domingo, 30 de junho de 2024

TEM GENTE NOVA NA TABA POR EXCELÊNCIA

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

Em meados dos anos 70 do século passado, AustMathr presenciou um acontecimento insólito e misterioso. AustMathr disse que jamais ousaria contar o que sabe porque ninguém neste mundo iria acreditar. Então,  AustMathr resolveu escrever sobre isso de maneira fictícia, como num conto, e mudou completamente a relação de parentesco de membros da família para que ninguém jamais descobrisse os nomes das pessoas envolvidas. AustMathr deu a esta história real na forma de conto, ou como queiram, o nome de TEM GENTE NOVA NA TABA POR EXCELÊNCIA. Escolheu uma ilustração e uma música tão estranhas quanto tudo o que AustMathr sabe sobre o fato.

Inglesa Luso-Chinesa
30 de Junho de 2024

Você passou pela minha vida bem rápido, em fração de minuto, e nela deixou uma marca profunda, mas, com o tempo, ela se fechou até a superfície, sem deixar sinal de sua presença, como estar anestesiada e ter uma penetração por um longo instrumento cirúrgico que logo cicatriza, e ninguém sabe que você foi perfurada, a não ser você mesma e seu cirurgião. Agora que estou morta quero acreditar que você não se esqueceu de mim, que você nunca saiu de perto de mim e sabe de tudo que estou a relembrar, mesmo contra todas as evidências de que isso é impossível, mas me conformo com esta impossibilidade tendo em vista como minha melhor amiga morreu e como minha sobrinha deixou claro para mim a ausência de determinismo e de propósitos em tudo que nos sucede. Ela dizia que não vivemos sob qualquer lei natural e que, se quisermos uma, podemos chamá-la de aleatória. Nossas vidas e todo o universo são um simples acaso, um acidente, e não têm nenhum significado. Ela dizia que o que aconteceu comigo naquela noite foi uma mera coincidência, cercada de mistério que jamais seria desvendado porque não era algo programado. E nunca foi mesmo. Naquela noite você deu um grande susto em mim e em minha melhor amiga. Fiquei com muito medo, mas minha amiga, mais corajosa, queria te desafiar, e eu consegui convence-la a ir embora, quando nos demos conta que quase 3 horas tinham passado em apenas trinta segundos. Ficamos apavoradas e saímos correndo. Cheguei em casa perto das onze horas. Meu marido e minhas filhas estavam desesperados à minha procura. Já haviam acionado a polícia e ligado para vários hospitais e prontos socorros. Como não sabia o que aconteceu comigo e minha amiga, contei-lhes a história que inventei e ensaiei no carro ao retornar. Disse-lhes que meu carro morreu de repente numa rua erma e que demorei muito tempo até encontrar alguém que pudesse me ajudar. Era a bateria que arriou e precisava ser trocada. Meu marido acreditou e se tranquilizou. Fomos dormir quase uma hora da manhã. Eu sabia que iria passar a noite em claro de tão agitada que estava. Mas precisava acordar às 6 como faço todos os dias, mesmo cansada, porque precisava comandar a fábrica. Meu marido logo pegou no sono, e eu fiquei bem quieta e absorta, repassando tudo que aconteceu naqueles 30 segundos. Eu não vi seu rosto, nem ouvi sua voz. Vi apenas o brilho intenso de sua camuflagem. Como sempre acontece, veio a fadiga mental e acabei adormecendo sem perceber, mas acho que não dormi mais do que 4 horas. Quando o despertador soou às 6, você foi a primeira coisa que me veio à mente, mas desta vez sem nenhum trauma. Quando levantei-me tive uma estranha sensação de bem-estar como nunca tivera antes. Me sentia como se tivesse tido um sono reparador de muitas horas seguidas. Estava alegre e com uma disposição descomunal. No chuveiro comecei a cantarolar enquanto tomava banho, algo que jamais fizera antes. Resolvi ir trabalhar com minha melhor roupa e meu perfume mais caro. No café da manhã meu marido ficou desconfiado e me perguntou onde eu ia vestida daquele jeito. Então, tive que improvisar outra história. Disse-lhe que receberia em nossa fábrica um novo e muito importante cliente para nossos negócios e que queria estar muito bem apresentável. Meu marido continuou a me estranhar porque, além de meu ótimo humor, eu comi três vezes mais do que normalmente como pela manhã. Comi demais mesmo, mas não senti nenhuma diferença. Me sentia como se tivesse tomado apenas uma xícara de chá. No carro, a caminho da fábrica, estava super feliz com minha família, minha fábrica de biscoitos, meu trabalho, enfim, com minha vida. Liguei o rádio e fui dirigindo ouvindo música, outra coisa que raramente fazia. Quando cheguei à fábrica, todos me olharam admirados. Antes de ir ao meu escritório, sempre percorria as instalações com minha supervisora. Ela me pediu para andar mais devagar. Só então percebi que estava dando largas passadas, com muita leveza, como se a gravidade tivesse caído pela metade, sem sentir o impacto de meus pés no chão, como se estivesse, literalmente, andando nas nuvens. Era muito estranho, mas eu achava natural. Ninguém repara  em nada quando se sente bem, só se espanta quando se sente mal. No escritório, como sempre, havia uma pilha de assuntos pendentes à espera de soluções. Pela primeira vez em minha vida consegui, em poucos horas, resolver problemas de uma semana inteira, encontrando solicitude e boa vontade em todos as pessoas com quem conversei por telefone. Saí mais cedo para almoçar e levei comigo algumas funcionárias, tamanha era minha vontade de compartilhar minha satisfação. Tudo transcorria bem. À tarde, sem ter nada com que me preocupar ou que exigisse minha atenção e orientação, resolvi rever alguns projetos de novos produtos que estavam engavetados havia muito tempo. De imediato, admirei-me com o fato de nunca tê-los levado adiante. Na hora decidi reativar todos eles ao mesmo tempo. Falei com várias pessoas e recebi de todas elas apoio e aceitação incondicionais, o que me permitiu vislumbrar um significativo aumento na minha linha de produtos e, consequentemente, expansão da empresa e contratação de mais empregados. Eu estava entusiasmada, exultante, e passei a trabalhar até quase dez da noite. Meu marido continuava muito cismado, mas ele sempre foi muito compreensível e sensato e acabou percebendo que tudo o que eu fazia era para o bem de nosso empreendimento e de nossa família. Qualquer desconfiança que ele pudesse ter se desfez, principalmente na hora de dormir, porque eu tinha vontade de fazer amor três vezes seguidas todas as noites. Ele ficou muito feliz com meu ânimo, mas depois da segunda vez ele se cansava e pegava no sono. Eu ainda permanecia acordada uma hora ou mais, sempre tendo novas ideias que eu poderia por em prática no dia seguinte. Tudo era intrigante, mas ainda assim sempre me parecia normal. Tudo o que fazia ou pensava fazer dava certo. Continuava repousando poucas horas e despertando com a sensação de ter descansado as 20 horas de um leão, sempre contente e animada. Esse estado de espírito durou exatamente duas semanas. Depois tudo voltou ao normal. Quando procurei minha amiga para lhe contar o que me sucedera, fiquei atônita ao saber que ela passou pela mesmíssima experiência que tive. Prometemos que isto seria mantido em segredo. Nem nossos maridos, nem nossos filhos jamais saberiam disso. Um ano mais tarde, minha amiga sofreu um acidente de carro fatal, na estrada já próxima de nossa cidade. O impacto foi violentíssimo e ela deveria ter morrido na hora, mas ainda foi levada com vida a um hospital. Quando eu e meu marido soubemos do ocorrido no dia seguinte, corremos para o hospital e, ao lá chegarmos, ficamos surpresos ao vê-la num quarto comum conversando normalmente com seu marido, com alta marcada para a manhã seguinte. Um dos médicos disse a ele que ali operou-se um verdadeiro milagre, porque minha amiga chegou em estado gravíssimo, foi colocada numa UTI e ele jamais teve qualquer esperança de que ela pudesse sair do estado de coma. Foi minha própria amiga quem me contou o que ocorreu. Ela esperou nossos maridos saírem juntos para tomar um café na lanchonete e me disse que não se lembrava do acidente porque perdeu a consciência e só acordou na UTI com muita dor, mas rapidamente aliviada com aquela mesma sensação de bem-estar que nós duas tivemos durante duas semanas um ano atrás. Nós duas estávamos perplexas. Coincidentemente, mais um ano depois, minha amiga teve outro acidente de carro na mesma estrada e desta vez não pode ser socorrida. Ela morreu no local. Fiquei muito tempo pensativa e perturbada. Eu, meu marido e meus três filhos costumávamos visitar meu cunhado em outra cidade. Ele é irmão de meu marido e tem dois filhos, um deles casado com uma moça extremamente inteligente. Minhas três filhas, com idades entre 15 e 18 anos, sempre gostaram muito de conversar com minha sobrinha. Ela é culta, solícita, bem versada em vários assuntos, tem uma paciência de Jó para responder, com clareza, a qualquer pergunta. Numa destas visitas, minhas filhas conversavam com minha sobrinha e, de repente, ela esbarrou num assunto que me fez lembrar de tudo o que se passou comigo e minha amiga. Quando minhas filhas  deixaram o recinto e fiquei a sós com minha sobrinha, resolvi dividir com ela o segredo que mantive com minha amiga que já não estava mais entre nós. Eu não poderia guardar aquele segredo só para mim. Precisava dividi-lo com alguém, e minha sobrinha era a pessoa mais indicada e confiável para isso. Contei-lhe tudo: aquela enigmática noite, aquelas duas semanas inesquecíveis, o acidente de minha amiga, sua recuperação e seu novo acidente seguido de morte. Minha sobrinha ouviu-me atentamente e estarreceu-me ao dizer que já havia ouvido falar de casos parecidos em outros lugares. No entanto, ela não tinha nenhuma explicação para tais fatos, e alertava-me para jamais cair na tentação de querer encontrar um motivo lógico e muito menos de procurar por esclarecimentos místicos. Ela nunca duvidou da veracidade de meu relato, mas sempre manteve a postura de uma cientista, de pés no chão, racional, do tipo São Tomé: ver para crer. 'Tudo o que acontece em nossas vidas é mero acaso', dizia ela. E mesmo que eu tentasse arrastá-la para algum tipo de abordagem menos racional, ela retrucava que o mais próximo que ela conseguia chegar a uma abordagem filosófica, para não dizer transcendente da fé, era citar uma célebre frase de Shakespeare: 'Entre o céu e a terra há mais mistério que nossa vã filosofia sonha'. Conformei-me e segui a minha vida com o que aprendi com minha sobrinha, até o dia de minha morte, e parece que fui antes da hora. Fui hospitalizada com um problema de saúde curável, mas morri. Tive a impressão de ter ouvido a minha cunhada dizer à minha sobrinha que estranhava minha morte prematura e que não duvidava de erro médico. Pensei muito em você. Por que você não veio me salvar como você salvou minha amiga naquele terrível acidente do qual ninguém neste mundo escapa? Levei para meu túmulo o que afigurou-me ser ecos de sua voz dizendo: 'Parece que houve gente nova na sua taba por excelência'. 'Mas o que você  quer dizer com ''taba por excelência''?'perguntei. E senti ter ouvido: 'Apenas o nome de sua última morada sobre a terra'.



música LOFTCRIES de PURITY RING

Green, green thunder and the, Loud, loud rain, Lead our woes asunder, 'Neath the proud, proud veins, Of trains let bleed the gunmen of our, Pumping earthly hearts, Wean or joys and plunder, Peel our shining teeth, Bid our hold on happiness, Beat weighty tests with lofty cries, Lofty cries with trembling thighs, Weepy chests with weepy sighs. Weepy skin with trembling thighs, You must be hovering over yourself, Watching us drip on each other's sides, Dear brother, collect all the liquids off of the floor, Use your oily fingers, Make a paste, let it form, Let it seep through your sockets and ears, Into your precious, ruptured skull, Let it seep, let it keep you from us, Patiently heal you, Patiently unreel you, Beat weighty tests with lofty cries, Lofty cries with, trembling thighs, Weepy chests with weepy sighs, Weepy skin with trembling thighs, You must be hovering over yourself, Watching us drip on each other's sides, Dear brother, collect all the, liquids off of the floor, Use your oily fingers, Pick up paste, let it form, (Lofticries), Beat weighty tests with lofty cries, Lofty cries with trembling thighs, Weepy chests with weepy sighs, Weepy skin with trembling thighs, (Lofticries), You must be hovering over yourself, Watching us drip on each other's sides.

SÓ COM ESTAS ÁGUAS

 Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

O vaivém da onda espumante, Molha e refresca num pequeno instante, Solitária água que lava a praia, Até que o dia nasça e a noite caia, Deixa marcas indeléveis de eterno som, Como duas cordas afinadas e vibrando no mesmo tom, Convida para nadar em um mar profundo, Para mostrar o que vale a pena no mundo, Troca o medo de se afogar, Pelo verdadeiro e único amigo que se deseja encontrar, Sustenta a vida à flor de suas plácidas ondulações, Com o frescor de favoráveis monções, Amalgama-se com ela como uma única alma habitando dois corpos, Endireita os paus que nascem tortos, Conhece-lhe todas as habilidades fora de forma, Destituídas de qualquer norma, Mantém a limpidez mesmo quando o mau tempo a deixa revolta, Conserva-se sempre livre e solta, Nada cobra pela sua bonança, Torna realidade o que era só esperança, Cuida com amor o que é um adorno do coração, Que só a verdade que dói pode afagar com a mão, Não é dona de novos horizontes que sempre estiveram ao alcance, Não permite que a mentira que só agrada avance, Compensa o confinamento no terço do solo imposto contra a vontade, Sem provocar contrariedade, Com dois terços de sua abundância para se escolher, Presentes de Deus que se recebe sem perceber, Compartilha o anseio de se calar, Transformando horas de silêncio no maior prazer de se conversar, Alegra-se com a paz de espirito dentro de si vivida, Que de sua boca jamais será ouvida, Orgulha-se da energia renovada por conta de um esforço que não é seu, Mas somente daquele que sem nenhuma segunda intenção o mereceu, Não revela os desígnios de sua profundeza, Só quem é amigo conhece sua franqueza, Exceto para aprofundar o espírito de quem a procura, Uma companhia que todos os males cura, Guarda as mais secretas advertências bem longe do continente, O que de melhor pode se esperar de uma confidente, E alardeia alto e bom som em terra firme quem esteve em alto-mar, Quem coloca amizade ao lado de amar.

SAUDADE

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

ARMANDO NATALI - 1926 - 1997 

Pouco ou muito eu faça, A ressonância de uma cantiga sentida, Embalando seu último olhar, Me segue por toda a vida, De pouca valia, Para quem não tem senão dias e noites, Dias que foram só seus, Vivendo e trabalhando a plena luz, Sendo-me dado somente ver nascendo, O sol claro, Seu amigo de heróis anônimos, Noites que ainda são minhas, Incriminatórias e irrespondíveis, Debruçadas sobre sua lembrança, Tornaram-me a saudade, A única companheira que pude te oferecer, Que punge, Não me consola, Nem me perdoa, Pouco ou muito eu pense, O silêncio das lágrimas derramadas, Pedindo-me para te abraçar, Enlutam seus dias venturosos, De muito valor, Para quem nunca teve senão todas as horas para os outros, Sem ninguém que lhe trouxesse de volta ao lar, Onde seus sorrisos meu tempo não vivido em plenitude obliterou, E sempre ao me deitar, Pergunto-me, Que caminhos terá sua alma percorrido para chegar onde está, Que caminhos há para se chegar ao santuário que só pode ter te acolhido com o mesmo amor que você doou, Sempre de olhos abertos e atentos, Enquanto cerro os meus, Pego no sono e com você tenho meus sonhos, Indagando se estou vivendo nos seus, Se minhas preces ajudam-lhe a esquecer o que não fui para você.


quinta-feira, 27 de junho de 2024

ESCREVER POEMINHAS TAMBÉM É JUNTAR LETRINHAS?

 





Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

Mal conto obter, Um disco voador aparecer, Para relativizar meu tempo, Do por do sol que morre breve à claridade rósea iluminando o alvorecer, Não vejo a hora, De ir embora, Navegar o rio imprestável com uma igaratá, E chegar ao vale para frutescer o pé de amora, Não quero mais ficar aqui, Levem-me para qualquer sambaqui,  Pre-historia-me na américa de Vespúcio, Até eu evolver para um índio cherokee,  Don´t wanna be a bluebeard, Don´t wanna be feared, I wish I was a rolling stone that gathers no moss, I wish I was a moptop going weird, Delfos vai me dar o oráculo, O messias vai cear no meu cenáculo, Lúcifer vai ser meu convidado, Deus disse que não vai ser um obstáculo, Vivo lutando, A vida ensaiando, Ficando sem mel nem cabaça, Gêmeo criança do meio coadjuvando, Bem posso apressar, Uma estrela definhar, Ela é um quasar que chega aos meus olhos, Mas não posso ouvir seu pulsar, Enxergo o tempo, A tempo de sentir o vento, A tempo de normalizar a aceleração e o afrouxamento da canção, Meu relento é de trampa e urina por falta de arejamento, Porque o mundo é redondo, Estou rodando, Ele me gira, E a pombagira vai me incorporando, I cannot win the toss, I cannot carry that heavy cross, Lay me out once more, Let me be my own boss, Porque o céu é azul, Vou de aloés e cardamomo com ar taful, Porque quero me revestir de alta dignidade, Minha suprema aspiração é o curul, Porque o vento sopra forte, Derramo lágrimas de toda sorte, Espero morrer antes de envelhecer, Espero morrer antes da morte, Porque minhas morte-cores são ordinariamente vivas, Me falta o negro como ébano, Me falta o limão, Me falta a ágata como ônix, Me falta o açafrão, Já tenho o branco do marfim, Me falta o carvão.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

SOLDADOS SINTÉTICOS

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

De vez em quando, Ainda vejo no espelho, A alma de menino em meus olhos, E quase sempre o reflexo de cabeça branca, Carquilhas demarcando as fronteiras do rosto, Os ombros um pouco retacos, Como negro acostumado a bolear o fardo da vida, As sacas de café e batatas nos ombros portuários, E aos poucos, As madeixas vão lentamente se perdendo, Preparando-se para setenta e uma primaveras, Mas ainda não para serem assentadas, Meu coração ainda fervente, Mantém membro e bagos em elevada temperatura, Com poucos cabelos na mão, De meu amor a paixão em latente ardência de verão de Fevereiro, De sol, Praia e suores, Penetra-lhe com suave calor suas carnes, Como de braceletes o ouro em brilho quente, Morde-lhe com volúpia seus lisos braços, Domina-lhe os nervos, Entra-lhe como vento por uma janela largada aberta, Sacode-lhe frouxamente as cortinas, Até que um dilúvio de luz cai do alto de sua fronte como pano sobre o palco do teatro de nossas existências e cega-me, E às vezes me perco, Como me perdi com menos de trinta e perguntava se, Quando tivesse meia quatro, Você ainda precisaria de mim, Cuidaria de mim, E me via como um homem útil, Capaz de trocar uma lâmpada, Você tricotando junto à lareira, Fazendo piquenique e jardinando aos domingos, Com netos sentados no colo à tarde, Mas continuo o mesmo soldado desde o dia que nasci, Seu aliado em guerra contra a aversão do mundo mais de seis décadas afora, Desalojado das trincheiras, Mantido no front modorrento, Nublado de fumaça asfixiante, Tresandando corpos putrefatos, Um inferno sufocante, Numa batalha desigual e solitária, E por saber ainda como manter o nariz fora d´água, Inalar ares finos e puros que adentram a alma, E nela espalhar obstinação e força, Por ser árvore que se verga ao peso de mágoas excruciantes, Sem ter um único galho quebrado, Por não me defender com armas convencionais e letais, Que mutilam e matam, Sou cunhado como uma incômoda e sintética moeda desumana, Que insiste em manter-se em circulação. 


CANÇÃO DA MELANCOLIA

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

Um sol vivendo e trabalhando plena luz, De sorriso infantil, Não toma as nuvens por Juno, Abre o céu para todos reclusos espairecerem suas tristezas no dilúvio de claridade que derrama sobre as sombras da terra, Tira Greta Garbo da penumbra, E Prudence Farrow de casa para saudar o dia com Mia e John, Do alto de um telhado, No topo do mundo, Onde uma doce brisa beija e balança suavemente os cabelos como pendões de damas entre verdes, Entre azuis sem horizontes, Sopra para o meio do firmamento, Um papagaio de papel, AltoDe braços apartados em cruz, Bailando inquieto, Como torre esguia de igreja, Fazendo-se ao largo do cosmos, Aqui no chão choro, Pela linha que se desenrola e se solta para o infinito, Deixando um saudoso aspecto lembrando, A lacrimosa e pequenina estrela que se mistura às outras invisíveis que te ofuscarão com o brilho da noite de amargura quando ela chegar, Quando a melancolia voltar, Venha, Então, Me abraçar, Dormir no meu sono, Sonhar no meu sonho, Com um novo foco luminoso que logo vai voltar a acender os corpos sombrosos sobre nossas almas angustiantes.  

música: MELANCHOLY SKY de GOLDFRAPP

[Verse 1]
Late into the night
Comes a glow like ice
Numbers on my phone
I don't recognise
There in black and white
All your twisted thoughts

[Verse 2]
Brutal starry eyes
Stuck inside your head
Fallen from the sky
Risen from the dead
Views from all the past
Taken to new heights

[Chorus 1]
Melancholy sky
You made me blue
Still hanging on
There's nothing I can do

[Post-Chorus]
Not this time

[Verse 3]
There you are again
Calling from the hills
Haunted and the damned
From imagined worlds
It's too late, my friend
I don't love you anymore

[Chorus 1]
Melancholy sky
You made me blue
Still hanging on
There's nothing I can do

[Chorus 2]
Melancholy sky
Still hanging on
You're crazy now
I didn't do you wrong

[Post-Chorus]
Not this time;


ENCARNAÇÃO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98.  

ADEUS À CANDIDA B. Z. NATALI - 1927 - 2024

Adiemus, Adiemus!
Aproximem-se todos
Vocês que são da Itália e de Portugal
Querem filhos franceses ou brasileiros?
Abram os olhos porque vocês já estão no paraíso
Abençoada seja esta terra que vos acolheu


Adiemus, Adiemus!
Entrem numa casa de espanhola sem a filha saber
Perguntem às mães, às avós e aos seus cães vivos e mortos
Querem ilusionismos houdinianos ou cândidas adivinhações?
Mantenham os olhos fechados porque vocês estão dentro de um sonho
Abençoado seja este sono que vos repousa


Adiemus, Adiemus!
Ousem intrometer-se num enterro da aristocracia negra em Paris
Peçam para deportar vosso caixão do velho para o novo mundo
Querem filhos submissos ou libertos?
Abram os olhos porque a escravidão foi abolida
Abençoada seja esta miscigenação que vos contemplou 


Adiemus, Adiemus!
Pasmem com o veludo púrpuro que forra todas as paredes
Digam adeus às aulas de balé e língua estrangeira
Querem filhos de reis ou de trabalhadores?
Fechem os olhos para os que vos deserdaram 
Abençoados sejam os que a vós se irmanaram


Adiemus, Adiemus!
Cantem com mãos erguidas ao céu
Façam estalar todas as castanholas das ciganas espanholas
Querem dançar flamenco e baião ao mesmo tempo?
Abram os olhos para o verde exuberante
Abençoado seja o amarelo de nossas bandeiras 


Adiemus, Adiemus!
Deixem os céus tempestuosos
Venham para os solos férteis
Seus filhos são todos estrangeiros
Embarquem nos mesmos navios negreiros
E aportem na água, na terra e no fogo prometido aos mortais


terça-feira, 25 de junho de 2024

VIGÉSIMA QUINTA HORA


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

ADEUS AO ARNALDO NATALI - 1956 - 2024

As linhas de seu fim, Sinalizadores de sua efemeridade, Cada um dos sulcos que marcam a palma de suas mãos conhece todos os escuros e tortuosos meandros de sua alma, Os desígnios de suas aspiradas transcendências, As inexorabilidades de seus incompreendidos mundos, Sua Alma, Sua Palma, Esconda-se da luz do dia até que a noite caia, Não carece ainda dormir sem acordar, Dissipe de sua memória os que nunca imaginaram estar em seu lugar, Em seu abandono, Em sua revolta, Nenhuma lágrima sua deve ser derramada sobre os sepulcros onde todos os que não querem ver jazerão, Nenhuma de suas vesguices pode enxergar pelo que seus olhos choram com voz embargada, Nenhum pensamento seu deve ser levado de volta às suas melhores lembranças das quais eles se fartaram até se olvidarem, Que os dias que lhe restam apaguem tudo, Até mesmo o que Deus ainda está por vislumbrar, Que se cultive a virtude da obliteração, Dos repetidos erros de qualquer passado, Das pretensas regenerações de qualquer futuro, Quando os espectros dos mortos começarem a errar à sua volta e a se lamuriarem, Pegue a estrada e viaje sem destino, Sem se deter, Madrugada adentro, Por caminhos desolados, Aqueles que pelo criador não são lembrados, Guie-se somente pelas luzes das estrelas até que os primeiros raios de sol as apaguem, Quando você chegar onde não há mais nenhum sinal de vida, Aí você deve parar, E esquecer de mim, Para ser ninguém, Ter somente seu avesso por companhia, Sem aqueles olhos cegos que te tateiam, Numa criminosa injustiça por suas deficiências de que são os primeiros testemunhos, Sem aquelas bocas dormentes que te bocejam, Numa impiedosa indiferença por sua suprema provação que fingem desconhecerem, E, Então, Caminhe, Até encontrar a porta que se abre na vigésima quinta hora, Adentre-a, E fique à mercê do imponderável e do intangível, Estes majestosos senhores da eternidade e do infinito, Venerados e rogados, Por todo impetuoso espírito, A um só tempo carente e valente, Por uma única disposição, Uma única ideia factícia, Nestas palavras tão escatológicas, Neste tempo extra tão adormecido, Que só de sonhos se levanta.

VESTIDA DE MODÉSTIA



Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

A lua dona da noite, O sol do dia, A terra de sua vida, O ar da respiração murmurada, Para os ventos gerais reinarem, Renderem-se à doidice de seus sopros, Feito bando solto de demônios travessos e brincalhões, As nuvens carregadas não tomadas por Juno, Para Zeus brandir o raio com que troveja, Num relâmpago sobre dezoito chuvas, De muitas primaveras por viver, Sobre meus outonos avançados, Cobertos com o branco e vermelho de minha antiguidade, Sob seu pleno viço, De olhos negros, De alma da cor do mar profundo em tempo límpido, Despe-se do amor-próprio, Qual árvore das folhas, Qual névoa rompida pela luz da manhã, Toda veste-se de desapego e suficiência, E caminha para o universo, Para uma festa à fantasia de buracos negros, Com sua aura luminosa de horizonte de eventos como único adereço, Tocando nos infinitos astros de meia-claridade que lhe guarnecem o espaço, E de espaço, Ouve-se notas longínquas de uma melodia que escapa-lhe de boa mente, A cantarolar palavras no interior de uma simplicidade singular, Vedada ao mundo, Ocupado com a loucura de suas importâncias, Feito solitário preso em anjo desenxabido e macambúzio. 


domingo, 23 de junho de 2024

TRANSLITERAÇÃO DO SENTIMENTO

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



Não me engano com palavras a não ser em sonhos, por isso quando me falaram de Valedana Moreira eu sabia que não existe um município com este nome, mas ele é muito parecido com outro de uma cidade verdadeira e foi relativamente fácil para eu identificá-la, auxiliado pelo conhecimento que tenho da mania de se cometer frequentes lapsos de leitura, fala e audição em sonhos. No entanto, em mim, esta mania não se fixou como uma perturbação permanente da memória em que as mesmas palavras são sempre lembradas fora do seu significado exato. Eu cometo estes enganos involuntários em situações únicas que nunca se repetem, e eu mesmo os reconheço e os corrijo. Muito peculiar é o fato de eu cometer tais erros inconscientes não apenas por simples transliteração, mas por acréscimos de letras a uma palavra, mudando-lhe o sentido, mas sem subtrair suas letras originais e sem alterar a ordem das mesmas. Certa vez, enquanto conversava com uma freira, subitamente chamei-a de enfermeira por engano. Eu havia acrescentado as letras e, n, e , m à palavra freira, sem alterar a ordem de seus vocábulos. Freira é um substantivo que cabe dentro de outro, enfermeira, sem alterar a ordem das letras de ambas: enfermeira. No caso da cidade em questão que tinha um nome composto, foi acrescentada apenas a letra n à primeira palavra e a ela também se agregou a preposição e a primeira letra da segunda palavra. Assim, o verdadeiro nome da cidade, Vale da Amoreira, foi transliterado para Valedana Moreira. O incidente com a freira ocorreu durante minha passagem pela Inglaterra medieval. Eu estava perdidamente apaixonado por uma jovem de 18 anos, e queria casar-me com ela. A moça de olhos meigos também gostava de mim, mas ela já tinha decidido tornar-se uma freira antes de me conhecer. Tentei várias vezes demove-la desta ideia, sempre em vão. Ela entrou para um convento e me foi permitido visitá-la uma última vez para me despedir e nunca mais vê-la. A madre superiora, de cara fechada, abriu os enormes portões do castelo onde se abrigava o mosteiro, e foi ela quem me advertiu que seria a última vez que eu adentrava aquele majestoso palácio rodeado de frondosos e imensos jardins. Fui conduzido a uma antessala ainda no piso térreo. Aguardei alguns minutos e logo ela apareceu já vestida de freira. Seu rosto com cabelos cobertos continuava lindo, e seu olhar plácido e comovido com minha desesperação. Nosso diálogo foi curto, sofrido e inesquecível. Ela disse-me que também me amava, mas que naquela vida ela tinha escolhido servir a Deus. Repeti várias vezes a ela que havia várias maneiras de servir a Deus. E ela se limitava apenas a me olhar com compaixão. Nossa conversa transcorreu em português o tempo todo. No momento em que me preparava para esbravejar mas você não precisa ser uma freira para servir a Deus, eis que, sem perceber, falei em inglês but you don’t have to be a nurse to serve God. Em seguida, a madre superiora interrompeu nosso diálogo dando-o por terminado. Vi minha amada saindo, olhando para mim com um sorriso feliz e dizendo adeus. Fui escoltado para fora do castelo e a madre superiora reiterou: não quero vê-lo aqui nunca mais. No dia seguinte, pela manhã, me dei conta do erro que cometi. Ao invés de dizer you don’t have to be a nun to serve God (você não precisa ser uma freira para servir a Deus), eu disse you don’t have to be a nurse to serve God. (você não precisa ser uma enfermeira para servir a Deus). Isso me pareceu incrível porque tenho completo domínio da língua inglesa e falar inglês para mim é o mesmo que falar português. Portanto, eu jamais confundiria a palavra nun (freira) com nurse (enfermeira). No estado onírico, eu cometi uma verdadeira transliteração que se define como a representação dos caracteres de um vocábulo por vocábulos diferentes no correspondente vocábulo de outra língua. Comparada com a relação entre as palavras freira e enfermeira descrita acima, minha transliteração em inglês suprimiu uma letra, o n de nun, e acrescentou outras três,rse de nurse. Na pronúncia não houve um aumento porque as duas palavras em inglês são monossilábicas, mas na escrita houve um aumento de três para cinco letras. Mesmo sabendo que tudo é possível num sonho, continuei intrigado com a transliteração. Lembrei-me, também, que na noite anterior eu assistira ao filme Lady Jane, a jovem rainha inglesa que reinou por apenas onze dias e foi decapitada. Talvez, pensei, tenha sido esse filme que me remeteu para a Inglaterra medieval num sonho. O mais estranho ainda estava por vir. Na semana seguinte ao sonho não consegui trabalhar. Todas as manhãs quando me levantava e me lembrava do sonho passava mal. Faltei ao trabalho a semana inteira. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo comigo. Por isso não queria nem mesmo ir a um médico porque não saberia dizer a ele o que eu tinha. Minha ex-esposa, ex-católica convertida ao espiritismo, recomendou-me tomar um passe num conhecido centro espírita onde eu fiz um grande amigo. E na sexta-feira lá fui eu falar com meu saudoso amigo espírita que partiu há mais de uma década. Envergonhado, contei-lhe tudo: o sonho, o filme, o mal estar, minhas faltas no emprego. Serenamente, ele disse-me que eu havia voltado a uma vida passada que me causou um enorme sofrimento e acrescentou: este sofrimento termina hoje, agora mesmo. Ele me deu um passe e, fazendo um trocadilho, meu mal estar despareceu como num passe de mágica. Voltando ao trabalho na outra semana, eu ria de mim mesmo, sentindo-me ridículo com o mal estar que me fez faltar ao trabalho na semana anterior. Este episódio levou-me a fazer muitas reflexões. Lembrei-me que há muito tempo atrás, minha filha mais velha teve muitos problemas entre os sete e os dez anos. Por respeito a ela, não vou revelar que problemas ela teve na infância. Sua mãe, minha ex-esposa, recorreu a todos os possíveis tratamentos. Mãe que é mãe vai até o inferno se for preciso para ajudar um filho. Ela ainda não era espírita, mas por recomendação de um parente, foi feita uma sessão espírita dentro de minha casa. A médium ‘recebeu’ vários espíritos, todas mães italianas reclamando da morte de seus filhos na guerra. Ao final da sessão, a médium explicou que havia em minha casa um espírito perturbando minha filha e que ele já havia sido encaminhado e que minha filha iria melhorar. E, de fato, minha filha melhorou, como num passe de mágica. Naquela noite, o que mais me impressionou foi o que a médium falou a meu respeito. Disse ela que me viu todo estropiado esperando atendimento numa tenda no meio do campo de batalha numa guerra. Disse ainda que minha filha lá estava trabalhando como enfermeira e que eu lá morri antes de receber atendimento. A médium estranhou o fato de que dentro daquela tenda os feridos não estavam sendo apenas tratados. Os médicos pareciam estar fazendo algo além de um simples atendimento, algo parecido com um tipo de experiência. Esta reflexão levou-me a fazer uma experiência por conta própria: uma viagem astral. O quê? Viagem astral? Podem rir se quiserem, mas tenham em mente que quem aqui escreve não tem religião, é ateu de carteirinha e não acredita na vida após a morte, mas acredita na energia do pensamento, no inconsciente coletivo, na projeção da consciência para fora do cérebro durante o sono. Eu consigo, quando quero, projetar minha consciência para fora do meu corpo, sair por ai à noite, viajar para o passado e o futuro, conhecer pessoas novas, cidades e países onde nunca estive. Nem sempre consigo ir onde e quando quero, mas, às vezes, consigo. Então certa noite, saí de meu corpo, voando pela janela do segundo andar e resolvi ir à casa de meus pais num bairro vizinho. Lá chegando, notei que todos estavam acordados e preocupados. Minha filha mais velha aparecia como uma criança de colo que estava doente, e o pessoal na casa se alvoroçava à procura de um médico. Eu via todos na casa, mas eles não me viam andar no meio deles. Porém, para minha surpresa, divisei duas freiras, duas jovens morenas lindas de morrer, com túnicas roxas e uma enorme cruz branca estampada na frente. Elas lá estavam fazendo vigília, invisíveis aos olhos do pessoal da casa, mas me enxergavam, e olhavam-me com ar de reprovação como se estivessem me dizendo: sua pequena filha está doente e, ao invés de ajudar, você vem aqui para passear. E eu estava passeando mesmo, passeando num tempo passado quando minha filha ainda era um bebê. Fiquei encabulado, como alguém que foi pego em flagrante, então saí de fininho e voltei para minha casa. Eu sempre tive uma relação muito difícil com minha filha, principalmente depois de sua adolescência. Uma relação de medo que virou revolta e, finalmente, ódio e inimizade. Uma relação que translitera os sentimentos, que faz com que a fé tenha uma  expressão de fome em seu rosto. Foi com base nestas experiências e numa pintura retratando Lady Jane no momento que ela está sendo preparada para ser decapitada, que eu escrevi, como desfecho desses sentimentos transliterados as palavras: Minha querida donzela, Que zomba da realeza, Que lê Platão, Prometo que falarei com Deus, Quando você partir, Farás um pacto com Ele, Para salvar almas, E eu sacrificarei a minha, Prometo que voltarei a te ver, Mas não me reconhecerás, Farás um pacto com tua nação, Para salvar corpos, E eu sacrificarei o meu, Prometo que trarei você para junto de mim, Mas não me lembrarás, Faremos um pacto de sangue, Para salvar nossos tempos perdidos, Mas acabaremos inimigos.


quarta-feira, 19 de junho de 2024

O RETRATO DE UMA ALMA

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 



Sempre tenho ideias, coisas para dizer, para escrever, fatos que incomodam-me enquanto não conversar com eles, sentimentos imprecisos que inquietam-me enquanto não tentar entende-los. Para lidar com essas impressões, concretas e abstratas, reais e imaginárias, preciso de ajuda, ajuda de algo que sensibilize a alma, que a alimente com lágrimas emotivas e incensuráveis. Quando procuro ajuda, impaciento-me para encontrá-la mas, quando menos espero, ela desponta, cantando para mim sem saber que veio socorrer-me, acreditando ter encontrado alguém que a ouça com os ouvidos da alma. Então digo o que tenho para dizer e o som numinoso alegra-se com nossa empatia, mas ainda pede-me uma imagem que registre para sempre este encontro mágico, entre o pensamento e a voz do princípio vital. A feição da alma muda a cada milionésimo de segundo e é impossível captar o exato e raro momento em que ela sincroniza o elemento psicóide da natureza com a transcendência da reflexão humana. Lembro-me de uma vez quando sonhei que eu era um pintor e me pediram para explicar o sorriso de Monalisa. Eu falei com desenvoltura por meia hora, esgotei todos os meus conhecimentos sobre técnicas de pintura e conclui que não sabia dizer de onde veio aquele sorriso da Gioconda. Os que indagaram-me, explicaram-me que o sorriso dela partiu do coração, antes que o cérebro recebesse qualquer estímulo. Por isso, deixo estas imagens surgirem ao acaso, e elas aparecem, supostamente indiferentes, mas já produzidas com propósitos definidos e perdidos, um dos quais sempre vem ao encontro de minhas necessidades antes mesmo que elas tenham nascidas. Há pouco tempo, tive uma sensação incomum. Apareceu diante de mim o retrato de uma alma pedindo-me para explicar-lhe que devaneios divinos e que cânticos angelicais registraram sua imagem. Minha querida, eu te chamo de querida porque a alma é feminina, enquanto o corpo é masculino, e a mente, que une os dois, é a sizígia, ou a própria anima que é a interlocutora entre a psique e seu centro regulador que chamamos de Deus. Minha querida, eu gostaria de ser puro, como o branco, mas não sou, e, se você acha que tenho alguma inclinação à alvura, não se engane, pois sou um ser ambivalente e o que você vê em mim é o positivo do retrato de minha alma, mas negativamente carregada de todas as misérias humanas resgatadas de volta a uma caixa de Pandora, e recomposta de todas as cores do espectro devolvidas à sua fonte original através do mesmo prisma que as separaram, transformando-me no enganoso vazio total e neutro da cor que não representa apenas a ausência de cores ou a soma de todas elas, mas também uma contraposição ao nada que é gelado, escuro e assustadora e desproporcionalmente maior do que o insignificante todo para o homem, essas pedrinhas luminosas e solitárias que salpicam o breu sem-fim. Se eu me desvio para o branco, não é porque eu sou puro, pois nem mesmo meus terapeutas tiveram acesso ao meu lado sombrio, e nem porque sou um pacifista por convicção, mas por conveniência, pois minha apologia a não violência é apenas um simulacro para camuflar meu medo, daí o fato de minha face, às vezes, parecer estar pálida de sobressaltos. Na verdade, eu sou um medroso e sempre amarelo, mas sem as rédeas curtas de minha fobia social e de meu acanhamento, posso transformar-me numa fera indomável, como a matiz áurea que rechaça todo tipo de atenuação e transborda da tela onde o pintor tenta enclausurá-la com outras nuanças. Mas você é sublime, mais alva que o branco supremo, por isso muda de cor, como o negro do ébano que parece azul de tão negro. E você é como o branco do marfim que parece rosáceo de tão branco. Quem te fotografou, imaginou a vida como ela deveria ser hoje, e sua imagem deve ter sido captada ao som do que os cientistas chamam de big bang, quando o universo foi gerado, e as predisposições para cria-lo não são dos mesmos que tiveram a ideia de inventar Deus, antecipando que ele seria uma explicação plausível para este momento singular de sua alma.



segunda-feira, 17 de junho de 2024

LIBERDADE SILENCIOSA

Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chines com direito autoral protegido pela Lei 9610/98
 



É primavera na sisuda Leipzig da Alemanha Oriental, Esta semana de Maio de 1982 é muito especial, Há Manobras do Pacto de Varsóvia nas redondezas, Os soviéticos assumem o controle do trânsito e fazem muitas proezas, Misturam russo com alemão e inglês, todos atravessados, São quase polidos, apitam sem parar, não são muito animados,

Vim participar de uma exposição internacional muito disputada, Não há alojamento porque a infraestrutura da cidade está saturada, Vou para a delegacia da polícia e passo por uma triagem, A burocracia não é tão lenta e logo consigo um lar como hospedagem, É preciso andar de bonde para chegar até a periferia, Não existe táxi, nem carro para alugar, nem cortesia,

O dono é zelador no condomínio de prédios de dois andares, A dona trabalha como enfermeira nas redes hospitalares, A filha única foi para a casa da avó por uma semana, Para que eu pudesse usar seu quarto e dormir na sua cama, Ainda faz frio, a calefação cochila ao lado e com seu calor me abano, A noite é silenciosa e o ar é igual a todo lugar do planeta: humano,

A frígida manhã congela meus dedos que seguram a alça da pasta, O abrigo do ponto de bonde deixa passar frio e a mão ficar dura e gasta, Dentro do ônibus elétrico, em movimento, peço ao cobrador uma informação, Uma loira volta-se contra mim e vocifera ódio em alemão, Confundiu-me com um de seus americanos imperialistas, Aqui meu sotaque inglês é igual a todos, todos comunistas,

Ao longo da Avenida Stalin, não ouço Johann Sebastian Bach compor e tocar, Nem Johann Wolfgang von Goethe escrever e declamar, Não ouço Schumann, Hahnemann e Mendelssohn ecoarem na atmosfera, Só outdoors impondo aos alemães os ditames de uma opressiva e humilhante era, Eu devo ter um amigo russo porque ele é nossa única esperança de paz no mundo, Produzimos armas nucleares para nos defendermos do americano porco e imundo,

O frio é de lascar e, antes de chegar ao meu local de trabalho, paro num local familiar, Um outro pavilhão onde há um estande da nossa Petrobras com tudo no devido lugar, Mulheres lindas, bar completo, cachaceiro do Rio, pinga, limão e açúcar brasileiros, Uma caipirinha dupla esquenta o peito e a mente e deixa os membros bem ligeiros, Já sei onde vou completar todos os dias meu café das sete da manhã a semana inteira, Já sei onde farei uma parada no final do dia para falar português e tomar uma saideira,

De volta ao lar da menina que teve férias forçadas para que os pais fizessem um bico, Ainda preciso trabalhar, escrever relatórios à mão e enviá-los ao meu patrão rico, Vou até uma sala que tem um sofá, uma mesa de centro e uma redonda com cadeira, Ela fica entre meu quarto e o resto da casa e dá passagem obrigatória a uma geladeira, Antes de terminar, ouço uma porta ranger, levanto-me para ver que é numa hora destas, Vejo um vulto distanciando-se lentamente e que espreitava-me por entre as frestas,

Mais um dia de trabalho, hoje abençoado com um encontro com um velho amigo meu, Morou no Brasil, voltou à sua pátria, a Suíça, e estava fazendo em Leipzig o mesmo que eu, Ele ajuda-me a encontrar-me com a Ministra de Economia da Alemanha Oriental, A reunião é no estande de outra empresa brasileira conspirada com aquele país ditatorial, O dono tem que comer a Ministra todos os dias e depositar sua comissão numa conta na Suíça, A corrupção deles não é mais sofisticada do que a nossa e perde em questões de injustiça,

Meu amigo Suíço convida-me para sair para jantar com outros companheiros europeus, A noite de Leipzig é triste, solitária, deserta, um lugar desconhecido por Deus, Os velhos prédios ainda conservam todos os buracos de balas da segunda guerra mundial, Encontrar um restaurante é coisa rara, só com dia e hora marcada e expectativa mortal, Fomos  rechaçados por vários deles, até que um aceitou como suborno um valioso pó, A gente esquece todos esses inconvenientes tomando um copo cheio de vodca num gole só,

De volta ao meu ‘lar’, sou surpreendido com uma máquina de escrever sobre a mesa na sala, Ao lado dela, há um maço de papel sulfite caprichosamente alinhado com um pacote de bala, Imaginando minhas mãos calombentas e minha boca seca, meu anfitrião compadeceu-se, De propósito, deixou a porta da sala aberta, passou rapidamente pelo seu vão e escondeu-se, Tirei o paletó, afrouxei a gravata, arregacei as mangas compridas e pus me a trabalhar, Ouço passos macios do outro lado onde fica a cozinha e sinto que há alguém a me perscrutar,

Gostaria de dar uma escapada até a Escola de Tubinen para manifestar uma honraria, A Ferdinand Christian Baur que defendeu pela primeira vez o estudo científico da Bíblia, Mas o tempo é exíguo, então vou logo ali à famosa Universidade de Leipzig, Por onde passaram Wilhelm Leibniz, Goethe, Nietzsche, Wagner e só faltou Ludwig, Lá no campus e no refeitório conheço duas patrícias em busca do que não há em Portugal, Elas só sabem falar de dialética marxista e do iminente fim do ocidente imperial,

Em casa tenho outra surpresa: um par de abotoaduras peroladas e fingidas de mortas, Meu anfitrião continua tentando acerta-se comigo por linhas que me pareciam tortas, Primeiro foram minhas mãos calejadas, e agora são minhas mangas compridas sem botões, Eu sei que persegue-me uma inevitável amizade e logo abriremos nossos corações, E meus pensamentos são corroborados com sua entrada segurando duas garrafas de cerveja, Aqui começam as mimicas e o esforço paciente quando é fraternidade que se almeja,

Hoje resolvi sair mais cedo, andar a pé pela cidade para conhece-la melhor antes do sol se pôr, É hora do rush, as ruas estão inquietas, mas nos semblantes das pessoas há sinais de torpor, Todos andam de cabeça baixa, como se estivessem cuidando onde pisam para não tropeçar, Olham para o alto procurando a posição do sol para ver quanto falta para o dia terminar, Não há sorrisos, movimentos espontâneos, olhares maravilhados, nenhuma descontração, As pessoas parecem ainda viver em clima de guerra com a vida que flui por obrigação,

Lá em casa, meu anfitrião recebe-me com sua esposa e mais déjà vu, Iniciamos uma conversa baseada numa frase universal: I love you, Eles ensinam-me alemão e eu português e sobra um pouquinho para o inglês, As mãos falam pelas bocas e os olhos convertem tudo em humanês, Não existe fronteira, nem país, nem ideologia, só um fraterno apego, O silêncio imposto pelos mandatários é rompido por um livre aconchego,

Última noite em Leipzig num restaurante cubano com a turma da Petrobras, Nas paredes posters de Fidel, Guevara, Lenin e Marx, Copos de tequila num só gole, piadas brasileiras, música e alegria, Alguns gritam viva a revolução, outros não ao neo fascismo, outros viva a democracia, Todos embriagam-se, dançam e já não sabem de onde são, Todos amam-se uns aos outros, mas no dia seguinte de nada se lembrarão,

Último dia no meu lar em Leipzig e tenho a honra de almoçar com toda a família, Comida simples e farta, regada a vinho e aberta com uma homília, Meu anfitrião fez um cambalacho na antena para captar a rádio de Berlim Ocidental, Tento lhe mostrar que há muita coisa além de sua cortina de ferro prisional, Ele não me entende e me surpreende com uma coleção de discos dos Beatles original, Adquiridos através de contrabando e pagos em dólares do seu maior rival, 


Malas prontas, meu amigo alemão, que só tem primário, leva-as para mim até o ponto, Olha para mim ficando a imaginar se um dia teremos outro encontro, Eu lhe devolvo as abotoaduras, ele as aperta contra seu coração e as recola em minha mão, Entrega-me um papel com endereço, pede-me para escrever e não contém a emoção, Estamos quase derramando lágrimas, e, de irmão para irmão, damos abraços calorosos, Adeus Leipzig, adeus dias inesquecíveis, adeus meu amigo alemão, adeus tempos impiedosos.


TURNING POINT OF AN IDLE CHAT (MOMENTO DE DECISÃO NUMA CONVERSA MOLE)


Texto de autoria de AustMathr Viking Dubliner e Inglesa Luso-Chinesa com direito autoral protegido pela Lei 9610/98. 

Ele está de malinha pronta
Ele sempre viaja
Sozinho assim?
Ele nunca apronta
O que houver que haja
Não pula a cerca até o fim?
Você é mesmo marota
Será que ele brigou com ela?
Ele não briga com ninguém
Nunca deixaria uma linda garota
E você me acha bela?
Igual a você não tem
Então por que não me leva embora?
Com pouca roupa ele não vai longe
Nem a Paris, nem a Veneza
Talvez para terra de Pandora
Ou para o Tibete e ser um monge
Fazer voto de pureza?
Pode ser um momento de indecisão
Veja o brilho em seu olhar
Então deve ser a terra de Vitória
E se forem olhos de desilusão?
Veja seu modo de andar
Não parece uma postura que sugere glória
Será que vai tomar um banho de civilização?
Pode muito bem estar feliz neste inferno
Alugar isso aqui e vender Londres?
Veja o traje dele de descontração
Faz tempo que ele abandonou o terno
Até o linho da terra de Flandres
Ele é jovem por fora e sentimental por dentro
Corpo de homem e alma feminina
Jeans, camiseta preta, flores amarelas
Nem da esquerda, nem da direita, nem do centro
Conhece alguém assim com tanta adrenalina?
Você é uma delas
Isso me dá uma vontade!
Ele tinha jeito de me vou ou perco a cabeça de vez
Alguma coisa o fez mudar de ideia
Trocando conformismo por licenciosidade
Ou idealismo por falta de honradez
Ou a França pela terra de Medeia
Não é viagem a trabalho nem a passeio
Então vai pegar aquele trem só de ida?
Deve ter sido chamado para uma emergência
Ser um substituto por falta de outro meio
Ou ajudar alguém a cicatrizar uma ferida
Mas ele parece não ter urgência
E aquela história dele escrever um script para o cinema?
Mania passageira
E aquela dele dar curso sobre o Jesus histórico?
Pregação no deserto de dar pena
É aquela dele montar uma escola para ensinar língua estrangeira?
Ressuscitação de um passado fantasmagórico
Quem ele poderá substituir?
Talvez uma tragédia recente para excomungar uma antiga
É Antígona dando continuidade ao drama do irmão?
Ou Shakespeare copiando-a para Romeu e Julieta fazer essa história se repetir
Acha que para evitar o pior devemos fazer figa?
Pressinto que desta vez não
Veja sua expressão descontraída
Bonita como a minha?
Você não toma jeito
Você já viajou nesse trem só de ida?
Estamos nele, mas não chegamos ao fim da linha
Gosto muito deste carro leito
Por que não paramos na próxima estação para ver gente?
Já falta pouco para o nosso quando e o nosso onde
Será que ele embarca e segue viagem conosco?
Acho que ele vai voar até o sol poente
Ver o onde o sol se esconde?
Ver pela última vez o último raio fosco
Tem certeza que ele nunca pulou a cerca?
Isso não é jeito de falar
Que tal um modo de te seduzir?
Está querendo que eu me perca?
E se eu me comportar?
Talvez eu possa te incluir
Olha só, o trem parou e ele embarcou ao som do sino!
Vamos sentar ao lado dele e perguntar
Desculpe-me de ser tão enxerida
Nós queríamos saber qual é seu destino
Se não quiser, não precisa falar
Vou enfiar minha cabeça na privada deste trem
Puxar a descarga 
Esvaziar minha mente
E chegar em Vênus
Onde ninguém vai ligar para minhas flatulências
Desculpe minha intromissão
Só se Vênus tivesse uma temperatura entre 100 a 150 graus
Então existiria água na superfície do planeta
Por causa de sua pressão extremamente alta
No entanto a temperatura de Vênus chega a quase 500 graus
E uma vez que o ser humano é composto predominantemente de água
Você não vai conseguir soltar gases lá
Ao contrário
Lá você se tornará um verdadeiro flato
Ajudei?
Muito
Minha mãe sempre me disse que a vida é só um gás
Peguei o trem certo
Obrigado
Nossa, ele vai se perder ainda mais na vida
Perder os amigos e a família que nunca teve
Jogar fora seu nome
Recomeçar de um novo ponto de partida
Passar mais dez anos por onde já esteve
Beirar a privação até a fome
Perdoar-se em primeiro lugar
Renascer das cinzas e do seu amor próprio
Viver à margem de todas as convenções
Jamais orar como um hipócrita vulgar
Ser feliz no seu mundo alienatório
Passar o resto de sua vida sem nossas bendições