbum, cuja faixa título falará da garota mais linda do mundo que eu vi num cemitério. O álbum está quase completo. Só falta a música principal que não consigo escrever e nunca escreverei, porque aquele breve momento foi concebido só para os olhos. Foi feito para ser visto e esquecido no reino dos mortos, como são esquecidas a maioria das pessoas comuns que sustentam o mundo, como meu avô, que dentro de poucas gerações será mais um dos muitos seres passageiros e esquecíveis e cuja existência na terra passou completamente despercebida, um nome que nunca existiu para a posteridade. Aquela moça seguiu propiciando muitos instantes semelhantes, em circunstâncias diversas e, se quem os presenciou não experimentou igual êxtase, é porque, de fato, a beleza está somente nos olhos de quem a vê. Meus olhos a viram e morrerão com ela. Foi um instante de felicidade da qual a vida é feita e que não pôde ser ofuscado pela morte, nem de meu avô, nem de meu pai. Platão disse que sofrimento e felicidade andam sempre juntos. O  prazer nada mais é do que a supressão da dor. A visão daquela moça no cemitério  concedeu-me alívio para um pesar imaturo e desrespeitoso. Ensinou Lennon que a  vida é momentânea, sem tempo para fofocar e brigar, e não é nada mais do que um instante de prazer, e a morte nada mais do que o desfecho deste momento. Ensinou Sêneca que quem sente medo na hora da morte não foi feliz. A vida é linda demais para preocuparmo-nos com seu fim. E aquela moça era linda demais para eu imaginá-la só para mim.


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

ME? I'M STILL STANDING, DARLING. WHAT ABOUT YOU? WHICH FACE ARE YOU DATING TONIGHT?

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98




Uma pessoa que eu conheci há muito tempo disse-me: Quando você empresta dinheiro a um amigo, você perde ambos: o dinheiro e o amigo. Esta afirmação incisiva pôs-me a pensar o que, realmente, é um amigo, e até mesmo a duvidar se existe tal coisa chamada amigo. Quando eu era jovem, eu achava que amigos existiam de verdade. Eu sempre pensava que um verdadeiro amigo é, entre outras coisas, aquele que aceita ser seu fiador quando você precisa fazer um empréstimo ou alugar um imóvel. Minha esposa discorda, veementemente, de mim. Ela é da opinião de que questões financeiras são muito pessoais e só podem ser tratadas em família. Ela lembrou-me daquela pessoa da frase contundente: Se você quer perder um amigo, basta você pedir dinheiro emprestado a ele ou pedir para ele ser o seu fiador. Se um amigo não pode emprestar dinheiro ou ser fiador de alguma coisa, então, pergunto-me: para que serve um amigo? Confesso que não sei. E como não sei, tendo a não acreditar mais na existência de amigos. Sinceramente, eu gostaria muito que minha paráfrase daquele provérbio das bruxas fosse verdade: Eu não acredito em amigos, mas que eles existem, existem'. Eu jamais vi uma bruxa. Também nunca vi duende, fantasma, disco voador ou saci-pererê e, só agora, na velhice, começo a me dar conta de que eu nunca vi um amigo. Por outro lado, eu tive o privilégio de ouvir, de certos pretensos amigos, desculpas esfarrapadas, do arco da velha, que rivalizam-se com as mirabolantes máximas que encerram algumas parábolas do cristianismo e com os discursos do Lula. Um dia, eu precisei de um fiador. Antes mesmo de conhecer minha esposa e suas opiniões, eu procurei a família, e me dei mal. Maior que a decepção de ouvir um não é a humilhação de ouvir frases das mais grotescas, que fazem você sentir-se um palhaço no meio de um picadeiro. Um desses membros de minha família, bem de vida, com muitos imóveis próprios na cidade e fora dela, lamentou-se, amargamente, por não poder ser meu fiador porque nenhum de seus bens estava em seu nome. Só faltou ele chorar por ter perdido uma grande oportunidade de ajudar-me. Mas eu fui ingênuo demais. Na verdade, ele não era da minha família. Ele era apenas um parente. Eu cometi um erro e dei um grande susto no meu desprevenido parente. Logicamente, ele tinha medo que eu não pagasse o aluguel e sobrasse para ele. Fui cândido demais ao pensar que um simples parente fosse confiar em mim. Quando recebi aquele não, coloquei-me no lugar dele: Pô, esse sujeito é cara de pau mesmo. Porque ele não vai pedir ajuda para alguém da 'família' dele? O problema é que ninguém mais na 'família' dele confia nele e ele está apelando para qualquer um e deve achar que sou um otário. Ele só lembrou de mim agora, na hora do aperto. Mas eu, se estivesse no lugar dele, não sentir-me-ia apenas um otário, mas teria um pouco de vergonha também. A justificativa que ele me deu para não ser meu fiador levou-me a pensar: Eis aí um verdadeiro altruísta! Dono de tantos bens! E ao invés de querer todos eles para si e declará-los no IR, reparte-os entre os parentes. Meu daimon sussurra-me no ouvido: Acorda! Em que país você pensa que vive? Ele está certo. Eu preciso ser menos inocente. Afinal, será que existem otários no Brasil que declaram todos seus bens no imposto de renda? O pior é que existem e eu sou um deles, talvez o único anão adormecido neste gigante vivaldino. Um outro parente meu foi um grande advogado. Aposentou-se como procurador de um importante órgão do governo federal. Ele disse-me que não poderia ser meu fiador porque andava com uns probleminhas com seu imposto de renda. Esta desculpa foi pior do que uma parábola de evangelho, já utópica em si, e ainda adulterada pela igreja tardia, tão engraçada como o famoso nunca antes na história deste país' do sapo barbudo. O que ele disse-me é o mesmo que ouvir o papa dizer-lhe: Meu filho, eu não posso abençoá-lo porque ando tendo uns probleminhas com Deus. Eu sei que gozar da reputação do papa é coisa batida e não tem mais graça. Nos dias de hoje, o único que não deve ter nenhum problema com Deus é o demônio. Apelei para gente de fora, fora da família, e escolhi um daqueles que sempre considerou-me seu melhor amigo: Falei com meu sócio e ele achou que seria um problema para nós, pois muitos que são grandes amigos nossos pediram-nos a mesma coisa e nós declinamos. Portanto, se abrirmos uma exceção para você, teríamos que abrir uma exceção para todos. Eu senti-me aliviado ao saber que eu não era o único melhor amigo a receber um não daquele grande amigo meu. Eu raramente vejo este meu amigo e jamais sou visitado por ele, por mais que eu o convide. E ele também nunca convida-me. E o mesmo se passa com todos aqueles que disseram serem meus amigos. Então, deduzo, que eu sou um problema, ou o inimigo a ser evitado. Hoje, tenho com todos aqueles que outrora pensei serem meus amigos uma amizade platônica, ou, para usar um termo mais contemporâneo, telepática. Não nos vemos, não mantemos contato por telefone e nem por correio eletrônico. E as forças mentais deles andam bem atrofiadas. Aí vem minha esposa de novo: Eu não te disse que para perder um amigo... Mas, neste caso, ela não tinha tanta razão. Na verdade, aquele sujeito que tem um sócio nunca foi meu amigo, nem passou perto disso que eu ainda não sei o que é. A gente demora para descobrir, mas descobre. Pense nisso: um dia liguei para aquele meu parente advogado, para dizer-lhe que eu havia casado de novo e mudado de cidade. Ele respondeu-me: Não posso falar com você agora porque há algumas pessoas aqui na minha casa fazendo uns consertos. Te ligo outra hora. Ele não tinha meu novo telefone e não sei se ele procurou saber quem o tinha. Talvez ele tivesse identificador de chamada e gravado o meu número. Ninguém sabe. Ele deve ter feito uma reza brava para que eu nunca mais ligasse para ele e Deus o ouviu. Abaixo do amigo vem o conhecido. Ele é um grande amigo de um amigo ou de um parente seu. Você deve lembrar-se daquele chavão: Se você é amigo de fulano de tal então você é meu amigo também. Isso é mais perigoso do que aquele ditado: mulher de amigo meu, para mim é homem. Certa vez, precisei dos serviços de um conhecido. O serviço era demorado e caríssimo. Por isso, pedi para pagar em prestações mensais, de acordo com minhas limitações financeiras. Mas, de repente, minha vida deu uma guinada de 360 graus. Divorciei-me, casei-me de novo e mudei-me de cidade por uns tempos, e não é que, no frenesi daquela repentina mudança, acabei esquecendo-me de pagar o saldo devedor pelos serviços prestados por aquele conhecido! Não deu outra, a mulher dele ligou para minha casa e desceu o nível para valer. Deixou os escrúpulos de lado, se é que um dia ela os teve, e mandou ver: Porra, você deu a maior mancada comigo. Este mês deixei de pagar a mensalidade da faculdade de um de meus filhos por sua causa. No dia seguinte, consegui um empréstimo num banco e enviei o pagamento. Era mais seguro pagar juros exorbitantes a um banco do que ter uma conhecida tão ameaçadora como aquela! Ela estava apenas obedecendo ordens do marido que decidiu por um fim à vida hollywoodiana que, segundo ele mesmo disse, a família dele estava levando. Tenho certeza que ela jamais soube que os serviços, a preços bem salgados, prestados pelo seu marido com garantia de um ano não duraram nem seis meses. Há tempos atrás, fui a uma grande festa, grande mesmo. Da minha família. Sem que eu soubesse, meu nome foi colocado no convite como um dos anfitriões, mas lá fui tratado abaixo de um garçom que sempre passa desapercebido. Quem se lembra da cara de um garçom depois de uma festa? Ninguém! A menos que ele tenha escorregado, levado um tombão no meio do salão, caído de bunda e com a cara enterrada no bolo! Eu não dei um vexame destes, mas também não dei motivos para ser odiado por tanta gente ao mesmo tempo! E lá estava aquele conhecido que pôs um basta ao estilo de vida cinematográfico de sua família. Quando ele me viu, sorriu descontraído, mas não conseguiu esconder seu desconforto. Eu era uma pessoa que não deveria estar lá, daí a surpresa, mas eu estava sereno, com meus pensamentos bem longe daquele lugar. Este conhecido faz parte daquela religião que diz fazer o bem sem olhar a quem. Sua esposa, aquela que ficou incumbida pelo juiz de paz da festa, seu marido, de dar o esculacho em mim, fingiu que não me viu. Aliás, nesta festa, havia vários desses conhecidos que um dia foram a festas na minha casa, sentaram-se à minha mesa, comeram e beberam comigo, deram tapinhas nas minhas costas. Mas nesta festa eles não enxergavam-me. Eu devia estar sob o efeito da invisibilidade. Mesmo assim, minha aura constrangia-os. E por quê? Talvez por eu ser um criminoso. Quem divorcia-se torna-se um criminoso. A confraria dos amigos, parentes e conhecidos dá valor aos heróis, aqueles que, estoicamente, mantém um matrimônio falido sob uma bela fachada de felicidade que costuma arrancar elogios dos mais antigos em público, mas sangue e lágrimas entre quatro paredes. O mundo está dividido entre heróis e vilões. Não existe um meio-termo. Este divisor da sociedade onde eu vivo é tão pragmático quanto aquele jargão americano: Ou você é um vencedor, ou você é um perdedor. Eu faço parte da turma dos vilões e dos fracassados. No final das contas, eu senti muita pena de um humilde e nobre casal que permitiu que eu sentasse à sua mesa, a única que sobrou para mim naquela grande festa. Todos conheciam o casal, mas ninguém veio cumprimentá-lo por causa da minha repugnante presença. Mas eu não disse que eu estava invisível? Estava, sim, mas acontece que esses meus amigos e conhecidos são pessoas especiais, afortunadas, vitoriosas, brilhantes e, ainda por cima, têm o dom de enxergar a aura dos outros. Eles sentiram repulsa ao ver a minha alma aquebrantada. Eis ali um espírito nefasto e obsessor, pensou alto um deles. Mas por que estou cá a falaire desta festa, oras pois, uma vez que o tema aqui é sobre Amigos? Voltemos, então, ao assunto. Você deve estar se perguntando: Afinal, o que esse negócio de ser fiador de alguém tem a ver com amizade? Nada! Quer uma prova? Há 40 anos atrás, eu conheci uma alemã que deixou seu país para trabalhar numa empresa em Santa Catarina. Eu trabalhava na filial de São Paulo dessa empresa e minha relação com esta alemã não passou de um simples cumprimento quando eu fui apresentado a ela por ocasião de meu treinamento de um mês em Blumenau. Um ano depois, esta alemã apareceu em São Paulo e procurou-me: Arrumei um emprego noutra empresa aqui em São Paulo. Estou alugando um apartamento, mas eles querem um fiador que tenha renda e propriedade. Não tenho ninguém. Você pode ajudar-me? Eu não tive dúvidas. Endossei um contrato de aluguel de três anos e dei como garantia minha casa. Depois dos três anos de contrato, nunca mais vi esta alemã. E vocês perguntam: Mas por que vocês não se tornaram amigos? Porque o meu papel de fiador não era pretexto para iniciar isso que vocês chamam de amizade. E vocês tornam a me perguntar: E por que você se arriscou tanto com uma estrangeira que você mal conhecia e tinha visto uma única vez? Porque ela estava só. Eu, ao contrário dela, sempre estive rodeado por um montão de parentes, amigos e conhecidos, todos visíveis aos meus olhos, mas refratários aos meus sentimentos. Estas pessoas que adoram rótulos religiosos do tipo não deixo minha mão esquerda saber o que a direita faz estão em toda parte, exceto onde a caridade se faz necessária. Elas são como uma das divagações do narrador de um livro que estou escrevendo: oportunistas que aparecem melhor no dia de servir caldo e água benta, no dia de dar bênçãos com mãos levianas. Eu gosto muito de lembrar-me daquela alemã fria, divorciada, mas não criminosa como em nossa sociedade, e vencedora, que aventurou-se no Brasil, com minhas palavras preferidas de Bob Dylan: on her own, with no direction home, like a complete unknown, like a rolling stone. Eu gosto de lembrar de meu pai, Armando, que eu pouco conheci e que teve que submeter-se a uma cirurgia para extrair um tumor cancerígeno. Seu médico disse-me que ele não duraria um ano. Ele fez quimioterapia durante mais de seis meses até que surgiu a metástase no pulmão. Eu o visitava diariamente, de segunda a segunda. Ele não desconfiava que sua morte era iminente. Ao contrário, ele desconfiava que talvez eu estivesse querendo pedir-lhe dinheiro emprestado de tanto que eu o visitava. No seu último dia em casa, quando ele teve uma crise aguda e fatal, seu médico pediu-me para que eu o internasse, imediatamente, num hospital, onde ele permaneceu com vida numa UTI somente duas semanas. Eu ajudei a levantá-lo do sofá com muita dificuldade e disse-lhe: Vamos lá, faça uma forcinha. Eu só vou levá-lo a um hospital para medicá-lo e acabar com esse mal estar. Ele mal conseguia falar de tanta dor. Mesmo assim, fez um esforço enorme para dizer-me: Se você estiver precisando de dinheiro, não se acanhe, eu não te empresto, mas te dou. Ele fez aquilo que todos não são capazes de fazer: ir de encontro ao necessitado antes que ele tenha que se humilhar e pedir, ainda que ali, naquele momento, ele, condenado pelo câncer, fosse o único necessitado. Ele foi aquilo que todos se orgulham de dizer que são, mas nunca foram. Eu continuo não sabendo o que são amigos e para que eles servem. E como não sei, continuo não acreditando neles. Se eles, realmente, existem, eles devem ser bruxas, ou tão são chamados de Armando. E eu conheci somente um Armando em toda minha vida. Este Armando que morreu ofereceu-me sua amizade a vida inteira, mas eu percebi isso tarde demais. E na hora de sua morte, ele teve mais dignidade do que todos os que conheci e que ainda estão vivos. Outro que morreu e que foi um deus para os espíritas chamava-se Chico Xavier. Para mim ele foi apenas um criptomaníaco e bem abaixo de meu pai que ofereceu-me dinheiro às vésperas de sua partida para a qual ele não atinava. Logicamente, o Chico não foi um crápula como eu e a maioria de nossos líderes religiosos. Eu o cito aqui apenas porque gosto muito de uma frase dele que diz respeito à minha marginalidade: Criminoso é cada um de nós que foi descoberto. O narrador do meu livro, por sua vez, parafraseia o Chico assim: Criminosos somos todos nós ainda não descobertos. Eu continuo não sabendo o que são os amigos, mas, com o tempo, descobri tudo o que eles não são. Talvez, amigo seja este tipo de pessoa que está morrendo e, mesmo assim, esquece de si e oferece ajuda sem que lhe peçam. Talvez, amigo seja Deus. Eu sou ateu de carteirinha, mas tenho a convicção de que, se Deus existe, então ele deve ser aquilo que vocês chamam de meu melhor amigo. Esta convicção advém de certos acontecimentos estranhos na minha vida. Sempre que estou combalido, nocauteado e jogado na lona, sou salvo pelo gongo. No entanto, o gongo é silencioso, invisível e anônimo. Isso deve ser obra de algo maior que um amigo. Eu agradeço, não sei a quem, mas agradeço. Mas não abro mão de minhas convicções. Nasci e vou morrer com elas. Se Deus existe e é este gongo tão silencioso, ele deve adaptar-se às minhas necessidades e não eu às dele. Se ele for, realmente, um amigo, ele não vai acabar com minha sorte só por causa de minha irreverência. Amigo que é amigo não abandona. Não é isso que vocês todos dizem? E o capeta do meu lado não perde a oportunidade para tirar um sarro:
É isso mesmo. Afinal, amigos são para estas coisas.
Eu pergunto:
É mesmo? Que tipo de coisas?
Ele responde: 
Estas coisas que falam por si mesmas!
E eu finalizo:
Se você veio aporrinhar-me com sofismas vá procurar outro.
Mas o tinhoso quer ficar com a última palavra:
Que estresse é esse, cara? Só estou tentando ser seu amigo!
No final das contas minha esposa sempre esteve certa porque Deus realmente escreve certo por linhas tortas. Ela estava certa porque um cunhado meu que era a última pessoa na face da terra de quem eu esperava alguma coisa, disse-me há muito tempo:
Eu não quero ser seu fiador. Quero ajudar-te com dinheiro.
Constrangido, eu repliquei:
Só se for emprestado até quando eu puder devolve-lo.
Bravo, ele contestou-me:
Emprestado não. Dado! Na minha família não existe o verbo emprestar. Existe o verbo ajudar alguém por uma boa causa.
O equivalente em inglês para o nosso Deus escreve certo por linhas tortas é Deus obra por meios misteriosos. E este meu cunhado é bem misterioso. Eu o vejo a cada 3 anos e olhe lá. Ele não é Deus, nem um Armando, mas está muito acima de todos aqueles que um dia me chamaram de amigo. Um provérbio americano sobre amizade é certeiro: A friend in need is a friend indeed. A rima de need com indeed é forçada, mas é justamente nesta rima onde se encontra a única verdade sobre amizade. O provérbio, traduzido livremente, significa Um amigo em dificuldade é um amigo de verdade. O sentido é óbvio: É na hora da dificuldade que descobrimos quem são nossos amigos de verdade. Nos meus momentos de maior dificuldade, os que pensei que fossem meus amigos de verdade simplesmente desapareceram deixando um rastro de desculpas das mais esfarrapadas. E para encerrar e deixar o coisa à toa mais pê da vida comigo, aqui vão mais 2 petardos: 

1) De Outubro de 2020 até este mês de Fevereiro de 2023, vários amigos virtuais do Facebook, que não conheço pessoalmente e com os quais nem mesmo conversei por telefone, me tiraram, literalmente, da falência total. 2) Na pior fase de minha vida, que já dura mais de 4 anos, toda gente que conheci presencialmente e que se dizia meus amigos saíram pela tangente e desapareceram num passe de mágica do Mandrake quando eu lhes pedi ajuda.


Well, I may look knocked down today, unemployed, heading to 73 next year and still fighting a cancer, but I never give up. I'm still standing, dusting off, turning the corner, and moving on, bleeding, sweating and shedding tears, but not swearing. Hard feelings are a shit!