quinta-feira, 14 de novembro de 2024

UM DIA SEREMOS ENCONTRADOS





Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Mulher, Não posso aceitar a irrogação de pecha de sandeiro, Sim, Concordo, Sandeiro é um neologismo pra lá de mixe, Pior que sandejeiro, Mas não pense que vou baixar meu fogo, Quer você queira me ver como um indivíduo de difícil convívio, Ou um gênio complicado, Um gênio tal qual luz que de tão forte fascina e ofusca sua carência e sua dependência de minha atenção, Conforme-se, Mulher, O mundo verga os joelhos, Ansioso, Suplica à terra e ao céu, Para que tudo que é dito e escrito tenha pé e cabeça, Para que tudo faça sentido, Mas eu cuido apenas dizer-lhe o amor que me tortura, O amor que a exalta e a pede, A chama e a implora, Então, Minha querida, Deixa de ser o bom senso que me puxa as orelhas, Que se irrita, Como se eu fosse um cheiro amoniacal, Acre e forte, Dentro de suas narinas, Que estrago suas noites, Enquanto você boceja sobre os poucos in-fólios que dou-me ao trabalho de te ler para que percebas quantas lágrimas de tristeza estanco nos recônditos de minha solidão, E ainda assim, Você quer me impor dois castigos, Ajoelhar no milho por duas horas, Seu preferido, Dói no joelho, Mas cura a dor da alma, E revela minha unicidade, Que você acha que não reconheço, E não valorizo, E de onde você tirou a ideia que tento comprar a amizade de meus filhos com bens materiais? Nenhum de meus sacrifícios conta? Ego autem in innocentia mea ingressus sum: redime me, et miserere mei, Ah, Agora você me lembra que o que me disse no inicio de nossa conversa foi sendeiro, Sendeiro? Você quer dizer que sou um sujeito desprezível por meu servilismo? Você não estaria referindo-se às dimensões extensas dos muitos universos para os quais você não atina? Ah, Sim, Você atina para alguma coisa, Para sua nora nissei que se preocupa com os japoneses que estão muito silenciosos, Comendo pelas beiradas, E que nunca esquecerão o que os americanos fizeram com Hiroshima e Nagasaki, Mas, Perdão, Sua nora ainda não percebeu que calados são os chineses, Que nunca esquecerão o que os japoneses fizeram com eles na segunda guerra mundial, Pode apostar em qualquer casa de Londres, Eles tomarão toda a Ásia de roldão, E em um século mais, O resto do planeta, Alienação não lhe trará alívio, E fora da caridade sempre há salvação, Mas você se vitima, Diz que abriu mão do carro que tinha simplesmente porque dirigir é algo que não condiz com seu modo de ser, E se desloca horas madrugada adentro só para falar comigo, Para me dizer que deseja ser freira fora do convento, Para me dizer que se entristece quando desce de um avião, Que quer viver no ar, Então vá voar nos barrancos das nuvens e flori-los com requinte excessivo de um hábito preto sempre na moda, Quem sabe você esquece que nossos corpos não são emprestados? Que nascemos e morremos uma única vez? Mas você insiste em se lamentar, Deve haver algo mais, Não podemos estar simplesmente largados aqui à nossa própria sorte, E o pior é que estamos, Não só neste universo, Porque eles são incontáveis, Os teus só de dimensões paralelas que viajam na maionese, Os meus guiados pela lógica, Pela razão, Desprovidos da mistificação do significado da vida, E então, Agora vai me dizer qual é o segundo castigo? Eu não gosto de água, Mas te levo de barco em alto mar, Invoco uns amiguinhos que só eu conheço, Você se atira na água, Junto a eles, Tubarões, Nada até a praia na companhia deles, Morrendo de medo, E quando você pisa em terra firme, Você descobre quem realmente é, Duvido que algum dia saberei quem realmente sou, Mas concordo com você: Deve haver algo mais, E não seremos nós que descobriremos, Um dia seremos encontrados.


NO CRÂNIO DA AMÉRICA E DO MUNDO

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

Allen Ginsberg, poeta americano da contracultura e rebeliões juvenis dos anos 60, ainda se lembra muito bem daquela noite, do momento exato, quando foi a um lugar em Nova Iorque chamado THE DOM, e os Beatles lá cantaram I WANT TO HOLD YOUR HAND, com aquele som contralto intenso, OOOH, que entrou direto no seu crânio e, num instante, percebeu que aquele som iria entrar direto no crânio da civilização ocidental. Allen começou a dançar em público pela primeira vez na sua vida. Ele sentiu um prazer e um relaxamento impetuoso, mandando às favas toda timidez e todas as preocupações da vida. Os Beatles tinham um ritmo alegre. Suas vozes eram generosas, francas, joviais e solidárias. Eles não eram apenas quatro caras formando uma banda. Eles se amavam, tinham muita consideração uns pelos outros. Allen lembra-se que naquela noite no THE DOM se deu conta que a dança dos negros havia sido devolvida aos brancos ocidentais, que as pessoas iriam retornar aos seus corpos, e que os americanos iriam rebolar. Os Beatles mudaram a consciência dos americanos. Inventaram uma música repleta de masculinidade aliada a ternura e vulnerabilidade cabais. E quando foi aceita na América, esta música, mais do que qualquer outra coisa e qualquer outra pessoa nos EUA, ensinou os americanos a terem uns com os outros um certo tipo de relação mais afetiva, mais sincera e de mente mais aberta. Os Beatles fizeram isso com a América e com o mundo inteiro. Na mesma época, eu tinha apenas 15 anos e já havia sentido I WANT TO HOLD YOUR HAND não apenas penetrar em meu crânio, mas também cortar meu coração, quando eu, inocentemente, brincava com o jogo de botão e pela primeira vez em minha vida senti minha alma extasiar-se, arrebatar-se e comover-se com uma música saindo do rádio ao meu lado. Eu era tímido e bipolar, mas já conseguia dançar em público nos bailinhos nas casas dos amigos nos fins de semana. A partir daquele momento, aprendi também a tocar guitarra e a cantar, cantar em inglês todas as músicas dos Beatles. Meus amigos também se apaixonaram pela música dos Beatles, mas não entendiam o que eles diziam naquela língua estrangeira. Mas entender para quê? Música é melodia e não letra. Quem gosta de palavras lê poesia. Quem gosta de música não se importa se ela é cantada em língua viva ou morta. O que importa é a melodia, o arranjo, a progressão e originalidade melódicas, a voz humana, solo ou em coro, fazendo apenas o papel de mais um instrumento no conjunto. São estes ingredientes, e não as palavras, que alimentam a alma. E almas de todo o mundo conheceram um novo alimento que não se provava desde os tempos de Beethoven, Mozart, Bach e outros gênios da música clássica, que era, predominantemente, instrumental, sem palavras. Meu pai, só com curso primário, adorava os fab four, especialmente a música Please Please Me. Quando ele ouvia o refrão Come On, Come On, ele me perguntava por que eles sempre repetiam as palavras Qua Mão, Qua Mão. Alguém reclama da falta de letra ao ouvir a belíssima Bolero de Ravel de um único movimento? 


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

MITOLOGIA JUDAICA: O CALENDÁRIO BABILÔNICO E O MITO DA CRIAÇÃO



Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Durante séculos, judeus e cristãos se gabaram de que a história da origem do mundo descrita na GÊNESIS, um dos livros no Antigo Testamento da Bíblia, foi não apenas INSPIRADA por ‘DEUS’ como também não devia nada às escrituras de outras civilizações. No primeiro capítulo da GÊNESIS, a criação do mundo é assim contada:

1 No princípio criou Deus os céus e a terra.
2 A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.
3 Disse Deus: haja luz. E houve luz.
4 Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.
5 E Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
6 E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
7 Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi.
8 Chamou Deus ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.
9 E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi.
10 Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom.
11 E disse Deus: Produza a terra relva, ervas que deem semente, e árvores frutíferas que, segundo as suas espécies, deem fruto que tenha em si a sua semente, sobre a terra. E assim foi.
12 A terra, pois, produziu relva, ervas que davam semente segundo as suas espécies, e árvores que davam fruto que tinha em si a sua semente, segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.
13 E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro.
14 E disse Deus: haja luminares no firmamento do céu, para fazerem separação entre o dia e a noite; sejam eles para sinais e para estações, e para dias e anos;
15 e sirvam de luminares no firmamento do céu, para alumiar a terra. E assim foi.
16 Deus, pois, fez os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; fez também as estrelas.
17 E Deus os pôs no firmamento do céu para alumiar a terra,
18 para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que isso era bom.
19 E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.
20 E disse Deus: Produzam as águas cardumes de seres viventes; e voem as aves acima da terra no firmamento do céu.
21 Criou, pois, Deus os monstros marinhos, e todos os seres viventes que se arrastavam, os quais as águas produziram abundantemente segundo as suas espécies; e toda ave que voa, segundo a sua espécie. E viu Deus que isso era bom.
22 Então Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas dos mares; e multipliquem-se as aves sobre a terra.
23 E foi a tarde e a manhã, o dia quinto.
24 E disse Deus: Produza a terra seres viventes segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies. E assim foi.
25 Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.
26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.
27 Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
28 Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.
29 Disse-lhes mais: Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento.
30 E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todo ser vivente que se arrasta sobre a terra, tenho dado todas as ervas verdes como mantimento. E assim foi.
31 E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. E foi a tarde e a manhã, o dia sexto.

Este texto foi escrito há cerca de 2.500 anos atrás, logo após a libertação dos judeus do cativeiro na Babilônia. Neste texto, Deus é chamado de ELOHIM e tudo por ele criado tem a seguinte sequência; Céu/Terra/Luz/Firmamento/ Terra Seca/Relva e Árvores/ Luminares/Monstros Marinhos/ Pássaros/Animais Domésticos, Seres Rastejantes, Animais Selvagens/ Homem e Mulher. Na mesma GÊNESIS, nos versículos 4 a 22 do capítulo II, há uma segunda versão da criação cuja sequência difere da primeira. Provavelmente, esta segunda versão foi escrita antes do exílio na Babilônia, e nela deus é chamado de Yahweh. Para descomplicar, um editor juntou os dois nomes num só Yahweh Elohim (O SENHOR DEUS). Veja as diferenças na sequência da criação entre as duas versões:

VERSAO 1/ VERSAO 2
Céu/Terra
Terra/Céu
Luz/Névoa
Firmamento/Homem
Terra Seca/ Árvores
Relva e Árvores/Rios
Luminares/ Animais Domésticos e Selvagens
Monstros Marinhos/Pássaros
Pássaros/Mulher
Animais Domesticos, Seres Rastejantes, Animais Selvagens/?
Homem e Mulher/?

Os judeus e os cristãos sempre se sentiram incomodados com estas contradições e tentavam, a todo custo, dar uma explicação lógica para elas. Alguns judeus SABICHÕES fizeram um esforço danado para provar que DEUS fez uso de uma LÓGICA sistemática e disseram que DEUS criou uma SIMETRIA entre o primeiro e o quarto dia, o segundo e o quinto dia e o terceiro e o sexto dia. Segundo os SABICHÕES, a simetria pode ser assim percebida: 

PRIMEIRO DIA: LUZ E SUA SEPARAÇÃO DA ESCURIDÃO/QUARTO DIA: LUMINARES, SOL, LUA, ESTRELAS, SEPARAÇÃO DO DIA E DA NOITE E DAS ESTACÕES;

SEGUNDO DIA: CÉU, SEPARAÇÃO DAS ÁGUAS SUPERIORES DAS INFERIORES/QUINTO DIA: PÁSSAROS E PEIXES;

TERCEIRO DIA: TERRA SECA, RELVA/SEXTO DIA: ANIMAIS SELVAGENS, HOMEM, ANIMAIS RASTEJANTES.

Eu não sei se estes judeus, assim como todos os cristãos, escrevem estas fantasias por PURO FANATISMO RELIGIOSO, ou por PURA INGENUIDADE, ou por PURA FALTA DE CULTURA, ou por PURA MALANDRAGEM, ou por TUDO ISSO JUNTO. Digo isso porque todo o mundo acadêmico sabe que o DEUS da Bíblia foi inventado pelos homens; que tudo que esta escrito na Bíblia são mitos criados pelos homens; que até mesmo estes mitos criados pelos homens, como o mito da criação, não são nem mesmo invenções originais dos judeus, mas apenas plágios das invenções de outras civilizações. Vamos, portanto, direto à verdade sobre o mito da criação.

Quem inventou o mito da criação do mundo foram os Acádios: Babilônios e Assírios. O mais antigo destes textos, chamado Enuma Elish, foi escrito há 4.000 anos atrás (1.500 anos antes da Bíblia ser escrita) Um outro texto mais recente, escrito por Babilônios e Sumérios, foi datado de cerca de 2.500 anos atrás, como um prólogo para uma encantação de purificação do templo.

Os judeus copiaram o mito da criação deste texto Babilônio, inspirados pelo TEXTO BABILÔNIO ENUMA ELISH, e aquela LÓGICA SISTEMÁTICA DE DEUS vai por água abaixo quando se descobre que a sequência da criação foi feita com base na ordem dos deuses planetários Babilônios do seu calendário semanal. Aliás, para quem não sabe, o símbolo sagrado do judaísmo chamado de Memora, o Candelabro de SETE pontas, foi inventado com base nestes mesmos SETE deuses planetários Babilônios.

Vejam como é fácil perceber a contradição dos judeus ao arrogaram para si o mérito de terem escrito a historia do mundo INSPIRADOS POR DEUS. Lembrem-se que, enquanto eles montam a sequência de criações, eles estão seguindo o calendário semanal Babilônio de sete deuses planetários.

Segundo os judeus, no primeiro dia, DEUS criou a LUZ; no segundo dia, o CÉU. Se houvesse uma sequencia LÓGICA, no terceiro dia DEUS teria criado os LUMINARES (sol, lua e estrelas). No entanto, DEUS quebra a sequência, interrompendo a criação do universo e cria, no terceiro dia, a TERRA SECA, A RELVA E AS ÁRVORES; em seguida, no quarto dia, DEUS retoma a criação do universo e cria o SOL, a LUA e as ESTRELAS. Sabem porque há esta contradição na SEQUÊNCIA LÓGICA DE DEUS? Porque no calendário Babilônio, o terceiro dia é o dia do deus PASTORAL chamado NERGAL, simbolizado por um leão com cabeça de homem e asas. Assim, seguindo à risca o calendário babilônio, os judeus deixam o universo de lado, e voltam-se para a terra, para o pastoral. E como no calendário Babilônio o quarto dia é o dia do deus da astronomia, chamado NABU, os judeus, sempre seguindo à risca o calendário babilônio, deixam a terra e retomam o universo e criam, no quarto dia, a LUA, o SOL e as ESTRELAS. Simples, não? Os judeus eliminaram o sétimo deus planetário porque resolveram criar um feriado semanal, o Sabá, e deram um dia de descanso para um DEUS BABILÔNIO.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

ET JEANNE, LA BONNE LORRAINE QU'ANLAIS BRÛLÈRENT Á ROUEN, OÙ SONT-ILS, OÙ, VIERGE SOUVRAINE? MAIS OÙ SONT LES NEIGES D´ANTAN?

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



Há um enigmático amor, Que vem de Domremy, E que a mim nunca pertenceu, Nem a Neufchâteau, É sentimento incondicional que predispõe uma moça sem rosto a lutar por toda uma nação, Uma jovem que não se abriga em telha-vã, Nem se agacha no seu mantéu ao calor da lareira, Levanta-se, Resoluta, Contra o rechaço de Vancouleurs, Mas, pergunto, há pouco ela não bailava ainda pequena na relva pintada pelo artista?, E qual postulante a rei a enganaria em Chinon mesmo em tenra idade? Tal qual uma filha de Ana Bolena, Medo de atender a um chamamento não tem, Nem de morrer, E, ainda, Tal qual Elizabeth, Virgem será, Com a pátria se casará, Ela tem apenas 16 anos de idade e já é resiliente às armações onde os cerieiros católicos penduravam pavios para fazer velas a Deus e ao Diabo, Invulnerável aos seus desafios e conluios que pensavam que ela não os percebia, E que, Ao contrário, Começava a prever com sua precoce premonição de mulher menina apaixonada pela sua terra, E esta lhe é testemunhada a maior veneração, Desde o olhar inocente e arrebatador sempre a mirar do alto de uma colina, Entregue aos meigos pensamentos que  contrapõem, Por instantes, Os desgastes impostos pela incerteza de Poiteirs e seus mil interrogatórios, Não pelo mero prazer de duvidar por ela ser feminina, Mas por ambicionar convicções políticas, Nem sempre voltadas para o filho de deus menino cujo nome ela jamais pronunciou em oração, Exceto, três vezes nos seus momentos derradeiros coberto de fogo, Jesus! Jesus! Jesus!, Nome este que essa donzela leva consigo em estandarte ao lado de Maria de Tours a Blois, E tão cedo esse nosso mundinho perdido no universo a convocou, Para que os cuidados da ciência dos homens e a premonição de mulher de seus cuidados triunfassem em Orleans, Repartissem sua ternura com sua força, Impassível à seta que lhe atravessa a parte que ergue sua cabeça altiva, Para os sois de verão realizarem as glórias prometidas em seu coração, Num mundo que ainda lhe era de criança que ordenhava ovelhas, Mas agora com as viseiras de elmo feito diamante, Alevantando um pouco, Mais seguro, Para amortecer, Se pôs diante, Da forte e dura pedra de Jargeau lançada à sua face indefesa no chão, Enquanto  seus olhos ainda voltavam-se à contemplação de águas passadas e sossegadas, E admirando seu vulto sagrado, Meung-Sur-Loire e Beaugency compreenderam seu dever, Enquanto aquelas águas davam à paisagem um encanto de conto de fadas, Para que ela cumprisse em Rheims o que as vozes do conhecimento absoluto a inspiravam, Desde os tempos de fazer ciranda em volta das árvores, Sorrir nos folguedos das estações, De amor e destemor, Nos outonos e primaveras de guerra e paz, Na agitação de gente que ainda por aqui passa e deixa sinais, Como os que essa jovem não pintada atrai, E quanta coisa ela tem que deixar para trás? E quanto deste enigmático amor ela guarda para a glória de seus ancestrais? E quanto mais para a indiferença dos que um dia não a desejarão mais? Hoje a menina moça sem rosto traz esse misterioso amor, Que a Paris de futura luz resistiu-lhe com um dilúvio de sóis apagados, Um amor do qual só um é senhor, De espírito e corpo desarmados em Gien, Um senhor de tantas feições, Para as neves de inverno dificultarem sua devoção ignorada pelos seus próprios pares, Feições que resplandecem no breu sem fim, Ainda estremecem St. Pierre de Moustier, Vastidão que amedronta os olhos que aqui embaixo observam, As últimas e árduas batalhas pelas vidas em La Charitê-sur Loire e Lagny, Onde o filho daquele deus menino sempre amou, Foi traído, Como em Compiéngne, Onde a donzela perdeu a liberdade, Com as mesmas moedas que os judeus pagaram aos de sua raça e os franceses aos ingleses, Uma via cruxis que começa em Arras, E tão tarde para essa terra nos prometeram devolver aquele menino, Mas ele a acompanha em Beaulieu e Beaurevoir, Perpetuando nossa esperança de amor, Até seu fim em Roeun, Quando este inexplicável afeto ainda é de gente pequena que pastoreia ovelhas meninas, Que se entregam ao frescor de águas espraiadas, Dão ao vinho um sabor de festa de bodas, Cantam para os homens dançando em quadrilhas, Se embalam à luz do sol e à leveza da neve, Em tempos de amizade sem rancor, De flores no alto e no chão, na trégua e na regeneração, De lembranças de pessoas que por aqui nunca mais passarão, Como esse filho de deus pequenino desfigurado de igual veneração, E que coisas mais ele reserva para o futuro? E quanta dissidência ele evita para a vergonha de seus descendentes? E quantas mais para os que se arrependem tardiamente? Ontem o menino sem face concedeu o perdão, Que a vida mundana lhe negou, A mesma vida que esta menininha sacrificou, Para que eu hoje pudesse falar deste seu misterioso amor, Que a mim jamais pertencerá, Mas que dele hoje falo para nos fazer companhia na solidão, Pois lhes digo, Para conhecer La Pucelle de Lorena, Seus contemporâneos e pósteros teriam dado Versalhes, Paris,  São Denis, As torres de Notre Dome, E o campanário de sua sua Gália, E os estrangeiros dariam Taj Mahal, Roma, Santiago de Compostela e a Basílica de São Pedro, Os santuários de todo o mundo.


INGLESA TRYING ON CLOTHES FOR THE SERIES 'ORIONIS SPUR'

 


Loooooooooooooooooooooooooooooove!

[Verse 1]

"Show me, show me, show me how you do that trick

The one that makes me scream," she said

"The one that makes me laugh," she said

Threw her arms around my neck

"Show me how you do it, and I promise you

I promise that I'll run away with you

I'll run away with you"

 

[Verse 2]

Spinning on that dizzy edge

Kissed her face and kissed her head

Dreamed of all the different ways I had to make her glow

"Why are you so far away?" she said

"Why won't you ever know that I'm in love with you?

That I'm in love with you?"

 

[Pre-Chorus]

You, soft and only

You, lost and lonely

You, strange as angels

Dancing in the deepest oceans

Twisting in the water


[Chorus]

You're just like a dream

You're just like a dream


[Verse 3]
Daylight licked me into shape
I must have been asleep for days
And moving lips to breathe her name
I opened up my eyes
And found myself alone, alone
Alone above a raging sea
That stole the only girl I loved
And drowned her deep inside of me

[Outro]
You, soft and only
You, lost and lonely
You, just like heaven

QUANDO A SITUAÇÃO ESTÁ PERICLITANTE O VALENTE SEGUE ADIANTE

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Às vezes a morte é muito precipitada com os valentões e preguiçosa com os cagões, mas nem sempre ela é assim. Nem sempre ela vem para ceifar vidas. Muitas vezes ela aparece apenas para fazer uma visita, tomar um café, bater um papo, agradecer a hospitalidade, esperar pelo irritante volte sempre e se despedir com o patético qualquer coisa, é só avisar. Às vezes o cagaço do bunda-mole lhe impõe uma humilhação que lhe renderia a alcunha de cabra frouxo se ele vivesse na terra do cangaço. Se o borrado soubesse dessas idiossincrasias da morte ele não sairia correndo em dias fatídicos e permaneceria calmo e parado como um cagarola fez na primeira hora de uma noite quando ele se encontrava abraçado com a namorada no ponto de ônibus e viu, à distância, se aproximando pela calçada, uma horda de desordeiros, chutando latas de lixos, escarrando, urinando nos postes, uivando como coiotes de porre e vomitando toda sorte de palavrões para os que iam e vinham a pé ou motorizados. Não demorou muito para aqueles vândalos do ânus da periferia chegar até ele e sua namorada e prensá-los contra a parede prenunciando um duplo estupro, mas com preliminares com requintes cáusticos:

E aí, meu, não vai apresentar a noivinha pra gente?

Solenemente, o cagão apresentou sua namorada ao chefe daqueles fariseus que, jocosamente, se inclinou, beijou a mão da moça, voltou-se para o cagão e lhe disse:

Mina joia, meu.

O metorusus agradeceu e apressou-se em apresentar a si mesmo e acrescentou que estudava no Ginásio do Prolongo e de lá viera a pé até a avenida para pegar o ônibus de volta para casa.

Espera aí! Conheço-te! Você é amigo da turma do sei lá de quem do Prolongo! Ei, patota, esse cara é dos nossos! Cacete, cadê a educação? Cumprimentem a noiva dele!

Aqueles fuleiros limparam o ranho e a baba com o dorso das mãos ensebadas, e um a um contaminou a delicada e suave pele da eleita do cagão, meneando as cabeças para frente, leve e seguidamente enquanto andavam de fasto, como se fossem súditos sem permissão para dar as costas a uma princesa antes de deixar o palácio.

Valeu, meu! Joia te encontrar e conhecer sua noivinha! Fica frio. Aqui, lá no Prolongo e nesse pedaço todo você está em casa! É só dar um toque. E não se esqueça da gente quando sair o casório!, despediu-se o Átila do bairro.

Quando a morte se depara com a pessoa errada, ela se toca, por assim dizer, se constrange com a mancada que deu e, ao querer se desculpar com agrados, acaba se complicando mais ainda e comete gafes como prometer que lhe avisará com antecedência quando sua hora estiver chegando. A pessoa errada neste caso pode ter sido a namorada do poltrão protegida pelo seu daimon. Só isso poderia explicar o engano esdrúxulo de ser reconhecido por alguém que o cagão nunca viu mais gordo e ainda ser associado à turma de um sujeito cujo apelido era tão difícil de entender e de guardar quanto o de um colega seu do mesmo Ginásio do Prolongo que disse ter sido transferido de uma escola com um nome tão cumprido e complicado cuja única parte inteligível era ligabuia.

Volta e meia a morte é confundida com uma pessoa que na verdade a odeia e se o covarde soubesse desses odds and sods, esses baratos afins da morte, naquele dia lúgubre ele permaneceria parado e calmo e depois prosseguiria tranquilamente, como fez aquele franzino cabra bom, cabras às direitas, e que, ao atravessar a caatinga, inadvertidamente cruzou o caminho de Lampião e foi tomado por um jagunço, um cangaceiro manso, e se viu cercado pelo bando maldito. Mas o sujeito era mesmo cabra do colhão roxo e não se intimidou com as ameaças de Virgulino. Não o desafiou e nem o desrespeitou, mas também não fez concessões à sua neutralidade e desengajamento por isso foi logo condenado a morrer antes da hora.

Sai correndo, seu cabra da peste, e não olha pra trás. Vamos ver até onde você consegue chegar, exclamou Lampião.

Os cangaceiros começaram a armar os gatilhos e o sujeito miúdo se pôs a caminhar lentamente, a passos curtos e pernas atracadas, sem hesitar e sem esboçar qualquer gesto com a cabeça ou com os braços. Andava como se já estivesse morto apreciando a paisagem desolada do jardim do éden do sertão nordestino e como se algumas balas varando seu corpo não fizessem qualquer diferença. Ainda com o condenado bem ao alcance das espingardas, Lampião, meio escabreado, levantou a mão e gritou para todos:

Deixa-o ir embora! Este é cabra-macho e vai ser cria nossa!

É difícil precisar se um cagão é cria ou refém do medo. Um dia o arregão saiu mais cedo do trabalho para sacar um benefício em dinheiro. Deu partida no carro, subiu a rampa da garagem, alcançou a rua, virou à direita e logo chegou na avenida principal que se encontrava com o trânsito completamente parado devido à enorme quantidade de veículos. O caguincha foi se espremendo e se enfiando até entrar pela faixa reservada para ônibus e logo deu o sinal de seta para a esquerda esperando que alguém lhe dessa passagem para a pista do meio. O cagolara estava comprimido entre ônibus e o de trás começou a buzinar incessantemente.

Esse trânsito maluco deixa todo mundo cada vez mais nervoso. Esse cara pensa que buzinando vai fazer os carros andarem, resmungou o caguinha.

O tráfego permanecia preguiçosamente estático como a vegetação arbustiva do semiárido, mas barulhento como maritacas fazendo coro, e quando andava era insuficiente para abrir uma brecha por onde o cagão pudesse deixar o território dos coletivos, brutamontes impacientes. E para piorar, aquele que fungava no seu cangote resolveu cravar o dedo na buzina e espalhar por toda redondeza a  presença insignificante do bundão com um ruído espalhafatoso, feito um cancão do asfalto, a voz da mata sem cor. O cagão olhou no espelho retrovisor e percebeu que não só o motorista, mas várias pessoas com as cabeças para fora das janelas esbravejavam alucinadamente contra ele.

Esses caras são gozados. Acham que tudo está parado por minha causa e que eu tenho que sair da frente deles decolando como um helicóptero, desdenhou o chorão.

De repente, várias pessoas desceram do ônibus ao mesmo tempo, lançaram-se em direção do fraote, envolveram seu carro, arrancaram-no para fora, vociferaram contra ele e o ameaçaram em uníssono. O cagão borrou as calças, não entendeu bulhufas e tratou de se desvencilhar dos agarrões, cutucões e empurrões e saiu numa desabalada carreira avenida abaixo, largando tudo para trás, como um doido varrido agonizando em meio a um ataque de pânico, exigindo o máximo de suas pernas ligeiras e mantendo os braços ocupados como duas asas recolhidas e alternando cotoveladas e socos no ar para manter o corpo em equilíbrio, o que não lhe permitia tapar os ouvidos para silenciar os disparos ardidos que esperava queimar seu corpo e para emudecer o angustiante barulho tal qual o  grito infinito da natureza de Munch e que ainda estremecia a atmosfera desde o buzinaço ensurdecedor daquele condutor apressado. E não podia também tapar os olhos para esconder o vexame, mas tampouco necessitava fazê-lo para ganhar o dom de mântis de Tirésias, pois, embora não pudesse prever se sairia desta vivo, sabia onde queria chegar e como. Ele não corria numa mata branca onde um projétil espoletado viaja livre e impune nas extensas planícies interplanálticas e trespassa com facilidade as cadavéricas e deprimentes árvores de troncos tortuosos e folhas perdidas. O cagão corria pela mata descorada feita de altos maciços de pedra e dispostos na forma de intrincados labirintos saturados de transeuntes em constante movimento de vaivém o que dificultava uma perseguição corpo a corpo e um tiro a queima-roupa. Bastava o medroso fazer o quadrilátero perfeito para voltar ao seu local de trabalho e lá chegar quase desfalecido, desabar num sofá e ser logo acudido pelos seus companheiros preocupados e ansiosos para saber o que aconteceu.

Um bando de assassinos levou meu carro lá na avenida e tentou me linchar, balbuciou o borrado antes de desmaiar.

Ele foi levado a um hospital onde foi apenas sedado e, no mesmo dia, recebeu alta. Seus colegas foram até o local do incidente e para surpresa deles, o carro do frouxo continuava no meio da via pública, com o motor ligado e portas abertas, sem estorvar ninguém, pois naquela hora o engarrafamento encontrara vazão e o trânsito fluía normalmente. Um comerciante local ainda permanecia na calçada observando o veículo desde a hora do incidente e foi ele quem explicou para os companheiros do cagão o que se passara.

Não foi nada não. Foi um pessoal que fretou alguns ônibus para ir ao enterro de um amigo que foi assassinado e eles estavam meio de cabeça quente e descontaram no rapaz só porque ele entrou com seu carro no meio do cortejo fúnebre.

 

When the going gets tough, the tough gets going, when the going gets rough, the tough gets rough

SUBLIME

Texto  de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

A beleza está sempre à mostra, Neste mundo de coração insensível, Nos olhos de quem a vê, De quem quer se comover, Nos olhos negros que brilham na noite cerrada, Que ofuscam o brilho das estrelas e fazem-nas recolherem-se mais cedo, Dividem com o sol o céu lápis-lazúli escondendo os corpos celestes que não pregam os olhos para espreitar os contornos graciosos esculpidos pela natureza, Dessa criatura de olhar sincero, Que não se incomoda do glamour esmeralda querer fazer-lhe companhia, De seus cabelos lisos serem encaracolados e receberem reflexos de cobre para agradar o astro rei, Não se incomoda destas palavras terem sido escritas para alguém que ainda estava por vir, E que me foi negada na vida apenas para me entristecer, E que agora são para você, Para quando você chegar, Toda minha rua te pressentir, Te cheirar no ar, Ouvir os ventos assobiarem em tom diferente para todos alertar, Ver as saias e os chapéus elegantes das senhoritas tremularem com a brisa que está a anunciar, As floreiras nas janelas exalarem perfume para exaltar nosso esprit de corps, Os toldos coloridos dos edifícios descerem e amalgamarem-se com os guarda-sois sobre as mesas nos calçadões, E lá estarei sentado junto a uma delas, Esperando você me convidar para namorar, Moça de pele de porcelana, De lábios moderados e amparados por mão delicada a expressar menos sensualidade do que ingenuidade.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

PARÁGRAFOS 95 A 98 DO LIVRO VALE DA AMOREIRA


Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

O daimon de Tilly costumava lhe dizer que a vida em si já é uma expiação e o aconselhava a carregar sua cruz com classe e jamais cair na tentação do satanás de aliviar o peso do seu fardo, e não ter com ele nenhum tipo de envolvimento, nem por brincadeira. O daimon de Tilly era adivinho, filósofo, profeta e cristológico.
Cuide para que não recaiam sobre ti carmas recalcitrantes por teres envaidecido o arqui-inimigo de deus na sua própria casa com a desculpa de que uma vez lá estando nada te custaria saudá-lo. Em verdade te digo, chegará um dia em que encontrarás o tinhoso numa boa hora e ele tentará te seduzir e te fazer hóspede em sua morada, se demorará na sua mestria cerimonial e tardará em lhe servir uma saideira de modo que para se desvencilhar dele terás que ser mais ardiloso que o próprio.
Tilly costumava participar a Onedin tudo o que seu daimon lhe dizia, e Onedin não só se encantava com essas histórias de gênios como também adorava remedá-las, parafraseá-las e parodiá-las, pelo simples prazer de entreter sua mente. Não existe nenhuma palavra no vocabulário desta língua ou de qualquer outra estrangeira que possa explicar Onedin. Espirituoso é um vocábulo atraente e tentador, mas está muito distante de uma definição apropriada para o caráter de Onedin. A maior dificuldade de se encontrar palavras para explicar a personalidade de Onedin talvez resida no fato dele sempre parecer se situar exatamente na fronteira que separa um gênio de um louco. Ele não era nem um, nem outro e tampouco um meio termo dos dois. Talvez fosse um novo tipo psicológico ainda não descoberto pelos cientistas. Talvez ele fosse aquela resposta que Tilly recebeu do Dr. Allen Hynek: Se eu dissesse de onde ele vem eu estaria mentindo, pois ninguém nem mesmo sabe o que ele é. Mas, como dizia aquele presidente ignorante e obtuso da América, make no mistake about it, Onedin era humano e deste globo terrestre e nele vivia embora ele fosse capaz de se desvencilhar o suficiente de todos os laços da realidade relativa para criar seu próprio mundo. E ele viva como qualquer cidadão que tem o direito de entrar numa biblioteca pública, folhear e tomar livros emprestados, devolve-los e consultar outros. Ele também ouvia vozes, mas nunca as atribuía a daimons. Nunca acreditou que alguém pensasse ou falasse por ele. Sempre achou que as vozes eram apenas ecos de seus próprios pensamentos, típicas de uma pessoa que, como ele, tinha o costume de constantemente falar com seus botões e confabular com sua consciência. Ele também tinha visões, mas nunca se deixou envolver por elas, e também jamais abstraiu delas qualquer ideia própria. Ele simplesmente as contemplava enquanto seu incansável inconsciente se incumbia do resto. Onedin era sociável, participativo, oferecido e de raciocínio rápido. Ele respondia a tudo, no ato, sem pensar muito e sem nenhuma intenção de zombar ou de pousar de engraçado e intelectual. Nenhuma pergunta ou observação a ele feita ficava sem resposta ou sem um comentário. Onedin só emudecia diante de Tilly, a quem ouvia atentamente, e para os demais falava tudo o que Tilly remoía em casa, sozinho, por horas a fio, lamentando-se sempre por não ter dito o que precisava ser dito na hora certa, e inutilmente se vangloriando de todas as respostas à altura que ele esculpia meticulosamente, imaginando o efeito que elas teriam produzido se fossem ditas nos instantes que já passaram e não voltam mais. Onedin era um anseio por rigidez de caráter aparentado por Tilly e este um sonho de liberalismo inconsciente representado por Onedin que não era santo, nem satânico, nem tão burro, e muito longe de ser brilhante, mas não totalmente desprovido de malícia beatificada, bondade mefistofélica, repentes irracionais e sobre-humanos. Era inútil querer encontrar em suas palavras beleza e elegância de expressão, vivacidade de matuto, ou ironia refinada e voltairiana. Onedin era também muito prestativo, ou pelo menos isso era o que ele fingia ser, e falava por falar, para não se omitir e não ser negligenciado, sempre com boa fluência e conteúdo, parecendo culto, mas era apenas um curioso, um palpiteiro afetado por criptomnésia crônica e, invariavelmente, se complicava, pois boa parte do que dizia sempre transgredia o contexto em que se encontrava. Onedin lembrava muita a morte quando esta cometia um deslize. Quanto mais ele queria consertar uma ideia mal formulada e mal compreendida, mais ele se alongava, iniciando um interminável corolário de complicações, mas ele sempre acabava encontrando meios de se safar tão intrincados quanto suas próprias enrascadas. Se não fosse o fato dele ter registrado esta história, ele seria mais uma pessoa inexplicável, passageira e esquecível, como Pacífico e Bombeiro, mais um ser cuja existência na terra passou completamente despercebida, um nome que nunca existiu para a posteridade, um ser sem sentido, como a terra antes do surgimento da capacidade reflexiva do homem e que não fazia sentido para os seres que a habitavam e nem para este universo que a abriga como uma das inúmeras e  pequenas incrustações num grão de areia do oceano. Se um dia Onedin apreendeu um pouco de ingenuidade no seu convívio com Tilly, este pouco de pureza que ele conservou foi contaminado pela perversão e hipocrisia da sociedade e pelo seu total desapego a juízos de conduta humana no que concerne conceitos do bem e do mal, mas o seu sarcasmo ficava reservado somente aos seus pensamentos que eram dirigidos mais enfática e desavergonhadamente aos perpetradores do mal, como o belzebu mutreteiro das advertências do daimon de Tilly.
Sabe, seu capeta, não querendo fazer média com o senhor, mas eu acho o seu inferno impecável. Estas fornalhas inspiradas no holocausto de Hiroshima são impagáveis. E eu que pensei que fosse encontrar aqui apenas aqueles caldeirões de pigmeus, fogueiras da santa inquisição e até mesmo aqueles fornos dos campos de concentração nazistas! Agora, essa sopa de merda que é servida aqui é simplesmente do cacete, ou melhor, do anus mesmo, e com certeza faria os mais finos paladares das moscas parasitas do distrito federal renderem-se ao seu inigualável sabor. E esse cheiro de enxofre então? É denso, substancioso e delirante! Nem todos os peidos de toda a humanidade soltos ao mesmo tempo se comparam a esse telecoteco em sovaco de nêga, cheio de manteiga de se lambuzar, e com catinga de macaco misturada com a de gambá. Estou tão chapado que vou voltar planando. O senhor me dá licença mas eu tenho que ir mesmo, mas eu retorno. Eu preciso ir porque não acho justo deixar meus amigos e convivas se iludindo com o reino absoluto dos céus depois de eu ter conhecido esta livre democracia terrena que não cobra dízimos e nem exige vestes nupciais para entrar. O senhor não perde por esperar! Este seu humilde e honrado penetra há de aqui regressar em breve como o melhor guia de almas e balas perdidas que esta zona maravilhosa cheia de encantos mil jamais viu.


ÚLTIMA MENSAGEM PARA DEIRDRE ULTRAMARI

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 


Querida Deirdre, Teu súbito e recente passamento serenou meu espírito, Por mais cruel e ignóbil que possa parecer este sentimento, Dizia minha avó espanhola que o pouco leva ao desespero, O muito à calma, Só espero que a efusão da saudade não me afete, Como fazem os ricos com os pobres para não serem importunados, E de todo aplaque-se à sucessão de meus dias sem você, Embora não acredite em vida após a morte, Falo com você como se você me ouvisse, Porque você sempre teve o outro lado como certo, Tamanha era sua fé, Não duvido pela mera quizila de descomprazer, Mas porque sempre ambicionei somente certezas científicas, Então te puxo para mim do montículo de terra sobre o último lugar para nos guardar, Sem sabermos onde estar, Cubro-me de suas lembranças, Estas me mergulham em devaneios, Quimeras, E bolinhas de sabão, A ponto de desejar que você possa ter projetado sua consciência para fora do corpo antes dele falecer, E que sua mente vaga por ai, Sem massa encefálica, Sem hora para se recolher, Recebendo e despachando pensamentos, É utópico, Você sabe, Uti non abuti, Porque me conheceu bem, Sempre me quis melhor ainda, E não quero que uma única nota de minha alegria se cale por sua triste partida, Você se decepcionaria muito comigo se eu o permitisse, Se você estiver verdadeiramente me captando, Deve estar de mãos nos quadris, Menos zangada do que surpresa, Você já sabe que não vou mais publicar meus livros, Você havia me convencido, Assenti, Dolorosa e profundamente áulico, Confesso, Por você enquanto viva, Mas não fiz nenhum juramento pelo resto de nossas vidas e que está sendo quebrado pelas suas costas, Nada mudou, Tudo continuará como sempre quis, Postagens nas redes sociais e nada mais, Não consigo conceber a fealdade de palavras solitárias, Só os gênios da literatura as fazem ganhar vida e beleza na companhia de leitores compulsivos, De mentes cultas, Não consigo apreciar o que escrevo sem o meu triunvirato, Esta minha trindade que insiste em colocar em harmonia a alta expressão do pensamento, A arte e ciência de combinar os sons de modo agradável à minha audição, E a representação gráfica, Fotográfica e plástica, Do ser e do objeto, Somente os três juntos alimentam meu espírito, Algo comparável somente à sua voz artística, De cortar a alma, Emprestada às minhas várias palestras performance que demandavam mais do que um personagem, E às vezes até cinco deles, Como em Contexto Para Uma Parábola, Dois dos quais femininos, Duas mulheres interpretadas brilhantemente por você, Com distintos e difíceis tons de falas, Ambas com diferentes sotaques semíticos, E mais ainda, Você elevava suas partes do texto às alturas rarefeitas em que costumava abonar-se, Para sensibilizar o público, Especialmente o masculino, Exprimindo a parte emocional e intuitiva da mulher, Por oposição à suposta parte intelectual do homem, E uma das homenagens que lhe faço aqui, É postar as duas músicas que você escolheu para sua participação em nossa apresentação, Iskanderia de Natacha Atlas quando é a Herodiana quem fala, E Waiting de Sheila Chandra, Quando é a vez de Maria Madalena, Você já sabe também que minha fase de palestras, Tanto as acadêmicas, Como as de performance, Terminaram, E decidi publicá-las no meu livro Um Bazar Chamado Pescoço de Cavalo, Exceto algumas, Como aquela chamada Gravidade. Porque achei-a pedante e presunçosa, Mesmo tendo ela caído no seu gosto, Mas se você continua de cara feia, Te pergunto: Que importância tenho eu para explicar aos outros o que escrevo e como? Nenhuma! Sou tão insignificante como Maravilhas Explicadas, Quem se interessa por esclarecimentos de um pretenso escritor amador? Nem mesmo eu, Um rude fariseu, Tenho interesse em ler e buscar explicações para as crônicas dos melhores colunistas do jornal O Estado de São Paulo, O melhor da América Latina, Que leio desde criança, Contudo, Mesmo a contragosto, E relutante, Você aquiesceu ao pequeno texto reescrito com o mesmo nome, Gravidade, Meu último que você leu pouco antes de seu adeus sem aviso-prévio no dia 02/03/2016, E apesar de ainda preferir a transcrição da palestra na íntegra no meu livro, Você teve a bondade de me felicitar pela minha fidelidade, Sem nenhuma concessão, À minha triádica escrita, As ideias nascidas do intelecto, Impulsionado pela alma, Nutrida por música e também pela intuição em busca de uma ilustração para materializar o conjunto, Nunca as músicas, Nem as ilustrações serviram de simples decorações de textos, Elas nunca se fizeram presentes por capricho e acaso, A música é e sempre será  a alma do intelecto e a imagem seus olhos, Se onde você se encontra lhe foi preservado o dom da reminiscência, Recordará que na palestra Gravidade foram poucos os que entenderam como o conto Além do Portão nasceu de uma interpretação da música Bylar pela alma, E ofereceu ocasião e uma demanda natural para se elaborar um contexto para tal interpretação, E eu decidi explorar as Experiências De Quase-Morte que aprendi com os vários livros de Kenneth Ring, Fui longe demais sobre algo que jamais saberemos, Ou talvez eu esteja errado e você possa já estar sabendo de tudo, Especulei sobre o que acontece com aqueles que decidem não voltar de um coma, Deixando o mundo real sem provas, Apenas com um cadáver, E não se esqueça que quase ninguém se empolgou com minha ingênua pretensão de um Grand Finale, Aquele último e longo parágrafo de duas páginas de livro, Escrito em português galego do século 14, E que me tomou três meses de leituras da época, Neste momento, Posso até ler seu pensamento retrucando: E o texto Abaixo do Décimo Nível? Todos que o leram jamais perceberam que foi escrito no ritmo de Águas de Março de Tom Jobim, E os presentes na palestra tampouco o entenderam apesar de minhas cuidadosas e prudentes elucidações, Você se lembra de alguém ter perguntado o significado de Abaixo do Décimo Nível? Como convencê-los de que há centenas de degraus na escada de nossa consciência, Desde o alerta total até a morte? Como fazê-los entender que, Na preparação para uma cirurgia, A anestesia geral faz nossa consciência descer somente até o décimo degrau, E abaixo dele há um verdadeiro universo de informações e experiências onde, Possivelmente, Reside parte do conhecimento absoluto que o cosmos nos concede de graça? Discutimos muito sobre isso, E certamente você não esqueceu da catarse da palestra, porque Gravidade foi escolhida como título, E porque a palestra foi ilustrada com a foto daquela mulher sem rosto, Parecendo um mar engolido pelos céus, Uma ilha sumida nos mares, Destilando mistérios, Curiosidades pelo elementar e absurdo, Sabe, Deirdre, As pessoas só têm tempo para sobreviver, E fora disso, Só querem o que o império romano oferecia ao povo: Panis e circenses, Só que o entretenimento dos romanos nada tinha a ver com a cultura de uma civilização esclarecida e inteligente como a Ateniense, Os gregos visavam conquistar o saber, E os romanos apenas o poder, Todos nós sempre soubemos que somos uma ínfima parte do todo, Mesmo assim queremos ser lembrados por alguma coisa, Queremos fazer algo que fez diferença no mundo, Algo que mudou a vida das pessoas para melhor, Mas não somos nada, Por isso deixo o que escrevo, Que nada tem de valor, Nestas chamadas redes sociais, Para ser esquecido, E não lembrado, Apenas para me convencer de que passei por este mundo, Nada importante, Simplesmente para certificar-me de que existi aqui uma única vez, Só isso, Gravidade foi escrita para explicar o que não interessa a ninguém, Explorando uma das três tríades que chamo de olhos da alma, Aquelas imagens que me desafiam a escrever sobre elas, Sem querer saber o que seus criadores pretendiam nos transmitir com suas artes e os nomes que lhes foram dadas, E Gravidade foi uma das raras imagens que minha alma não conseguiu atinar, E precisei, Pela primeira vez, Entrar em contato com a artista, Uma Argentina, E pedir a ela para me descrever o significado da foto, Inclusive a razão de seu nome, Foi um desafio para mim e para o público que continuou a ver navios, Mas, Em compensação, Tive o enorme prazer de compartilhar com você o que inferi das generosas elucubrações que ganhei da artista: Não preciso ver seu rosto, Porque em você não há nada de assustador e misterioso, Há quem sinta a gravidade caindo, Nos levando para casa, Subindo e vendo estrelas colidindo, Para saber de onde viemos, Há quem pense nas lembranças esquecidas de uma mulher que acredita que você um dia já foi, Até quem note os nítidos detalhes de seus sapatos, E ainda os ouve como moedas a tilintar, Te vejo como  reflexo da composição de um artista, Vejo você evocar e recriar uma atmosfera livre, Um desígnio singular que te define, Uma cintilação suave, Incerta e fina, Que bruxuleia incolor e sozinha, Indo de um puro rio a uma opaca névoa, Ainda não desfeita do sol nascido, Criando a ilusão de um ser desaparecendo no ar rarefeito, Uma ninfa etérea e real, Atraída pela gravidade sem peso, Flutuando em direção a uma luz que se acende em mim, Ao final, Deirdre, Ficou muito melhor a redução de quase duas horas de falação inútil a alguns minutos de leitura, Se bem que quase ninguém lê, Mas nada me deu mais satisfação do que reviver algumas das várias ilustrações que me inspiraram escritos, A mulher espectral que caminha solitária na escuridão de um casarão abandonado, Mas que precisa de uma lamparina para se guiar, Porquanto só quem vive precisa de luz, A jovem que derrama uma lágrima de terror perante o horror, E que para mim se afigura como o feminino santificado que abençoa e enfrenta o medo, A outra que não sorri e foi fotografada num momento de acidez, Mais uma outra que fita o vazio infinito, Sem nenhuma esperança, Por algo que perdeu para sempre, E, Por último, Aquela que esbanja charme, Numa fria indagação, Dissimulando seu interesse do porquê, Na madrugada do dia seguinte à sua morte, Enquanto seu corpo aguardava a dissolução em poeira, Pensamentos vários tramitavam em minha mente, Todos voltados para você, À luz brilhante das estrelas, E refleti: Delas viemos, Para elas voltamos, E por que não sonhar que estamos viajando entre elas, Prócion, A cintilação de uma lâmpada suspensa, Castor e Pólux, Os padroeiros de nossas aventuras pelo espaço, Nossos fogos de Santelmo, E para mim a única Helena que você sempre foi, Minha Betelgeuse, O braço de minha guerreira, Do centro regulador de minha psique, Rígel, O seu pé de algo maior, Não se exaspere com este meu cansativo palavreado, Gastei toda esta saliva para lhe dedicar um poema, Sonhos Com Estrelas, Que gostaria que você lesse, Mas não se perturbe, Jamais serei um cão Meara se lamuriando sobre o corpo de seu dono Arcturo, Não me lembrarei de você somente na data de seu aniversário, Como Vega e Altair, Vivendo em lados opostos da abóboda celeste, E com permissão de se encontrarem somente uma vez por ano, Nunca fizemos nenhum pacto, Daqueles que quem morrer primeiro volta para avisar o outro, Nunca fizemos promessas, Portanto, Deirdre, Resta-me te dizer, Não te prometer, Que por você, Doravante vou tentar transformar meus pálidos debuxos de morte-cores em aves-do-paraíso.

São Paulo, 01/10/2016

Minha Canção para Deirdre


Canção de Deirdre para a Herodiana

Canção de Deirdre para Maria Madalena

AZUL INFINITO

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Sei porque você fica aí, De pé, Olhando gente passar, Ouvindo gente falar, Tentando dar um sentido à sua vida, Pondo de lado os vícios e a cobiça, Para valorizar as virtudes da verdadeira amizade, E eu aqui me sento, Mergulho meu olhar no infinito, Fugindo da materialidade, Perdendo-me na transparência, No vazio, Da água, Do ar, À mercê da mulher, Como um barco vogando ao sabor da corrente, Porque nela tudo se suaviza, Tudo perde forma e substância, O mar deixa de ser mar para ser apenas um cursor, Como pássaro voando ao capricho do vento, Porque nela tudo se desmaterializa, Tudo perde movimento e som, O céu deixa de ser céu para ser apenas sua cor, Sei que você está em busca de um sorriso para dar alívio à alma aflita, De alguém para quem chorar, Alguém para você proteger, Evitando a leviandade do jovem, Que faz sexo só para partir corações, E ainda não me levanto, Passo para o outro lado do espelho, Caminhando para a divagação, Abandonando o repouso terreno, O contentamento comigo mesmo, Num sonho, Com Rígel, Com Mégil, A viver pela mulher, Como uma supernova acrescentando mais luz ao universo, Porque nela tudo se acalma, Tudo ganha solene profundidade, A estrela deixa de ser estrela para ser apenas seu fulgor, Porque nela tudo se realiza, Tudo ganha simpatia e gentileza, A mulher não deixa de ser mulher, Porque nela tudo se relativiza, Nela tudo é tratado com absoluto amor.

INGLESA BAFFLED FOR BEING CHOSEN

 





domingo, 10 de novembro de 2024

REALEZA

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. LEIA O TEXTO AO SOM DA MÚSICA DO VÍDEO POSTADO NO FIM. Sem ela, a vida seria um erro (Friedrich Nietzsche)

Enquanto ruge a ambição, Acima dela paira, O afiado gume de uma espada, Segura por um fio tênue, Pronto para se romper, E por fim a uma vida humana real, Onde cabem outras cem mil vidas, Cada uma delas com cem mil corações, E cada um deles com cem mil pecados, Prestígios cujas origens nunca são pedidas, Que ao simples toque de um dedo, Nadam em águas folheadas a ouro, E enquanto a terra treme, Porque o céu revolta-se contra tamanhos vícios, Comem solto, E depois enfiam o dedo na garganta, Para vomitarem toda água que encharca o estômago, E voltam a fartaram-se de raros petiscos, Vinhos inéditos, E esquisitas gulodices, Como reis esquecidos na sodomia, Vestidos de roxo e vermelho, Dormindo encostados ao pé das embaúbas, E enquanto vossos sonos são profundos, Outros lançam seus melhores pares contra suas melhores consortes, Mas como Deus dispõe o que o homem põe, Sábios lhe é enviado mais de uma vez, Mas são rejeitados, E vendidos como escravos, E uma vez libertados, Voltam de onde vieram para lançarem em terras férteis, Imaculadas sementes, De Igualdade, Liberdade, Fraternidade, E das ciências da alma humana.

ANNA HOLTZ

Texto de autoria de Alceu Natali com direito autoral protegido pela Lei 9610/98

Aqui não vim em busca de alguém para satisfazer prazeres mundanos, mas para realizar meu grande sonho e encontrei a besta bruta, rude, suja e insultante, que a ninguém ouve e respeita, pois tem a alma surda e prefere o barulho dos ratos ao silêncio dos gatos, compara as aspirações de mulheres nas artes dos homens ao andar desengonçado do cão sobre suas quatro patas defeituosas que mal dá para crer que ele consegue andar, mas esta besta foi uma oportunidade que Deus colocou em minha vida, enviando-me a um semideus a quem, nas palavras do grande e maldito filósofo, todos deveriam ouvir, todos que conseguem perceber que sem o alimento da alma a vida seria um grande engano, e, ainda que a besta zombe dos meus primeiros ensaios, rendo-me à sua indulgência e à sua súplica de perdão e sinto-me uma privilegiada por guiar seus braços sob a vibração no ar da respiração de Deus que fala à sua alma e a Ele o aproxima mais do que todos os outros homens que não escutam Sua voz, não leem Seus lábios, não dão à luz aos Seus filhos, não cantam Suas preces e jamais entenderão que o velho tolo e demente mudou Sua língua para sempre, concedendo-me a honra de secretariar seu entendimento com o todo poderoso como dois ursos e um pote de mel, rugindo e bramindo, com garras afiadas, atacando-se pelas costas de modo que ninguém nem se atreveria a chegar tão perto, tornando-os os dois únicos adeptos de uma religião solitária onde um vive em silêncio, não vivendo a verdade, enquanto o Outro infesta a cabeça do primeiro constantemente com sons que por ele precisam ser escritos para que ele continue vivendo, ainda castigado por ser-lhe negado o prazer de ouvir o que todos ouvem, o prazer de ouvir sua obra inspirada por um Deus inimigo e desamoroso, e agora que a tempestade da manhã veio para levá-lo, alegre, formosa centelha divina, filho do Elísio, ébrio de fogo, para dentro de Seu santuário celeste, sua magia volta a unir, o que o costume rigorosamente dividiu, irmana todos os homens e teu doce voo lança-me numa grande fuga, feia e bonita, desafiando a noção de beleza, visceral, partindo do estômago para se chegar a Deus porque é lá que ele mora, não na cabeça e nem mesmo na alma, e onde Ele mora é onde as pessoas sentem a intensidade revirando suas entranhas até o céu, tão forte que causa uma iluminação no cérebro, mas não me faz perder a minha cabeça em meio às nuvens, faz meus sapatos enlamearam-se de fezes, e assim vivencio a língua inventada pela besta para falar das experiências dos homens com Deus, e foi por isso que Ele enviou-me aqui, para escrever esta língua, ser o anjo de sua alma, para ouvir a voz que fala dentro de mim, para encontrar o silêncio dentro de mim mesma, para tirá-lo da solidão, da prisão, para despertar suas notas adormecidas, para viver pela natureza, para atravessar a ponte da libertação e do lado de lá encontrar o maior tesouro, o tesouro de ser sua Elise, sua jovem mulher perdida, de rejubilar-se com Deus por ter conquistado esta besta adorável, esta única alma amiga e autêntica em todo o mundo, que jamais falhará, jamais chorará sozinha, jamais fará da solidão apenas uma religião, mas inspiração para todas as gerações.